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domingo, 2 de abril de 2023

As críticas de Moro às anulações de provas e de ‘casos Odebrecht’ pelo STF

Ex-juiz diz 'respeitar' o Supremo, mas afirma que decisões de Lewandowski fazem o Brasil ‘desperdiçar oportunidade’ em casos contra poderosos

 Responsável enquanto ainda juiz pelas fases da Operação Lava Jato que colocaram de joelhos a Odebrecht, entre 2015 e 2016, o senador Sergio Moro (União-PR) tem críticas às decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), em particular do ministro Ricardo Lewandowski, que anularam provas apresentadas pela empreiteira em seu acordo de leniência e têm suspendido ou trancado uma série de processos contra políticos abertos a partir das revelações.

Foi Moro quem homologou o acordo da Odebrecht, em 2017, cujo conteúdo inclui os sistemas Drousys e MyWebDay B, que geriam a distribuição de propinas pela empreiteira e foram declarados imprestáveis enquanto provas por Lewandowski, abrindo caminho para a derrubada das ações. Reportagem de VEJA desta semana mostra como uma sucessão de decisões do ministro barrou processos contra poderosos, como o presidente Lula e seu vice, Geraldo Alckmin, e deflagrou uma “corrida” de delatados ao STF, que fazem fila em busca dos mesmos benefícios. “Embora respeitemos o STF, discordamos da anulação das ações e investigações penais. A Odebrecht admitiu os crimes e apresentou as provas, os registros eletrônicos das transações. Qualquer dúvida quanto à autenticidade dos documentos, deve ser resolvido com outras provas. Em outras palavras, é uma questão de valoração de provas e cabe ao juiz de cada processo fazê-lo, até porque eventual deficiência pode ser suprida por outras”, disse Moro a VEJA.

Diante do caráter transnacional da corrupção praticada pela Odebrecht, que distribuiu mais de 10 bilhões de reais em propina no Brasil e mais onze países, o ex-juiz federal observa que as provas da empreiteira foram preservadas e têm sido usadas fora do país. Um dos políticos que pediram extensão da decisão de Ricardo Lewandowski é o ex-presidente do Equador Jorge Glas, condenado e preso em um caso envolvendo propinas da empreiteira. “Outros países, como Peru, Equador, Panamá, reputam essas provas plenamente válidas e confiáveis e as usaram contra a corrupção e o suborno de altos funcionários públicos. Com todo respeito ao ministro, o Brasil está desperdiçando a oportunidade de fazer o mesmo”, completa Sergio Moro.

Entre ex-procuradores da Lava Jato, os entendimentos do STF que invalidaram os “sistemas da propina” da Odebrecht são tratados em termos muito mais duros. “O ministro está cedendo seletivamente, a conta-gotas, a quem interessa a ele. Se ele for ser coerente, derruba tudo, seria um escândalo”, esbraveja um ex-integrante do grupo de investigações da operação no Paraná.

Há ainda quem ironize a anulação das provas, que levou Lewandowski a suspender dezoito processos e trancar outros cinco em um intervalo de um ano e meio. “É o Inamps da corrupção, mais uma iniciativa para proteção do corpo político do país”, dispara reservadamente um ex-advogado da Odebrecht, referindo-se ao Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), o “antecessor” do SUS.

Maquiavel - Coluna em VEJA

sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Na balança os números e os fatos - Míriam Leitão


O Globo

O aliado preferencial escolhido pelo governo é também um competidor

O comércio exterior é aquele ponto no qual a ideologia se dissolve, e o pragmatismo é meio inevitável. A balança comercial do ano passado foi ruim porque a Argentina entrou em crise, a China e os Estados Unidos passaram o ano em guerra comercial, e o Brasil cresceu menos do que se esperava. Uma Argentina em crise é um mau negócio para o Brasil, seja de que tendência for o seu governo. A guerra entre Estados Unidos e China foi ruim, mas a paz pode trazer também perda para o Brasil porque um dos compromissos que os chineses assumirão no próximo dia 15 será comprar mais dos agricultores americanos, e isso pode significar menos exportações brasileiras.

