O embate público entre Lula e o Banco Central está produzindo uma guerra de versões nos bastidores do governo sobre de quem é a responsabilidade pela radicalização do discurso do presidente da República em relação ao presidente do banco, Roberto Campos Neto.
Apesar de a última ata do Conselho de Política Monetária do banco ter sido considerada mais "amigável" por Fernando Haddad, no entorno do ministro o que se ouve é uma versão bem diferente sobre o que se passou nas últimas semanas entre o BC e o governo. No relato que os aliados tem passado a seus interlocutores do mercado – obviamente para tentar ganhar o apoio da Faria Lima –, a equipe da Fazenda tem se comportado corretamente, mas o presidente do BC, não.
Enquanto isso, aliados do presidente do BC afirmam que Lula está procurando uma desculpa para justificar os maus resultados da economia neste ano. Nesse contexto, Campos Neto seria o bode expiatório ideal, por não ser subordinado a Lula e ainda por cima ter protagonizado alguns episódios que deixaram clara sua ligação com Jair Bolsonaro – como o fato de ele ter participado de churrascos com ministros e o presidente da República e ainda fazer parte de um grupo de WhatsApp de ministros do governo anterior.
Embora eu tenha pedido oficialmente a ambos, nem Haddad e nem Campos Neto quiseram comentar o assunto. Nos bastidores, porém, a guerra de narrativas está acirrada.
Segundo a versão da Fazenda, o comunicado sobre a reunião do Copom publicado em 01 de fevereiro mencionando "elevada incerteza" para a economia brasileira foi só a gota d'água.
Numa dessas vezes, o 02 da Fazenda, Gabriel Galípolo, quis saber de Campos Neto se ele achava que o fim da desoneração dos combustíveis poderia ter efeito sobre a inflação e a taxa de juros – para ouvir que em tese não haveria impacto imediato, porque as expectativas do Copom são projetadas para um horizonte de 18 meses. Até aí, o clima era de colaboração.
Mas quando Lula decidiu que falaria na Argentina sobre o plano de lançar uma moeda comum, pediu à Fazenda que fizesse uma proposta considerando um mecanismo de compensação de dívidas entre bancos centrais que existe na Aladi, associação de treze países da América Latina.O ministério, então, pediu ao BC que enviasse um relatório com informações sobre esse mecanismo para subsidiar o trabalho. Mas não recebeu resposta nenhuma.
Depois disso, o ministério tentou fazer reuniões com o BC para discutir detalhes do pacote fiscal do governo e outras medidas em estudo. Mas Campos Neto não teria participado, porque estava no exterior.
Haddad disse a interlocutores próximos que vinha segurando os ânimos de Lula em relação ao BC, mas, depois disso, não teve mais como segurar o presidente da República.
Com a ata da reunião do Copom que Haddad considerou "amigável", bombeiros do mercado e do governo entraram em campo para tentar aliviar a tensão entre os dois lados, mas nem Lula e nem seus aliados no PT estão ajudando.
Ontem mesmo, o presidente voltou a dizer que a culpa dos juros altos é do Banco Central e que só os senadores é que podem trocá-lo. Os aliados Gleisi Hoffmann (presidente do PT) e Paulo Rocha (ex-senador pelo partido) também atacaram publicamente Campos Neto.
Rocha, que deixou o Senado no último dia 1, chegou inclusive a publicar nas redes sociais um card que dizia : "Renuncia cidadão! O Brasil não aguenta mais o presidente bolsonarista do BC 'autônomo".
De seu lado, o presidente do BC aproveitou um evento com investidores em Miami para defender a independência do Banco Central. “A principal razão da autonomia do Banco Central é a possibilidade de desconectar o ciclo da política monetária do ciclo político, porque eles têm diferentes lentes e diferentes interesses. Quanto mais independente você é, mais efetivo você é e menos o país vai pagar em termos de custo-benefício para a política monetária", afirmou Campos Neto.
Malu Gaspar, jornalista - O Globo
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