Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador colarinho branco. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador colarinho branco. Mostrar todas as postagens

sábado, 13 de janeiro de 2024

Os dois 8 de janeiro e suas lições - Percival Puggina

         É a dimensão pedagógica dos acontecimentos que fornece alguma utilidade para estes dias de padecimento cívico.  
Se nada aprendermos deles, então, sim, o pontapé da fatalidade e do arbítrio terá posto abaixo os sentimentos mais nobres da alma nacional.
Aprender dos fatos! E o que nos dizem os dois sucessivos dias 8 de janeiro? O de 2023 foi proporcionado por populares. 
Eram pessoas simples, pacatas, que amam o Brasil, leem a Bíblia, rezam e cantam hinos. Talvez não houvesse ali um único conhecido meu, mas como eu conheço o que ia na alma da imensa maioria deles! – desesperança que faz pedir socorro, sensação de abandono, tristeza, medo. Um caldo de sentimentos que não se recomenda às multidões porque as faz vulneráveis a infiltrações enganosas como as que de fato aconteceram.
 
Para efeitos de comparação, e ainda no balanceamento dos movimentos de massa, é bom observar que os “populares” da esquerda são executores de tarefas: 
- black blocs para quebra-quebras, MST para invasão e destruição de propriedades alheias, sindicalistas para juntar gente
Pessoas assim não abraçam ideologias pacatas.
 
Vejamos, agora, o evento colarinho branco do último dia 8 de janeiro. A turma chegou de carro oficial.  
Os que vieram de fora, tiveram passagens, diárias e reservas providenciadas por alguém
Alguns senadores presentes haviam impedido o adequado funcionamento da CPMI que pretendeu desvendar os mistérios do 08/01/2023. 
Manter a névoa e o sigilo é o melhor modo de reforçar a narrativa oficial.  Ela inclui o “golpe” vapt-vupt das 15 h às 17 h, sem tropa nem comando, e as culpas compartilhadas sem individualização dos agentes. Tudo sem anistia, claro, porque ninguém roubou coisa alguma.
 
Acho que nada expressa melhor os absurdos do último dia 8 do que a frase da jornalista da Globo, para a qual quem politizou o evento foram os governadores que não compareceram... 
A culpa dos ausentes e a inocência dos presentes tem sido uma constante nos acontecimentos destes tempos enigmáticos. 
No ângulo desde o qual os observei anteontem, eu vi ali uma parceria política entre membros de poder que deveriam preservar seu recato. 
Vi o incentivo retórico à radicalização política, promovido por quem condenava aquilo que fazia enquanto falava, arrancar ruidosos aplausos e erguer indignados punhos ao ar.
 
Os predadores de bens públicos no 8 de janeiro de 2023 e os manifestantes da praça e portões dos quartéis, eram pessoas do povo. 
Os do dia 8 de janeiro de 2024, prometendo e aplaudindo anúncios de choro e ranger de dentes, são autoridades do Estado. 
Compõem a elite da oligarquia que governa o país sobre destroços das instituições republicanas que conhecíamos.

Percival Puggina (79) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+. Membro da Academia Rio-Grandense de Letras.

 

segunda-feira, 23 de outubro de 2023

Vergonha mundial para o Brasil: impunidade e decisão de Toffoli preocupam OCDE - Deltan Dallagnol

Gazeta do Povo - VOZES

Justiça, política e fé

O Grupo de Trabalho Antissuborno da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a qual é conhecida também como “clube dos países ricos”, divulgou ontem (19) um relatório que envergonha o Brasil perante a comunidade internacional e pode dificultar o ingresso do Brasil nesse clube, o que poderia trazer grandes benefícios ao país e era uma das prioridades do último governo. Destacarei três pontos do extenso relatório de 117 páginas que pode ser lido na íntegra aqui.

