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sábado, 7 de maio de 2022

Pela democracia - Carlos Alberto Sardenberg

Pouco antes da invasão da Ucrânia, mas com o ambiente geopolítico já bastante tenso, setores da esquerda e da direita sustentavam que era tudo culpa dos Estados Unidos. A tese: como líder da OTAN, Organização do Tratado do Atlântico Norte, os EUA teriam levado essa aliança militar a avançar sobre o leste europeu, como que ocupando países que haviam estado na órbita soviética. Esse movimento seria uma ameaça à integridade territorial da Rússia, aqui vista como a sucessora da União Soviética.

Lula partilha dessa tese, conforme deixou claro na entrevista à revista Time. Para ele, o presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky, também é responsável pela guerra por não ter adiado a discussão sobre a entrada na OTAN. Ou seja, Putin é responsável pela invasão, mas …. e cabe um monte de coisa nessa adversativa, cujo final é jogar a culpa nos EUA, na União Europeia e em Zelensky.

Um festival de equívocos. Começa que a Rússia não é a sucessora da União Soviética. Esta tinha uma doutrina, partilhada por partidos comunistas de muitos países. Deu errado, é verdade, mas o regime funcionou por quase 50 anos.

A Rússia de hoje é o que? Uma ditadura, como na era soviética, mas sem nenhuma doutrina a não ser a reverência a Putin e o assalto ao Estado promovido por ele e seus aliados. Putin fala nos valores da Grande Rússia, em oposição aos “valores decadentes” do Ocidente.

Os valores do Ocidente são a democracia, a liberdade individual, a liberdade de imprensa e o capitalismo com predominância do empreendedor privado. E não estão decadentes, como se viu com a formidável reação ocidental à invasão e às barbaridades praticadas por Putin. [foram proferidos excelentes discursos, repletos de promessas, o ex-comediante que preside a Ucrânia discursou em uns cem parlamentos e ucranianos continuam morrendo, sem perspectivas da guerra cessar -  pelo menos,  enquanto Zelensky presidir a Ucrânia - e a guerra ucraniana tem tudo para se somar a outras que ocorrem pelo mundo  há vários anos e pouco chamam atenção.]

A população da Ucrânia praticou esses valores com a eleição de Zelensky e a decisão, também tomada no voto, de entrar na União Europeia e na OTAN. Exatamente como fizeram outros países do Leste. Não foi a aliança militar que avançou  sobre o Leste. Os países que escaparam da órbita soviética tomaram decisões soberanas de se juntarem ao lado ocidental.

Reparem: a OTAN não deu um tiro sequer quando da queda do muro de Berlim. E não fez qualquer ameaça aos países ex-soviéticos.

Essas nações fizeram aquele movimento por dois motivos principais. Primeiro, partilhar do progresso e do desenvolvimento econômico e social da União Europeia. Segundo, obter a proteção da OTAN justamente contra as ameaças do imperialismo russo.

Como se vê agora, tinham  toda razão. A Ucrânia deu azar. Levou tempo para se livrar de uma ditadura, de modo que o governo democrático de Zelensky não teve prazo para consolidar a aliança com o Ocidente. Putin antecipou a invasão.

Hoje, quem está ao lado de Putin? Ditadores já estabelecidos no poder e aspirantes a ditador, como o presidente Bolsonaro.

E por que a esquerda, se não apoia Putin, é tão tolerante com ele, a ponto de achar que a vítima, a Ucrânia, também é responsável pela guerra? Trata-se de uma posição infantil anti-EUA e anti-Europa ocidental, como se ainda fosse tempo da guerra fria.

Cobram de Zelensky que abra mão da União Europeia e da OTAN – ou seja que derrube decisões tomadas pela população.

Cobram de Zelensky uma abertura às negociações. Mas quem não negocia é Putin, cuja exigência é transformar a Ucrânia em um satélite russo. A resistência das tropas e da população ucranianas mostra bem que essa não é uma opção.

Não se sabe como terminará a guerra. A Rússia limitou suas operações e a Ucrânia, ao contrário, reforçou sua capacidade de resistência com armas recebidas de países da OTAN. Já não se considera impossível que as tropas ucranianas ponham as russas em retirada.[sic]

De todo modo, não se trata de uma disputa entre capitalismo e socialismo. Nem se trata, por exemplo, de uma guerra por petróleo.

São valores que estão em jogo. Ditaduras de um lado, democracias de outro. [resta óbvio que o articulista considera que a Rússia está do lado das ditaduras - por ser, segundo seu entendimento, Putin um ditador; só lamentamos que Biden - certamente na visão do ilustre Sardenberg, um democrata - tenha como único objetivo a instalação de uma ditadura mundial, que terá além da nociva esquerda tudo que não presta no mundo atual e a destruição dos VALORES que os conservadores cultuam há séculos.

Putin, com todos os seus defeitos, é mais conservador que Biden.]

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

 Coluna publicada em O Globo - Economia 7 de maio de 2022