A dita-cuja é uma impossibilidade técnica. Imaginem que emenda teria de
ser redigida para anistiar quem ainda não foi condenado. É conversa de
loucos
Cheguei a supor, meio ingenuamente, admito, que a brilhante entrevista concedida
pelo advogado Alaor Leite à Folha desta terça pudesse, quando menos,
mudar a qualidade do debate sobre a impossível anistia ao caixa dois.
Leite afirmou o óbvio: como anistiar o que não é tipo penal? Ao menos,
ele lançou a hipótese como quem apela ao absurdo, que o objetivo fosse
anistiar outros crimes. Por que é um apelo retórico ao absurdo? Porque
isso é impossível.
É estupefaciente! Procuradores devem ter
abduzido alguns jornalistas. Ou, então, estes se tornaram
“vazamento-dependentes” e já não sabem viver sem que uma autoridade
cometa uma ilegalidade… em nome da lei.
É visível a mão do Ministério Público na
plantação não de uma informação, mas de um conceito: “Todo caixa dois
esconde corrupção, lavagem e peculato”. Embora o próprio Rodrigo Janot
tenha feito a distinção entre “caixa dois com contrapartida” e “caixa
dois sem contrapartida”, não serei eu a embarcar nessa canoa
furadíssima. Eis um debate que, se fosse sincero, seria ocioso. Como não
é, estamos no reino dos maliciosos.
Vamos lá. Seja na primeira instância,
seja no STF, o Ministério Público Federal sabe que não poderá imputar a
ninguém, não no direito penal, o crime de caixa dois. Por que não? Bem,
há um detalhe nada desprezível: o tipo não está no Código Penal. Os
doutores apelariam a qual artigo?
Assim, caberá ao Ministério Público
apresentar as provas de que o caixa dois foi apenas o meio com que se
efetivou, por exemplo, o pagamento de propina. E, nesse caso, o servidor
ou político será acusado de corrupção passiva. Se o dinheiro em questão
passou por maquiagens para ter apagada a sua origem, então se tem
lavagem de dinheiro. Se houve lesão aos cofres públicos e se a propina,
no fim das contas, saiu do erário, então se tem peculato. E vai por aí.
Mas que se note: será preciso, reitero,
apresentar as provas. Mas não a prova de que o caixa dois existiu. Essa
não serve para nada nos processos criminais em curso. Será preciso
demonstrar que os outros crimes aconteceram. Santo Deus! Que redação seria necessária
para, sob o pretexto de anistiar o que não é crime, se anistiarem
práticas que são?… Imagino a redação: “Ninguém poderá ser acusado de
corrupção, lavagem e peculato quando o dinheiro tiver origem no caixa
dois”… Será isso possível? Ora, se mesmo o caixa um pode ser safadeza,
como é que se poderia blindar quem recebeu pelo dois? Mais: seria uma
anistia prévia, é isso? Ou ainda: anistiar-se-iam os crimes, não os
criminosos?
O debate impressiona pela sandice. Mas a imprensa é refém desse troço.
MPF
Por que digo que o debate é malicioso? Porque não é o Congresso que
quer votar uma anistia. O Ministério Público Federal é que gostaria de
conduzir a coisa toda fora dos parâmetros legais, a saber: “POR
DEFINIÇÃO, caixa dois é corrupção, lavagem e peculato. E aqui estas as
provas da contabilidade paralela”. Esse é o elemento ausente dessa
conversa.
Ora, não sei se isso cola nas bandas da
13ª Vara Federal de Curitiba, onde reina Sergio Moro. Uma coisa é certa:
não vai colar no Supremo. Se Janot quer ver políticos condenadas por
corrupção, terá de apresentar a prova de que a corrupção existiu. Se os
quer ver condenados por lavagem, idem. Ademais, o MPF é livre para apresentar a
denúncia que quiser. E o STF a receberá ou não. Não há lei possível que
possa mudar isso.
Concluo
A verdade é que a propalada intenção do Parlamento de anistiar o
caixa dois é só uma cortina de fumaça para aquilo que o Ministério
Público queria e ainda quer: condenar pessoas por crimes os mais
variados, dispensando-se de apresentar as provas. Para os valentes,
bastaria evidenciar o caixa dois.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo