O
Brasil acaba de dar um dos passos fundamentais que o manual para a
montagem de ditaduras apresenta já na sua primeira página – encaminhou,
em mais dessas trapaças que colocam as mesas do Congresso entre
as coisas mais desmoralizadas da sociedade brasileira, um projeto de
censura.
Não perca seu tempo achando que não é bem isso, porque é
exatamente isso.
Dizem, é claro, que se trata de uma lei para “combater a
desinformação”, acabar com “notícias falsas”, “banir as mentiras da
internet” ou do “noticiário”, e outros disparates.
É pura tapeação – aí
sim, notícia falsa em estado integral.
O projeto, no mundo dos fatos
concretos, cria e entrega para o governo um mecanismo de censura no
Brasil; através dele, o “Estado” passa a dar ordens a respeito do que o
cidadão pode ou não pode dizer na internet, ganha o direito de punir
quem se manifesta nas redes sociais e transforma num conjunto de palavras inúteis, para todo e qualquer efeito prático, o artigo da Constituição Federal que estabelece a liberdade de expressão neste país.
A
lei que se propõe para aprovação não quer “por ordem nessa baderna da
internet”, proibir que as pessoas “mintam” ou reprimir a imprensa – ela
se destina a calar o cidadão que quer manifestar o que pensa através das
redes sociais.
Não pune, como em toda sociedade civilizada, os atos que
uma pessoa pratica – como em toda ditadura, reprime o que ela pensa.
Não tem o propósito de tornar a sociedade brasileira mais limpa, ou mais
justa, ou mais organizada, nem de combater os crimes que podem ser
cometidos através da palavra livre.
O seu único propósito é entregar ao
governo uma ferramenta de repressão, para censurar a circulação de
pontos de vista ou informações que ele, governo, não quer que circulem.
Não tem nada a ver com a ideia de ordem.
Essa ordem já é plenamente garantida pelo Código Penal
e outras leis em vigor, que punem todos os delitos que podem ser
praticados com o uso da liberdade de expressão – calúnia, difamação,
injúria, golpe de Estado, incitação ao crime, racismo, ameaça.
Está tudo
lá; não há nada de fora. O cidadão brasileiro é responsável, sim, por
tudo o que diz em público, e não só do ponto de vista penal. Está
sujeito, o tempo todo, a pagar indenizações e a ressarcir prejuízos, se a
justiça assim decidir.
É falso, simplesmente, afirmar que “a liberdade
de expressão não pode ser exercida sem limites” ou “ferir o direito de
outros” – ela tem limites claramente marcados na lei, e pune quem violar
quaisquer direitos do demais cidadãos.
A
lei dá a si própria o título de “Lei da Liberdade (...) na Internet”, o
que já diz tudo. Todas as vezes que se faz alguma lei sobre a
liberdade, sem exceção, a liberdade acaba ficando menor do que era, ou
some de vez; todas as ditaduras, de Cuba à China,
estão repletas de lei sobre a “liberdade”.
No caso brasileiro, não há
no projeto uma única palavra que sustente objetivamente a liberdade de
expressão; é o exato contrário, o tempo todo. O fato essencial é que a
nova lei cria um “Conselho”, a ser formado por 21 membros da “sociedade
civil”, com o poder explícito de fazer censura – uma aberração que nunca
houve no Brasil, nem no tempo do AI-5. Alguém acha que esse Conselho, a
ser montado pelo governo Lula, vai buscar a verdade, ser imparcial e garantir “a liberdade na internet”?
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo