Análise Política
Um paradoxo assombra a política e a análise política. Luiz Inácio Lula
da Silva e o Partido dos Trabalhadores elegeram-se porque conseguiram
atrair por gravidade o apoio de um segmento minoritário da direita não
bolsonarista. Um setor que participara ativamente da ofensiva
antilulista e antipetista no dito mensalão, na Lava-Jato, no impeachment
de Dilma Rousseff e na inelegibilidade e prisão de Lula.
Decorre também desse paradoxo o cenário curioso, mas analiticamente bem
decifrável, em que Lula está obrigado a fazer um governo de coalizão com
o “centro”, pois não detém maioria parlamentar própria, está longe
disso, enquanto busca a todo momento e em todos os terrenos fortalecer
seu campo político, programática e organicamente, e enfraquecer esse
centro.
Tem lógica, mas é uma linha algo diferente da do outro presidente Lula, aquele do passado.
Todo líder e grupo político buscam o poder. Se estão nele, a preocupação
central é como mantê-lo. No caso de Lula e do PT, o cálculo delicado
parece buscar o ponto ótimo em que a direita centrista estará com o
governo para evitar sua queda, mas não ficará forte o suficiente para
nutrir realisticamente ambições próprias. Ou, pior, voltar a flertar com
o bolsonarismo que apoiou em 2018.
Enquanto oferece recompensas a esse grupo, ou conjunto de grupos,
precisa também submetê-lo. É o que no PT se chama de “fazer a disputa”.
No momento, Lula e o PT não estão “fazendo a disputa” somente contra
Jair Bolsonaro, que afinal continua sendo o dono da esmagadora maioria
do voto antipetista, mas também, e talvez principalmente, contra os
companheiros ocasionais de viagem.
No passado, houve momentos em que Lula pareceu atraído pela
possibilidade de as alianças táticas ganharem caráter estratégico. Entre
1989 e 1994, PT e PSDB foram partidos quase irmãos, ou pelo menos
primos, nutridos ambos na luta contra o que se chamava de “corrupção e
fisiologismo” da Nova República. O namoro acabou quando Fernando
Henrique Cardoso se juntou ao PFL (hoje União Brasil) para derrotar
Lula.
Depois, ao longo de seus 14 anos no Planalto, Lula pareceu
progressivamente atraído pela possibilidade de uma união estável com o
"centro democrático". O momento-chave foi quando buscou uma aliança com o
então PMDB de Michel Temer na eleição da presidência da Câmara dos
Deputados em 2007, o que abriu caminho para Temer ser o vice de Dilma em
2010. O mesmo Temer que viraria o pivô da deposição dela em 2016.
É verdade que em algum momento parte do PT calculou ser melhor para o
futuro do partido a abreviação do governo Dilma. Outra verdade: na
véspera do desfecho, Lula buscou os velhos aliados do MDB com um apelo
dramático pela permanência de Dilma, mas bateu num muro de gelo. Ali já
estava em pleno trabalho de parto o projeto de poder da aliança
PMDB-PSDB.
Que depois foi atropelado pela revolução bolsonarista com quem o centro se abraçara em 2015-16.
A eleição de 2022 e os fatos recentes vêm ressuscitando o discurso da
“frente ampla em defesa da democracia”, graças também à ajuda de
Bolsonaro. Mas essa tentativa de repetição da história traz boa dose de
artificialidade, pois, se é verdade que o PT nunca fez a autocrítica que
os adversários lhe exigiram, também é fato que, no olhar de Lula e do
PT, os hoje aliados são os mesmos que ontem os esfaquearam.
A História pesa.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político