O Brasil teve um grande saldo, de US$ 46 bilhões, mas foi o menor desde 2015. Ser menor não significa em si uma má notícia. O problema é que a corrente de comércio caiu também 5,7%. Ou seja, o Brasil vendeu menos e comprou menos. Só a crise argentina tirou do saldo brasileiro US$ 5,2 bilhões.  Enquanto o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, continua no seu delírio, a vida real exige atenção. Ele escreveu na mensagem de fim de ano que é preciso em 2020 “continuar lutando contra o mecanismo esquerdista” e alertou: “não basta fazê-lo dentro do Brasil.” Explicou que “a esquerda é sempre transnacional” e por isso “há que combater na frente externa”.

O mundo cada vez mais complexo, e o Brasil com um chanceler caça-fantasmas. “O lulopetismo+isentoleft são expressão de um projeto de poder global e globalista”, diz Araújo. A Argentina, como se sabe, recolocou a esquerda no poder. Se o novo governo conseguir atenuar a crise, ou superá-la, será uma excelente notícia para a indústria brasileira, até porque ela não tem mercados alternativos. A baixa competitividade dos manufaturados brasileiros faz com que o mercado argentino seja muito importante.  A China, que também deve ser parte desse “mecanismo esquerdista” que o ministro acha que tem que combater, no ano passado comprou US$ 65,4 bilhões do Brasil, mais do que o dobro dos US$ 29,5 bi dos Estados Unidos. [a China é um caso a parte, visto usar o comunismo, as regras da esquerda para o campo político, quanto ao seu comportamento no campo comercial é mais capitalistas que os Estados Unidos.]
 
A análise da balança comercial precisa ir além do olhar sobre o saldo comercial e até das exportações. As importações, por exemplo, revelam bastante sobre o nível de atividade e a recuperação da economia. Nesse ponto, há números que chamam atenção sobre o mês de dezembro. As importações caíram 7,4% sobre o mesmo mês de 2018, com queda dos bens de capital e forte aumento, de 12%, dos bens de consumo. Ou seja, por um lado, há menos gastos para investimentos e, por outro, consumo maior de bens que poderiam estar sendo vendidos pela indústria brasileira. No acumulado de janeiro a dezembro, as importações recuaram 3,3%.

Outro dado que chama atenção é o peso da importação de combustíveis e lubrificantes. Embora tenha ocorrido queda de 7,3% em 2019 com a compra desses produtos, o país ainda gastou US$ 20 bilhões nesses itens, o que significa 11% de tudo o que importamos. Em dezembro, os combustíveis foram o principal item da pauta importadora, acima dos eletrônicos e dos equipamentos mecânicos.

As exportações de carne bovina in natura aumentaram 48% em dezembro, sobre o mesmo mês de 2018, enquanto as vendas de carne suína subiram 72% e as de frango, 6,3%. São os efeitos da peste suína na China, que matou 40% da população de porcos do país. As empresas brasileiras do complexo de carne estão direcionando as vendas para a China e isso explica por que o preço da carne subiu tanto no país nos últimos meses. Por outro lado, com a devastação do rebanho suíno chinês, houve menor importação de soja. O Brasil vendeu mais carne e menos soja.

Na guerra comercial dos Estados Unidos e China no ano passado houve um impacto forte no comércio mundial, que afetou o mundo inteiro e alimentou o temor de uma recessão global. As negociações terminaram num acordo cuja primeira fase será assinada no dia 15 de janeiro, e a segunda fase, se tudo der certo, em março. O problema é que a paz entre eles está sendo selada com o compromisso de a China comprar mais grãos e cereais dos produtores americanos. O aliado preferencial escolhido pelo governo Bolsonaro é também um competidor nosso. Pobre Brasil que num mundo cheio de complexidades tem no comando da diplomacia alguém que acha que sua missão é combater “a esquerda na frente externa”. [temos que reconhecer que o 'grego' que está ministro do Exterior complica;
mas, vamos ser sinceros e reconhecer que em toda a movimentação no comércio exterior, apresentada nesta matéria, não ocorreu influência do chanceler, - se alguma houve foi ínfima.
Os fatos expostos ocorreriam, fosse chanceler o Barão do Rio Branco, Saraiva Guerreiro ou qualquer outro.]


Blog da Míriam Leitão, jornalista  - Com Alvaro Gribel,  São Paulo - O Globo