O “sim” e o “não” contam com argumentos aceitáveis; um é mais de natureza técnica; o outro, política
Huuummmm… Uma questão espinhosa vai chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF). Será que o deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) tem de deixar a Presidência da Câmara uma vez que já é réu, isto é, que a denúncia contra ele foi aceita pelo Supremo? Será que essa dúvida se coloca especialmente agora, quando, assim que Michel Temer assumir a Presidência, será ele o primeiro na fila a substituir o presidente?
Que fique
claro, hein? Isso vale apenas para a vacância temporária. Se o agora
vice perder o mandato quando na Presidência, haverá eleições diretas se
isso ocorrer até 31 de dezembro de 2016 e indiretas se a partir de 1º de
janeiro do ano que vem. É mentira que Cunha vai passar a ser
vice-presidente. Adiante, que a questão é mais complexa do que parece.
A
Procuradoria-Geral da República entrou, no fim do ano passado, no
Supremo, com uma ação cautelar pedindo que Cunha seja afastado da
Presidência da Câmara porque estaria usando o cargo para obstruir o
processo contra si mesmo no Conselho de Ética.
Pois é… Para
que os ministros deponham Cunha do comando da Casa, será preciso
evidenciar que ele apelou a manobras não regimentais para impedir que o
processo prosperasse. Sem essa materialidade, dificilmente o Supremo
interferiria dessa forma em outro Poder. E isso não está claro no pedido
da Procuradoria, diga-se.
Muito bem!
Essa questão estava posta antes de o afastamento de Dilma ser dado como
certo. Com a iminência da posse de Temer, surge outra questão relevante:
Cunha pode substituí-lo em vacâncias temporárias? De onde decorre a
dúvida? Notem: um
presidente da República não pode continuar no cargo depois que a
denúncia contra ele é aceita pelo Supremo (no caso de crime comum) ou
pelo Senado (no caso de crime de responsabilidade).
Assim, por
isonomia, é perfeitamente legítimo entender que, se um presidente
titular não pode ser um réu, tampouco pode aquele que o substitui, ainda
que temporariamente. Vista a coisa por esse ângulo, a resposta parece
óbvia.
E, no entanto, não é.
Vamos ver.
Quem vai assumir o lugar de Temer, temporariamente, não é o “indivíduo
Cunha”, mas o presidente da Câmara, seja ele quem for. Ora, se a lei não
obriga um parlamentar réu a se afastar, ele continua um parlamentar no
pleno exercício de suas prerrogativas — e, entre essas prerrogativas,
está presidir a Câmara. E, entre as prerrogativas do presidente da
Câmara, está assumir a interinidade quando necessário.
Observem
que, quando Janot foi ao Supremo para tirar Cunha da Presidência da
Casa, ele ainda não era réu. Mas, ainda que já fosse, não teria feito
tal alegação porque não há lei que impeça o deputado de exercer a
função. Janot apontou uma espécie de abuso de poder com desvio de
função: uso do cargo para impedir que prospere o processo no Conselho de
Ética.
Teori
Zavascki, o relator do pedido de afastamento de Cunha, prefere ouvir o
plenário sobre o conjunto da obra. Acreditem: é mais fácil abraçar a
tese de Janot, embora seja preciso apresentar as provas de manipulação
do Regimento do que a da isonomia. E a razão é simples: se um sujeito
pode continuar a ser deputado mesmo depois de réu, como alegar que isso é
possível, mas sem as prerrogativas do cargo?
Para a
sanidade do processo político, é claro que seria melhor que Cunha
deixasse a Presidência da Câmara. Ocorre que isso precisa de base
jurídica, e esta não é das mais simples. Um resultado — ele fica na
Presidência — tem uma sustentação que é principalmente técnica; o outro —
ele sai — se ancora mais numa argumentação política.
Antes que
reclamem, saibam: o direito tem zonas cinzentas de definição em qualquer
lugar do mundo. Não fosse assim, não haveria juízes para decidir, mas
computadores. E eu lhes asseguro que o mundo seria bem pior.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo - VEJA
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