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quinta-feira, 8 de julho de 2021

Quanto mais vacinas melhor - Alon Feuerwerker

Análise Política

O resultado da vacinação em massa nos diversos países, e com as diversas vacinas, vai mostrando que nenhuma delas chega nem perto de ser infalível. O exemplo atual mais gritante é Israel, paradigma de imunização, e com a Pfizer. Os últimos dados mostram ali um crescimento importante do número de casos, inclusive entre plenamente vacinados. Mas não deve restar dúvida: vacinar é fundamental. Vacinas, está provado, protegem contra o agravamento da Covid-19, e portanto contra as mortes.

Proteger não significa necessariamente garantir 100% de proteção. E aí abre-se a brecha para as polêmicas. O Brasil faz campanhas de vacinação desde sempre, e nunca, como agora, ficamos por aqui discutindo se tal vacina tinha tantos porcento de eficácia. Íamos vacinar e ponto final. Será uma conquista se essa cultura for algum dia retomada. Não devemos perder a esperança de reconquistar a racionalidade que um dia tivemos para assuntos da saúde pública.

Sobre a vacinação contra a Covid-19, está evidente (já estava) que a velocidade é fundamental. Ela depende de 1) ter vacina, 2) ter uma estrutura veloz de vacinação e 3) as pessoas quererem vacinar-se. O terceiro ponto está progredindo de modo importante, dizem todas as pesquisas. Conforme a doença avança e há vacinas disponíveis, o ceticismo dá lugar ao pragmatismo em boa parte dos que lá atrás diziam não estar dispostos a vacinar-se.

O segundo ponto tem estado prontinho, e funcionando. O fator limitante continua sendo o primeiro, o número de vacinas. O Brasil até que vai bem, ainda mais considerado o fato de não ser produtor primário de imunizantes. Mas poderia estar melhor. Se tivesse aprovado rapidamente todas as vacinas que poderia aprovar. O caso mais conhecido é a Sputnik V. Mas não só. Na guerra comercial e geopolítica em torno das vacinas, a primeira vítima são as vítimas da Covid-19.

A Comissão Parlamentar de Inquérito no Senado teve foco lá atrás em pressionar a favor de acelerar a vacinação. Agora está mais concentrada em apurar eventual corrupção. Sempre algo importante. Mas será uma pena se abandonar aquele ímpeto inicial a favor da vacinação, e portanto da vida.
 
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político

terça-feira, 28 de julho de 2020

O candidato Bolsonaro - Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo

O governo vai mal, mas a campanha de Bolsonaro à reeleição vai muito bem, obrigada

O governo vai mal, mas a campanha do presidente Jair Bolsonaro à reeleição vai de vento em popa, repetindo os acertos de 2018, mas adaptando o candidato, os aliados, o discurso e as armas às circunstâncias de 2022. O pragmatismo, para evitar o impeachment e garantir maioria parlamentar, mira não só o presente e a governabilidade, mas também o futuro e a sucessão.

Depois de usar o “Jairzinho Paz e Amor” e o retiro da covid-19 para pontes com Judiciário e Legislativo e desanuviar o ambiente político, Bolsonaro volta à rotina diferente. Menos ataques, mais diálogo. Em vez de dividir, somar. No varejo e no atacado: além de apoiadores no Alvorada, viagens pelo País. Segundo o Estadão, Bolsonaro até liberou o funcionamento de 440 rádios comunitárias em março e abril, recorde na década. Para tocar música é que não é...

O “Paz e Amor” passou no primeiro teste: apesar de tudo, de todos e dele mesmo, Bolsonaro segurou seu patamar nas pesquisas, em torno de 30%, e até recuperou uns pontinhos. Mas, na estratégia para 2022, é preciso, a cada desastre, um culpado: governadores, prefeitos e Supremo pelos agora quase 90 mil mortos, [cara colunista: por favor, aponte culpados que não sejam os governadores e prefeitos - com provas - e mostre que os desmandos estaduais e municipais não tiveram o aval, público e indiscutível, do Supremo Tribunal Federal.] o vice Hamilton Mourão pelo desmatamento da Amazônia, Ricardo Salles pelo desmanche do ambiente...

Na mesma toada, transformar derrotas em vitórias. O governo foi contra o Fundeb, apresentou um monstrengo de uma última hora e só se rendeu porque perderia feio. Confirmado o fiasco, cria-se a narrativa: o governo venceu! Um governo da ajuda emergencial de R$ 600 não ficaria contra um fundo para o ensino de milhões de crianças pobres, não é? Os 30% bolsonaristas acreditam piamente. E os beneficiários agregam pontos a esses 30%.


