O fato de Eduardo Paes ter apresentado a ciclovia como parte do chamado ‘legado olímpico’ é parte do problema
Coube ao
leitor Rogério Ribeiro de Oliveira apontar a atroz incongruência que
salta aos olhos em todas as fotos da tragédia ocorrida na quinta feira
na Ciclovia Tim Maia. Em primeiro plano, o fatal rasgo de 50 metros na
obra de apenas três meses, erguida com recursos tecnológicos de ponta e
saber da engenharia do século 21. Ruiu
Nas fotos logo atrás dela, no mesmo trecho rochoso da encosta, sólido e indiferente ao mar em ressaca, o clássico viaduto construído quase 100 anos antes para a visita do rei Alberto I da Bélgica ao Rio de Janeiro em 1920. Das duas uma: ou o Brasil regrediu ou está apressado demais em chegar no futuro sem passar pelo presente. Ou ainda as duas coisas, em dosagens variadas.
Inicia-se agora o processo de apuração das responsabilidades pelo desmoronamento. Espera-se que, uma vez definidas, elas venham a ser punidas com o empenho que faltou à Justiça no caso do incêndio na boate Kiss, de Santa Maria. O fato de o prefeito Eduardo Paes ter apresentado a ciclovia de R$ 44,7 milhões como parte do chamado “legado olímpico” é parte do problema. Invenção multiuso do Comitê Olímpico Internacional (COI), o termo é deliberadamente impreciso, convenientemente abstrato e frequentemente enganoso. Ainda assim ele é um achado com impacto comunicativo forte. Está presente nas brochuras de todas as candidaturas a cidades-sede dos Jogos, na literatura dos mais de 200 comitês nacionais espalhados pelo mundo e na entidade central com sede em Lausanne.
O COI faria um enorme favor aos munícipes de toda cidade olímpica se impusesse uma espécie de moratória ao termo. Sugestão: para poder ser chamado de legado olímpico, uma obra, parque ou o que fosse precisaria ter sido usado e aprovado pelos moradores durante um ou dois anos depois de encerrados os Jogos na cidade. Elefantes brancos ou arroubos que nada têm a ver com prioridades locais seriam desestimulados.
No fundo seria apenas uma extensão alvissareira do zelo canino que o COI e comitês nacionais já exercem sobre o uso privativo dos termos olímpico, olimpíada, jogos olímpicos e variações. Ainda no mês passado, um inofensivo conjunto de instrumentistas clássicos da França — o Concerto da Loggia Olímpica — cujo nome data de uma formação do fim do século 18, teve de mudar de identidade artística por ordem judicial.
Ou seja, quando quer, o olimpismo cuida de sua imagem. Uma cautela maior antes de dar a chancela de legado olímpico a programas ambiciosos como a urbanização das mais de 700 favelas cariocas em dez anos, por exemplo, também feita pelo prefeito do Rio, teria sido prudente. Ultimamente uma questão maior tem envolvido a organização de toda Olimpíada, por ela ser esse evento pantagruélico para o qual é impossível haver um plano B, porém, é outra. Apenas dois tipos de candidaturas têm se revelado confiáveis para entregar no prazo e nos moldes combinados os Jogos memoráveis que prometeram seis anos antes ao serem escolhidas: ou cidades de países autoritários, onde o poder central não precisa prestar contas à população, ou cidades de países desenvolvidos que já contam com boa parte da infraestrutura e instalações necessárias.
E a cada nova edição essa tendência torna-se mais evidente. Tome-se o exemplo das candidaturas para os Jogos de 2024: consultados, os moradores de Boston, Oslo, Cracóvia e Estocolmo disseram “não”, apesar das promessas de que reinaria frugalidade nos gastos. [no Brasil apenas a palavra de um Apedeuta incompetente, estúpido, megalomaníaco, chefe de organização criminosa - o estrupício do Lula - foi suficiente para decidir que o Rio e o Brasil teria que ser submetido ao vexame de sediar as Olimpíadas de 2016.] Em contrapartida, Pequim derrotou Almaty, do Cazaquistão, para os Jogos de inverno em 2022, tornando-se assim a primeira cidade do mundo a abrigar uma Olimpíada de Verão (em 2008) e uma de Inverno. Para isso, entre outros malabarismos que envolvem grandes recursos, terá de sugar um lago do entorno da capital e transformá-lo numa montanha de neve. A meta final do regime é sediar uma Copa do Mundo.
Trinta anos atrás, William E. Simon, ex-secretário do Tesouro e presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos à época dos Jogos de 1984 em Los Angeles, formulou uma ideia que à época pareceu insana. Hoje, à luz das dificuldades de um mundo em solavancos, ela soa como uma receita de bom senso. Reduziria boa parte das oportunidades para malfeitos, eliminaria os custosos processos de candidatura, garantiria ciclos regulares de bonança regional.
A fórmula? Definir cinco sedes permanentes e rotativas para os Jogos — uma em cada continente, o que preservaria a geopolítica representada pelos cinco anéis olímpicos. No entender de Walker os lucros comerciais, turísticos e esportivos de cada sede acabariam se esparramando para cidades e países vizinhos, devido à previsibilidade do evento. Faltaria combinar com os mais de 200 países membros do COI, é claro. Ou seja, não é coisa para este milênio.
