A decisão de considerar a lavagem de dinheiro crime imprescritível tornou possível a prisão de Paulo Maluf
A disputa de interpretações de teorias jurídicas vem dando a tônica nos
debates do Supremo Tribunal Federal. A denominação informal de cada um
dos grupos mostra bem os parâmetros desta disputa. Os “garantistas”
sustentam que qualquer decisão a ser tomada deve levar em conta a
literalidade da lei para garantir os direitos fundamentais dos cidadãos. Os “iluministas” ou “progressistas” buscam contornar eventuais
obstáculos impostos pela literalidade com interpretações do texto legal,
em busca da intenção do legislador para ter uma Justiça mais célere e
eficiente. Assim, a jurisprudência atual é permitir a prisão em segunda
instância, mesmo que a Constituição diga que ninguém pode ser
considerado culpado até o trânsito em julgado de seu processo.
Para tanto, considera-se que o processo se encerra na segunda instância,
e os recursos aos tribunais superiores (STJ e STF) podem continuar
sendo feitos depois da prisão, pois são de caráter extraordinário. A
decisão de considerar a lavagem de dinheiro crime imprescritível tornou
possível a prisão de Paulo Maluf. Até hoje há a discussão sobre se
lavagem de dinheiro é um crime instantâneo, que se encerra na sua
consumação, ou se é permanente, como decidiu a Primeira Turma do STF. [comentando: uma das razões da INSEGURANÇA JURÍDICA vigente no Brasil e imposta pelo STF, é exatamente que turmas podem proferir decisões baseadas em entendimentos que na prática revogam, parcialmente e para alguns casos, leis vigentes.
Decisões dessa natureza só deveriam ser proferidas pelo Plenário da Corte Suprema - apesar de nos tempos estranhos de agora, o Plenário do STF pode decidir hoje de uma forma, dias depois decidir sobre o mesmo tema de forma oposta ao decidido, nada impedindo que dias depois decida de novo e de forma diversa sobre a mesma matéria (o exemplo mais eloquente são as decisões sobre prisão em segunda instância, a mais recente proferida em 2016 e que poderá ser, em abril próxima totalmente reformada e até mesmo revogada.] O relator foi o ministro Edson Fachin, que levantou a tese, e não o
ministro Luís Roberto Barroso, como escrevi aqui. Barroso votou a favor
do relator juntamente com a ministra Rosa Weber e o ministro Fux,
formando a maioria. O ministro Marco Aurélio, mesmo tendo votado a favor
da prescrição, acompanhou a maioria no mérito.
Barroso é tido como expoente da ala “iluminista” do Supremo, mas ele
recusa esse rótulo. “Sou a favor de um direito penal moderado. Porém,
sério e igualitário. A queixa que existe é dos advogados criminalistas
—que têm que fazê-la, por dever de ofício —e dos parceiros da corrupção,
que não se conformam que o Direito Penal que valia para menino pego com
maconha ou para o sem-teto que furtava desodorante no supermercado se
aplique também a corruptos e criminosos de colarinho branco”. O ministro
Luís Roberto Barroso afirma que “o Direito não ficou mais duro; ficou
mais igualitário”. Para ele, “o garantismo”, em Direito, significa que o
acusado tem o direito de saber do que está sendo acusado, o direito de
se defender, de produzir provas, de ser julgado por um juiz imparcial e
de ter acesso a um segundo grau de jurisdição”. Ele considera que está
havendo uma distorção do conceito, “um garantismo à brasileira”, que
seria um direito adquirido à impunidade, a um processo que não funciona,
que tem recursos infindáveis, não acaba e sempre gera prescrição”.
No voto no caso Maluf, após concluir a parte técnica da argumentação,
Barroso afirmou: “(...) considero que o rotineiro desvio de dinheiro
público, seja para fins eleitorais, seja para o próprio bolso, é uma das
maldições da República. (...) Este é um dos fatores que têm nos mantido
atrasados e aquém do nosso destino, porque dinheiro público que é
desviado é dinheiro que não vai para a educação, não vai para a saúde,
não vai para melhorar estradas”. Ele acha que “a histórica
condescendência que se tem tido no Brasil em relação a esse tipo de
delinquência, aparentemente, está chegando ao fim. Punir a apropriação
privada de recursos públicos é um marco na refundação do país”.