Ato seguinte: reforçar os laços com o Centrão, mas sem perder os bolsonaristas raiz, que não têm muita serventia no Congresso, mas ajudam a manter a ilusão de que Bolsonaro era e continua sendo aquele da família, da religião, contra a velha política e a corrupção. Foi por isso, equilibrar Centrão e bolsonaristas, que Bolsonaro derrubou a deputada Bia Kicis (PSL) da vice-liderança do governo na Câmara, mas depois foi tirar foto sorridente com ela e suspendeu a troca do Major Vitor Hugo, bolsonarista, por Ricardo Barros, do Centrão, na liderança do governo.

Ao mesmo tempo, o presidente usa a Advocacia-Geral da União (AGU) – que não tem nada a ver com isso – para manter no ar as redes bolsonaristas de fake news. Em vez de ajudar, elas passaram a atrapalhar o presidente Bolsonaro, mas ainda serão muito úteis para o candidato Bolsonaro. Como em 2018. Se equilibra bolsonaristas com Centrão no Congresso e convence os protestos golpistas de deixarem de ser golpistas, o presidente cuida também do outro lado: dos críticos. Assim como a AGU, também o Ministério da Justiça está à disposição para seus interesses políticos. Como informa o repórter Rubens Valente, funcionários e estruturas de governo estão produzindo dossiês contra “antifascistas”, ou antibolsonaristas. Inclusive, acreditem, o humanista Paulo Sérgio Pinheiro. [Vale lembrar que é dever do presidente da República ao tomar conhecimento de ilegalidades sendo praticadas contra cidadãos, impedindo que direitos constitucionais sejam exercidos, adotar as medidas necessárias, sendo natural que a AGU seja acionada.]

É preciso saber como Bolsonaro vai retaliar os 152 bispos, bispos eméritos e arcebispos da Igreja Católica que assinam um manifesto contra o que chamam de “mensagens de ódio e preconceito” e aqueles outros “esquerdistas” que criticam seu governo: presidentes de países democráticos da Europa e da América Latina, fundos internacionais de investimento, bancos, grandes empresas, pessoal da Saúde.

Eles não estão ajudando, nada, nada, a reeleição, mas Carlos Bolsonaro, o 02, sabe muito bem como dar um jeito nisso e está se mudando de malas, bagagens e expertise eleitoral para Brasília. O “gabinete do ódio” assume nova roupagem: é o comitê de campanha, a mil por hora.

Eliane Cantanhêde, jornalista - O Estado de S. Paulo

quarta-feira, 29 de abril de 2020

Homicídios voltam a crescer - Merval Pereira

O Globo

Situação de 20 estados já indica que deve haver um crescimento entre 7% e 8% nos dois primeiros meses deste ano

No momento em que o presidente Bolsonaro se envolve em mais uma polêmica armamentista, revogando portarias do Exército que instituíam normas mais eficazes para controle e rastreamento de armas e munição, o governo vai se deparar com a notícia de que os homicídios voltaram a crescer em todo o país.  Dados de janeiro e fevereiro analisados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostram a tendência de crescimento. Os números não estão fechados ainda, mas a situação de 20 estados já indica que deve haver um crescimento entre 7% e 8% nos dois primeiros meses deste ano.

[Injusto e infundado o entendimento de ser o presidente Bolsonaro o responsável pelo crescimento - por enquanto, estimado - do número de homicídios;
O responsável,  ou responsáveis,  são os que de forma sistemática boicotaram, sabotaram todas as medidas propostas pelo presidente da República buscando combater a criminalidade.
fica dificil  combater a criminalidade no Brasil que tem como norma o favorecimento à impunidade - direitos demais para bandidos e limitações em excesso para as autoridades responsáveis pela Segurança Pública.]

O envolvimento do Exército em questões políticas, pois o presidente Bolsonaro anunciou pelo Twitter a decisão de mandar revogar as portarias, atendendo a pressões da indústria armamentista apoiada pela bancada da bala na Câmara, já incomoda ala de militares, que consideram que o trabalho técnico do Departamento de Fiscalização de Produtos Controlados interessa à proteção da sociedade como um todo, e não a um grupo especifico, como disse em sua carta de despedida o General de brigada Eugênio Pacelli Vieira Mota, que foi para reserva logo depois do cancelamento das portarias. Rastreamento de armas e marcação de munições para que possam ser identificadas interessa ao Judiciário, para esclarecimento de crimes, interessa ao combate às milícias. Num país em que 80% das mortes são por armas de fogo, é fundamental que o Estado tenha capacidade de rastrear armas e munições. [os opositores do presidente Bolsonaro, para não perderem o hábito de ser contra tudo que o presidente faça, ou pense, estão maximizando um controle que não é dos mais importantes.

