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segunda-feira, 17 de fevereiro de 2020

Política em tempos de vírus - Fernando Gabeira

Em Blog
 
Antes que venha o carnaval, aproveito para especular sobre a política e o coronavírus. Ficou um pouco no ar um debate sobre que tipo de governo consegue lidar melhor com a epidemia.  Os chineses fizeram um hospital em dez dias, e alguns analistas acharam que isso era uma vantagem de um governo autoritário: não precisava de trâmites burocráticos da democracia. Acontece que a própria democracia tem meios de suprimir sua lentidão quando se trata de uma emergência nacional. Os japoneses, por exemplo, demonstraram rapidez na recuperação do país dos estragos provocados pelo tsunami. [antes de começar, lembramos aos nossos dois leitores, que somos radicalmente contra o comunismo.
Mas, certas verdades precisam ser apontadas, ainda que o façamos com certa contrariedade. O comunismo tem centenas de defeitos, mas, apresenta uma grande vantagem: caminha em paralelo com um regime forte. (especialmente o comunismo de agora -  o que tentaram estabelecer no Brasil em 64, se notabilizou por atingir naquela época o número de mais de 100.000.000 de mortos. Stálin, foi UM dos muitos tiranos, incluindo Mao, Pol Pot - em quatro anos, 75/79, matou mais de um  1,5 milhão de cambojanos.
Não existe comunismo bom, mas o chinês usa alguma coisa menos danosa do comunismo e aplica no capitalismo.)
A rapidez dos japoneses, foi aplicada sobre os efeitos já havidos de um tsunami, com área e danos já definidos.

A rapidez dos chineses, foi aplicada com eficiência, para conter um vírus desconhecido, altamente contagioso, sem nenhum limite definido. Detalhe: as medidas de contenção estão dando certo. Há risco de propagação se o vírus alcançar países democratas - em que tudo é discutido, rediscutido, judicializado. 
O Brasil, na década de 70, conteve uma epidemia de meningite sem alarde.
Um hospital com mais de 2.000 leitos em 10 dias  e outro 50% maior em igual prazo e isolar 12.000.000 de pessoas são  algo que, definitivamente, não se faz com democracia. Fossem tentar, a epidemia virava pandemia e nada acontecia.
Um exemplo bem menor: o governador do DF está 'governando' há 14 meses e ainda não conseguir definir em qual local de Ceilândia - cidade satélite do DF - vai construir um segundo hospital.]
 
Um outro argumento, em muitos textos ocidentais, afirmava que só um país como a China tinha o poder de isolar 12 milhões de pessoas.  Possivelmente, muitos países falhariam em isolar tantas pessoas. No entanto, a própria China falhou de uma certa forma em Wuhan. Cinco milhões de pessoas deixaram a cidade, segundo o prefeito demissionário, antes que ela fosse isolada. Um dos fatores que dificultaram Wuhan reconhecer a expansão do vírus era precisamente o medo da burocracia local de comunicar à burocracia nacional um fato tão grave. A tendência é esconder. O medico Li Wenliang, que chamou a atenção para a propagação do coronavírus, foi visitado pela polícia política e forçado a admitir que propagava fake news. Depois de sua morte, tornou-se um herói popular. Mas o que aconteceu com ele mostra a fragilidade maior dos regimes autoritários ao lidar com esta questão: a falta de transparência.

Há um elo entre transparência e cooperação. O modelo democrático que valoriza a transparência tem melhores condições de atrair a energia popular e avançar com o seu consentimento. Uma resposta a uma epidemia nunca será perfeita. Entre o viés autoritário e o democrático, continuo achando que o segundo tem mais eficácia.
Mas, para que a resposta funcione na plenitude, é preciso também que a democracia ande a pleno vapor. As autoridades brasileiras, por exemplo, não escondem as grandes tragédias urbanas provocados pela chuva.

No entanto, não assumem suas consequências. Não reconhecem a fragilidade da infraestrutura, não admitem seu longo descaso, muito menos começam a adotar as medidas quase que consensuais entre os que estudam o impacto desses eventos extremos.  Espera-se muito das eleições municipais. Para se desfazer da complicação do tema, diz-se: é um ano de eleição, é preciso escolher bem.  Mas os candidatos pouco podem fazer sem uma compreensão de que o tema transcende ao âmbito municipal. Seria preciso que todas as dimensões do poder se dessem conta. E, é claro, que a própria sociedade se envolvesse na sua autodefesa.

Outro dia vi a história repetida por Bolsonaro sobre a troca de povos, japoneses para cá, brasileiros para lá. O sonho de trocar de povo tem sido recorrente. Na visão onírica, o povo deveria trabalhar e ser disciplinado como os japoneses. E não gastar dinheiro na Disney. Os dados inquietantes sobre a crise ambiental passam um pouco em branco, como a temperatura de 20 graus na Antártica. Os acontecimentos na China nos estimulam a buscar saídas para essas armadilhas circulares: o governo sonha com outro povo, o povo sonha com outro governo.  Assim como nas cidades, a resposta transcende à escolha eleitoral. Pede mudanças mais amplas. Na verdade, uma adaptação à nova realidade.

Não pretendo esgotar o tema, muito menos diminuir a importância das eleições. Mas só uma grande transformação cultural dará conta dessas mudanças que alteraram as bases da vida no planeta.  Mesmo sem mitificar a ciência, já no princípio do século, achava que o caminho de uma política adequada dependeria de uma sólida aliança com os cientistas.  Hoje, ao ver um governo que se distancia deliberadamente da ciência, não creio que o obscurantismo triunfou. Ele apenas torna mais difícil uma tarefa que, mesmo ao lado do melhor conhecimento científico, é uma das mais complexas que a imaginação política já enfrentou.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista

 Artigo publicado no jornal O Globo em 17/02/2020