A aplicação da vacina contra a covid-19 tornou-se um escândalo no Brasil. É inevitável. Há dez meses a tragédia do vírus tem sido objeto de uma deslavada, ininterrupta e maciça campanha de exploração política por parte de governantes obcecados pelas vantagens materiais que podem tirar da desgraça comum. Não são apenas os homens públicos. É também o sistema de interesses que vive em torno deles – e todo o bloco de militantes e de bem intencionados que, como de costume, se aproveita ou se deixa conduzir pelos ruídos que combinam melhor com os seus desejos e com aquilo que imaginam ser as suas ideias.
A vacinação contra a covid, obviamente, deveria ser um tema de concórdia, de harmonia e de cooperação entre todos os que têm alguma responsabilidade em relação às questões mais elementares da saúde pública. No Brasil, até este momento, tem ocorrido exatamente o oposto – o que deveria ser um alívio virou uma guerra. A rixa se resume, para encurtar essa conversa, à “vacina federal” e a “vacina do Doria”. Uma e outra são boas, ou ruins, dependendo de que lado o sujeito está: quem está a favor do presidente Jair Bolsonaro é a favor da primeira vacina e contra a segunda: quem está contra o presidente acha precisamente o contrário. [um esclarecimento: somos antes de tudo a favor de que a população do planta Terra, se possível dando prioridade aos mais de 210.000.000 de brasileiros, tenha acesso imediato a uma vacina segura no uso e eficaz na imunização - as duas características comprovadas pela Anvisa ou por órgão de renome e credibilidade igual ou superior ao FDA.
A coronovac temos que colocar em último lugar não por ser chinesa e sim por não ter sido autorizada em nenhum país - eventual autorização conferida por um órgão do governo chinês, estabelecido em solo chinês, não conta - estar ainda na FASE 3 de testes.]
A “vacina federal”, até
agora, pode ser qualquer uma, menos “a do Doria”. A vacina do
governador de São Paulo também pode ser qualquer uma, desde que seja a
chinesa – a “coronavac”, fruto de um acordo entre ele, via Instituto
Butantan, e o laboratório Sinovac, da China. A partir daí, está valendo
tudo. Que os departamentos de marketing pessoal do presidente e do
governador tenham uma briga de foice em torno da covid não é novidade
para ninguém. Mas também é fato que qualquer medicamento, pela lei, só
pode ser aplicado no Brasil se for aprovado pela Anvisa – e o governo
federal exige que a “coronavac”, ou qualquer outra vacina, receba essa
licença para ser utilizada. Não há, realmente, divergências sérias sobre
a necessidade legal e científica da autorização da Anvisa.
O problema é que ela não licenciou até agora nenhuma das três vacinas
que solicitaram a homologação – a americana da Pfizer, a britânica da
AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, e a chinesa da
Sinovac. [atualizando: ocorreu uma interpretação equivocada dos dados da Fase 3 da vacina da AstraZeneca/Oxford, que gerou um pequeno atraso; - a vacina da Pfizer foi aprovada pelo FDA - o que, conforme a legislação vigente, dispensa sua aprovação imediata pela Anvisa - mas para que a utilização emergencial seja autorizada, é necessário que Pfizer requeira à Anvisa - juntando, por óbvio, o laudo do FDA; - - a vacina chinesa é que além de não ter concluída a FASE 3, não teve seu uso emergencial autorizado pelo FDA ou qualquer um dos órgãos autorizados pelo governo brasileiro - LEI Nº 14.006, DE
28 DE MAIO DE 2020, art. 3º, alínea a, inciso VIII: "Art. 3º
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VIII –
autorização excepcional e temporária para a importação e
distribuição de quaisquer materiais, medicamentos, equipamentos e
insumos da área de saúde sujeitos à vigilância sanitária sem
registro na Anvisa considerados essenciais para auxiliar no combate
à pandemia do coronavírus, desde que:
a)
registrados por pelo menos 1 (uma) das seguintes autoridades
sanitárias estrangeiras e autorizados à distribuição comercial em
seus respectivos países:
1. Food and Drug Administration (FDA);
2. European Medicines Agency (EMA);
3. Pharmaceuticals and Medical Devices Agency (PMDA);
4. National Medical Products Administration (NMPA);"]
Não
é uma atitude isolada. A mais bem reputada das agências de controle de
remédios em todo o mundo, a FDA americana, só autorizou até agora a
utilização de um imunizante: na sexta-feira, o órgão permitiu o uso
emergencial da vacina desenvolvida pela Pfizer – ou seja, temporário,
gratuito e sujeito a ser cancelado a qualquer momento.
Governo entrega plano de vacinação ao STF sem prever data para começar a imunizar
[A leitura da matéria linkada, acima, é conveniente. Entre outras informações deixa claro que apesar do plano cobrado pela oposição, ter sido entregue para o sábio escrutínio do ministro Lewandowski, ainda não resolve o impasse: qualquer plano de vacinação exige a disponibilidade física da vacina. O governo não tem condições de prever data, por desconhecer quando a vacina estará disponível fisicamente no Brasil.]
O único país que começou a vacinação em massa, a Inglaterra, está utilizando a vacina da Pfizer, que foi licenciada pela agência de controle britânica. O certo é que a vacina chinesa, fora a própria China e o governador Doria, não interessou a mais ninguém no planeta.
Não recebeu a homologação de nenhum país com um mínimo de tradição em saúde pública.
O governador, apoiado pela oposição, a esquerda e os inimigos de Bolsonaro, já começou a envasar a vacina chinesa, e quer que ela seja aplicada sem a aprovação da Anvisa.
Bastaria, para tal, que fosse liberada pelas agências de controle dos Estados Unidos, da Europa, do Japão, que até agora não homologaram vacina nenhuma – e, é claro, da China, a única que aceita a “vacina do Doria”. Como se vê, é guerra, e guerra grosseira.