FATO: nas investigações de um assassinato ocorrido no Rio, em 2018, foi proclamado aos quatro cantos que tinham identificado  o lote da munição utilizada no crime, onde foi vendida, quem comprou e  que tal identificação permitiria identificar autoria do crime, mandantes, etc.
Hoje, quase dois anos após a descoberta nada foi esclarecido - dois suspeitos estão presos por envolvimento em outros crimes.

Além do mais, consta que a decisão do presidente foi consequência de que as portarias revogadas contrariavam decreto.
Se algo houve de errado, foi a opção do presidente - que tem notória preferência por ser seu porta-voz - de divulgar via twitter.]

Ao mesmo tempo, o Ministério Público Federal quer incluir o caso no inquérito que foi aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as denúncias do ex-ministro Sergio Moro sobre interferências ilegais do presidente Bolsonaro na Policia Federal. Esse seria um outro exemplo de interferência, desta vez no Exército. Aliás, Bolsonaro acusou Moro de ser “desarmamentista” no seu pronunciamento sobre sua demissão.

O maior problema que os críticos vêem é a repolitização dos quartéis com a chegada ao governo de vários oficiais-generais, alguns inclusive da ativa, como Luiz Eduardo Ramos na Secretaria de Governo e o almirante Flavio Rocha na Secretaria de Assuntos Estratégicos. O fato de oficiais-generais da ativa fazerem parte do governo é simbólico dessa mudança, e grande número de militares em vários escalões do governo, indicam que o Exército voltou ao centro da política.

Recentemente, houve um princípio de desentendimento entre a ala de militares com gabinete no Palácio do Planalto e o ministro da Economia Paulo Guedes, em torno do programa Pró-Brasil, uma proposta incipiente de retomada econômica feita sem a participação da equipe de Guedes. O ministro da economia aparentemente venceu o primeiro round, depois de estar quase fora do governo, mas terá ainda que enfrentar resistências da política. Os partidos que formam o centrão estão interessados no plano dos militares de retomada de obras públicas, e se incomodam com a insistência de Guedes de manter o controle dos gastos dentro do possível na situação de crise social em que vivemos devido à pandemia da Covid-19.

A tese de que o momento é de o governo gastar é tentadora para políticos fisiológicos, e faz sentido para militares com uma visão estatista da economia. A mistura de militares nacionalistas com políticos da estirpe de Roberto Jefferson e Valdemar da Costa Neto é outro estranhamento para os que não vêem com bons olhos a participação de militares na atividade politica. O pragmatismo prevalece na saída de Sergio Moro, que tinha o apoio dos militares.

Há os que consideram que os militares estão desfazendo um trabalho de 30 anos, em que foram “o grande mudo”, granjeando respeito da opinião pública. [foram o 'grande mudo' e o Brasil se tornou a bagunça, o antro de corrupção, o CAOS CAÓTICO que a cada dia afunda mais nossa Pátria Amada.] Inicialmente, os militares que aderiram mais diretamente à candidatura de Bolsonaro achavam que ele, por ser popular, abriria espaço para os militares voltarem à vida pública com um selo de legitimidade da eleição presidencial. O problema é que funções de governo são essencialmente políticas, e as Forças Armadas são instituições de Estado, de acordo com a Constituição. Quando a política entra por uma porta, a hierarquia sai pelo outro.

Merval Pereira, jornalista - O Globo


sexta-feira, 3 de janeiro de 2020

Na balança os números e os fatos - Míriam Leitão


O Globo

O aliado preferencial escolhido pelo governo é também um competidor

O comércio exterior é aquele ponto no qual a ideologia se dissolve, e o pragmatismo é meio inevitável. A balança comercial do ano passado foi ruim porque a Argentina entrou em crise, a China e os Estados Unidos passaram o ano em guerra comercial, e o Brasil cresceu menos do que se esperava. Uma Argentina em crise é um mau negócio para o Brasil, seja de que tendência for o seu governo. A guerra entre Estados Unidos e China foi ruim, mas a paz pode trazer também perda para o Brasil porque um dos compromissos que os chineses assumirão no próximo dia 15 será comprar mais dos agricultores americanos, e isso pode significar menos exportações brasileiras.