Portanto, para este ano nos resta torcer. E dar a chance ao esporte, aos atletas, ao Rio, aos cariocas e ao Brasil de ser feliz por 17 dias.
Fonte: O Globo - Dorrit Harazim, é jornalista
Nas fotos logo atrás dela, no mesmo trecho rochoso da encosta, sólido e indiferente ao mar em ressaca, o clássico viaduto construído quase 100 anos antes para a visita do rei Alberto I da Bélgica ao Rio de Janeiro em 1920. Das duas uma: ou o Brasil regrediu ou está apressado demais em chegar no futuro sem passar pelo presente. Ou ainda as duas coisas, em dosagens variadas.
Inicia-se agora o processo de apuração das responsabilidades pelo desmoronamento. Espera-se que, uma vez definidas, elas venham a ser punidas com o empenho que faltou à Justiça no caso do incêndio na boate Kiss, de Santa Maria. O fato de o prefeito Eduardo Paes ter apresentado a ciclovia de R$ 44,7 milhões como parte do chamado “legado olímpico” é parte do problema. Invenção multiuso do Comitê Olímpico Internacional (COI), o termo é deliberadamente impreciso, convenientemente abstrato e frequentemente enganoso. Ainda assim ele é um achado com impacto comunicativo forte. Está presente nas brochuras de todas as candidaturas a cidades-sede dos Jogos, na literatura dos mais de 200 comitês nacionais espalhados pelo mundo e na entidade central com sede em Lausanne.
O COI faria um enorme favor aos munícipes de toda cidade olímpica se impusesse uma espécie de moratória ao termo. Sugestão: para poder ser chamado de legado olímpico, uma obra, parque ou o que fosse precisaria ter sido usado e aprovado pelos moradores durante um ou dois anos depois de encerrados os Jogos na cidade. Elefantes brancos ou arroubos que nada têm a ver com prioridades locais seriam desestimulados.
No fundo seria apenas uma extensão alvissareira do zelo canino que o COI e comitês nacionais já exercem sobre o uso privativo dos termos olímpico, olimpíada, jogos olímpicos e variações. Ainda no mês passado, um inofensivo conjunto de instrumentistas clássicos da França — o Concerto da Loggia Olímpica — cujo nome data de uma formação do fim do século 18, teve de mudar de identidade artística por ordem judicial.
Ou seja, quando quer, o olimpismo cuida de sua imagem. Uma cautela maior antes de dar a chancela de legado olímpico a programas ambiciosos como a urbanização das mais de 700 favelas cariocas em dez anos, por exemplo, também feita pelo prefeito do Rio, teria sido prudente. Ultimamente uma questão maior tem envolvido a organização de toda Olimpíada, por ela ser esse evento pantagruélico para o qual é impossível haver um plano B, porém, é outra. Apenas dois tipos de candidaturas têm se revelado confiáveis para entregar no prazo e nos moldes combinados os Jogos memoráveis que prometeram seis anos antes ao serem escolhidas: ou cidades de países autoritários, onde o poder central não precisa prestar contas à população, ou cidades de países desenvolvidos que já contam com boa parte da infraestrutura e instalações necessárias.
E a cada nova edição essa tendência torna-se mais evidente. Tome-se o exemplo das candidaturas para os Jogos de 2024: consultados, os moradores de Boston, Oslo, Cracóvia e Estocolmo disseram “não”, apesar das promessas de que reinaria frugalidade nos gastos. [no Brasil apenas a palavra de um Apedeuta incompetente, estúpido, megalomaníaco, chefe de organização criminosa - o estrupício do Lula - foi suficiente para decidir que o Rio e o Brasil teria que ser submetido ao vexame de sediar as Olimpíadas de 2016.] Em contrapartida, Pequim derrotou Almaty, do Cazaquistão, para os Jogos de inverno em 2022, tornando-se assim a primeira cidade do mundo a abrigar uma Olimpíada de Verão (em 2008) e uma de Inverno. Para isso, entre outros malabarismos que envolvem grandes recursos, terá de sugar um lago do entorno da capital e transformá-lo numa montanha de neve. A meta final do regime é sediar uma Copa do Mundo.
Trinta anos atrás, William E. Simon, ex-secretário do Tesouro e presidente do Comitê Olímpico dos Estados Unidos à época dos Jogos de 1984 em Los Angeles, formulou uma ideia que à época pareceu insana. Hoje, à luz das dificuldades de um mundo em solavancos, ela soa como uma receita de bom senso. Reduziria boa parte das oportunidades para malfeitos, eliminaria os custosos processos de candidatura, garantiria ciclos regulares de bonança regional.
A fórmula? Definir cinco sedes permanentes e rotativas para os Jogos — uma em cada continente, o que preservaria a geopolítica representada pelos cinco anéis olímpicos. No entender de Walker os lucros comerciais, turísticos e esportivos de cada sede acabariam se esparramando para cidades e países vizinhos, devido à previsibilidade do evento. Faltaria combinar com os mais de 200 países membros do COI, é claro. Ou seja, não é coisa para este milênio.
Portanto, para este ano nos resta torcer. E dar a chance ao esporte, aos atletas, ao Rio, aos cariocas e ao Brasil de ser feliz por 17 dias.
Fonte: O Globo - Dorrit Harazim, é jornalista
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