Análise Política
O título faz evidentemente referência ao célebre diálogo entre Garrincha
e o treinador Vicente Feola antes do jogo contra a URSS na Copa de
1958. O técnico explicava, em detalhes, como seria o jogo, e daí o Mané
(com maiúscula) disse que o roteiro era muito bom, mas questionou se
Feola já tinha combinado com os russos.
A diplomacia brasileira parece empenhada num jogo aparentemente
inteligente: aproximar-se dos Estados Unidos no delicado tema da guerra
da Ucrânia para, em troca, manter o essencial da liberdade de movimentos
entre o Brasil e seu principal parceiro econômico, a China.
Isso implica algum sofrimento nas relações com a Rússia, mas Luiz Inácio
Lula da Silva e o Itamaraty parecem ter avaliado como positiva a
relação custo-benefício. Não se faz mesmo omelete sem quebrar ovos.
Entretanto, quando a esperteza é muita sempre pode virar bicho e comer o
dono, e daí a malícia brasileira correr o risco de esbarrar num
obstáculo: o alinhamento dos EUA e seus aliados do Norte global contra a
Rússia é apenas estação intermediária na projeção da guerra principal
deles contra a China.
Guerra que por enquanto se dá principalmente no campo econômico, com
todo tipo de sanções, mas ensaia transbordar para outras esferas.
A aproximação entre Brasil e Estados Unidos anda facilitada pela
semelhança da agenda sócio-comportamental-ambiental dos dois governos e
pelo apoio, informal mas consistente, da administração Joe Biden a Luiz
Inácio Lula da Silva na eleição do ano passado.
[Foto que mostra o quanto foi amistoso e aconchegante o clima da viagem presidencial aos Estados Unidos.]
O Itamaraty desencadeou uma de suas habituais operações “votamos nisso
na ONU, mas não era bem nisso que queríamos votar”. Esforça-se para
justificar um certo neo-atlantismo pelo viés da tradicional busca
brasileira por soluções pacíficas e negociadas para os conflitos. Os
fatos, sempre teimosos, trarão o resultado.
E há sempre a possibilidade de os diversos interlocutores chegarem à
conclusão de que o Brasil tem relevância apenas relativa em escala
planetária, que a movimentação brasileira se deve a um apetite de
protagonismo não sustentado materialmente. E que, portanto, talvez não
valha a pena arrumar confusão conosco.
Quem sabe seja uma solução.
Alon Feuerwerker, jornalista e analista político
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