O Brasil teve um grande saldo, de US$ 46 bilhões, mas foi o menor desde 2015. Ser menor não significa em si uma má notícia. O problema é que a corrente de comércio caiu também 5,7%. Ou seja, o Brasil vendeu menos e comprou menos. Só a crise argentina tirou do saldo brasileiro US$ 5,2 bilhões.  Enquanto o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, continua no seu delírio, a vida real exige atenção. Ele escreveu na mensagem de fim de ano que é preciso em 2020 “continuar lutando contra o mecanismo esquerdista” e alertou: “não basta fazê-lo dentro do Brasil.” Explicou que “a esquerda é sempre transnacional” e por isso “há que combater na frente externa”.

O mundo cada vez mais complexo, e o Brasil com um chanceler caça-fantasmas. “O lulopetismo+isentoleft são expressão de um projeto de poder global e globalista”, diz Araújo. A Argentina, como se sabe, recolocou a esquerda no poder. Se o novo governo conseguir atenuar a crise, ou superá-la, será uma excelente notícia para a indústria brasileira, até porque ela não tem mercados alternativos. A baixa competitividade dos manufaturados brasileiros faz com que o mercado argentino seja muito importante.  A China, que também deve ser parte desse “mecanismo esquerdista” que o ministro acha que tem que combater, no ano passado comprou US$ 65,4 bilhões do Brasil, mais do que o dobro dos US$ 29,5 bi dos Estados Unidos. [a China é um caso a parte, visto usar o comunismo, as regras da esquerda para o campo político, quanto ao seu comportamento no campo comercial é mais capitalistas que os Estados Unidos.]
 
A análise da balança comercial precisa ir além do olhar sobre o saldo comercial e até das exportações. As importações, por exemplo, revelam bastante sobre o nível de atividade e a recuperação da economia. Nesse ponto, há números que chamam atenção sobre o mês de dezembro. As importações caíram 7,4% sobre o mesmo mês de 2018, com queda dos bens de capital e forte aumento, de 12%, dos bens de consumo. Ou seja, por um lado, há menos gastos para investimentos e, por outro, consumo maior de bens que poderiam estar sendo vendidos pela indústria brasileira. No acumulado de janeiro a dezembro, as importações recuaram 3,3%.

Outro dado que chama atenção é o peso da importação de combustíveis e lubrificantes. Embora tenha ocorrido queda de 7,3% em 2019 com a compra desses produtos, o país ainda gastou US$ 20 bilhões nesses itens, o que significa 11% de tudo o que importamos. Em dezembro, os combustíveis foram o principal item da pauta importadora, acima dos eletrônicos e dos equipamentos mecânicos.

As exportações de carne bovina in natura aumentaram 48% em dezembro, sobre o mesmo mês de 2018, enquanto as vendas de carne suína subiram 72% e as de frango, 6,3%. São os efeitos da peste suína na China, que matou 40% da população de porcos do país. As empresas brasileiras do complexo de carne estão direcionando as vendas para a China e isso explica por que o preço da carne subiu tanto no país nos últimos meses. Por outro lado, com a devastação do rebanho suíno chinês, houve menor importação de soja. O Brasil vendeu mais carne e menos soja.

Na guerra comercial dos Estados Unidos e China no ano passado houve um impacto forte no comércio mundial, que afetou o mundo inteiro e alimentou o temor de uma recessão global. As negociações terminaram num acordo cuja primeira fase será assinada no dia 15 de janeiro, e a segunda fase, se tudo der certo, em março. O problema é que a paz entre eles está sendo selada com o compromisso de a China comprar mais grãos e cereais dos produtores americanos. O aliado preferencial escolhido pelo governo Bolsonaro é também um competidor nosso. Pobre Brasil que num mundo cheio de complexidades tem no comando da diplomacia alguém que acha que sua missão é combater “a esquerda na frente externa”. [temos que reconhecer que o 'grego' que está ministro do Exterior complica;
mas, vamos ser sinceros e reconhecer que em toda a movimentação no comércio exterior, apresentada nesta matéria, não ocorreu influência do chanceler, - se alguma houve foi ínfima.
Os fatos expostos ocorreriam, fosse chanceler o Barão do Rio Branco, Saraiva Guerreiro ou qualquer outro.]


Blog da Míriam Leitão, jornalista  - Com Alvaro Gribel,  São Paulo - O Globo

 

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

A necessária distensão – Editorial - O Estado de S. Paulo

Há sinais de que em nome de décadas de boa convivência e sólida relação comercial, os governos da Argentina e do Brasil decidiram optar pelo pragmatismo


A decisão do presidente Jair Bolsonaro de enviar o vice-presidente Hamilton Mourão para representar o Brasil na posse do presidente da Argentina, Alberto Fernández, realizada ontem, pode contribuir para distender a relação entre os dois países, afetada por divergências ideológicas profundas entre os dois chefes de Estado.  Não se deve esperar, é claro, que essas divergências sejam de todo superadas, pois derivam de visões de mundo completamente antagônicas, mas há sinais de que, em nome de décadas de boa convivência e de uma sólida relação comercial, os governos da Argentina e do Brasil decidiram, afinal, optar pelo pragmatismo, e não pelo confronto.

Não parece ter sido uma decisão fácil para o presidente Bolsonaro, que até o último minuto parecia firme em sua disposição de não enviar ninguém do primeiro escalão para a posse de Alberto Fernández. Na véspera, Bolsonaro informou que ainda estava analisando a “lista de convidados” do novo presidente argentino para avaliar se mandaria alguém.

A preocupação do presidente brasileiro era com a presença de líderes esquerdistas com os quais não queria nenhum tipo de contato, a começar pelo presidente de Cuba, Miguel Díaz-Canel. A tal lista de convidados que Bolsonaro avaliou incluía o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e os ex-presidentes Lula da Silva e Dilma Rousseff, além dos ex-presidentes Rafael Correa, do Equador; José Pepe Mujica, do Uruguai; Fernando Lugo, do Paraguai; e Evo Morales, da Bolívia. Lula, Dilma, Evo e Maduro não foram, mas era realmente difícil imaginar o presidente Bolsonaro à vontade mesmo entre os demais próceres da esquerda latino-americana que prestigiaram a posse.

Problema maior, contudo, era ter de cruzar olhares ou sair na foto com a vice-presidente eleita, Cristina Kirchner. Durante a campanha eleitoral argentina, Bolsonaro qualificou Fernández e Cristina de “bandidos de esquerda” e disse que, se “a esquerdalha” vencesse, “o povo (argentino) saca, em massa, seu dinheiro dos bancos”, entre outros efeitos catastróficos.

Do lado argentino, o comportamento na campanha não foi muito melhor. O agora presidente Fernández reagiu às provocações de Bolsonaro chamando o presidente brasileiro de “racista, misógino e violento”. Além disso, fez campanha pela libertação de Lula da Silva, qualificando o petista como “preso político” – uma afronta à Justiça brasileira. Não era um bom prenúncio para as relações entre os dois países.

Contudo, os ânimos parecem ter arrefecido. Há alguns dias, Fernández aproveitou uma visita do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, para enviar a Bolsonaro uma mensagem de “respeito” pelo Brasil. Do lado brasileiro, houve pressão, dentro do governo e também do Congresso, para que Bolsonaro recuasse de sua determinação de boicotar a posse. Funcionou. “Achamos melhor, para não dar a entender que estamos fechando portas”, explicou Bolsonaro sobre a decisão de enviar o vice-presidente Mourão. “O que interessa para nós interessa para eles”, completou o presidente, referindo-se à relação entre os dois países.

Houve alívio imediato entre os empresários brasileiros. Embora admita que “não ficou uma mensagem positiva” de todo o entrevero entre Bolsonaro e Fernández, o vice-presidente da Fiesp, José Ricardo Roriz, disse que “prevaleceu o bom senso”, pois “a Argentina é o país que historicamente mais compra manufaturados do Brasil e é importante manter uma boa relação, independentemente da posição ideológica do presidente”.

Do lado argentino, o novo presidente disse, em seu discurso de posse, que “com o Brasil, em particular, temos que construir uma agenda ambiciosa, inovadora e criativa, nas áreas tecnológica, produtiva e estratégica, apoiada pela irmandade histórica de nossos povos e que vá além de qualquer diferença pessoal daqueles que governam”.


Se o Brasil não pode colocar em risco a relação com um parceiro comercial tão estratégico como a Argentina, os argentinos, por sua vez, não podem nem sequer cogitar de brigar com o Brasil no momento em que o novo governo assume já avisando que “tem vontade de pagar (a dívida externa), mas não tem capacidade para fazê-lo”.

A necessária distensão – Editorial - O Estado de S. Paulo