Primeiro, a OCDE concluiu que o Brasil falhou no combate à corrupção ao fomentar um clima de impunidade, em que não há punição efetiva nos grandes casos de suborno internacional e de corrupção revelados e comprovados pela Lava Jato, além de outras grandes operações. Todos já sabiam disso por aqui, mas agora a força e a resiliência da corrupção brasileira são expostas para o mundo. É constrangedor.

A OCDE repetiu uma das nossas maiores críticas ao STF, ao afirmar que a decisão do Supremo de 2019 que proibiu a prisão em segunda instância é um dos principais motivos da impunidade brasileira. Para a OCDE, a prisão apenas após o trânsito em julgado, “combinado com as regras de prescrição no Brasil, cria um risco de gerar impunidade na prática para a corrupção internacional”.

O exemplo trazido pela OCDE foi o famoso caso dos executivos da Embraer, condenados pelo pagamento de mais de 3,5 milhões de dólares em propinas em negociações para a venda de aeronaves para a Força Aérea da República Dominicana. Os executivos foram acusados dos crimes de corrupção e lavagem de dinheiro em 2014.

Todos já sabiam disso por aqui, mas agora a força e a resiliência da corrupção brasileira são expostas para o mundo. É constrangedor

Apesar de terem sido condenados em 2018, quase dez anos depois, os executivos apresentaram recurso atrás de recurso e o processo nunca transitou em julgado, o que causou a prescrição dos crimes em 2022 para 8 entre 9 dos condenados. Ou seja: apesar de terem sido condenados, 88% dos acusados escaparam sem punição em razão do insano sistema prescricional brasileiro - algo que já apontávamos quando propusemos as 10 medidas contra a corrupção, que poderiam corrigir esse problema, mas foram destruídas pelo Congresso.

A conclusão da OCDE espelha a estatística cruel de que 97% dos casos de corrupção e de colarinho branco não são punidos no Brasil. No STF essa realidade talvez seja até pior, afinal, em toda a Lava Jato, apenas dois políticos dentre as dezenas daqueles que tinham foro privilegiado, os ex-deputados Nelson Meurer e Aníbal Gomes, foram condenados pelo tribunal. Enquanto isso, mais de 174 pessoas foram condenadas em Curitiba nos esquemas que, todos sabem, eram comandados por caciques de Brasília que seguem impunes.

O segundo ponto que gostaria de destacar é que a OCDE atestou o que sempre dizemos: a independência efetiva dos agentes da lei para combater a corrupção está em cheque no Brasil. Por aqui, os corruptos buscam não só impunidade dos crimes passados, mas retaliar os agentes da lei que os investigaram e assegurar sua impunidade para os crimes futuros.

De fato, a OCDE apontou “sérias preocupações com um efeito inibidor (chilling effect) decorrente da combinação entre a ampliação da Lei de Abuso de Autoridade e recentes ações disciplinares - ou mesmo cíveis e criminais - contra procuradores atuando em casos importantes de corrupção”. 

Nesse particular, a OCDE faz referência direta à decisão ilegal do TCU que me condenou a devolver mais de 2,8 milhões de reais em razão dos custos operacionais da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba: “Tanto a comissão de investigação técnica quanto o Ministério Público junto ao TCU concluíram que nenhuma irregularidade ocorreu. Apesar desses relatos, o Plenário do TCU [ministros indicados politicamente] condenou todos os três procuradores”. 

Outro caso lembrado pela OCDE foi a punição de procuradores da força-tarefa da Lava Jato do Rio de Janeiro pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) em razão da divulgação de uma denúncia contra políticos do MDB. Sem que nada de grave tivesse ocorrido, procuradores com carreiras exemplares foram submetidos a rigorosas punições por um órgão com forte ingerência política.

Durante as visitas ao Brasil, procuradores confirmaram aos examinadores da OCDE sua percepção de que as punições foram uma forma de retaliação pelo trabalho contra a corrupção. Representantes da sociedade civil também expressaram a mesma preocupação com a necessidade de proteger a independência de procuradores que atuam em grandes casos de corrupção de quaisquer interferências.

O terceiro ponto que destacarei é o mais importante do relatório: a análise extremamente crítica da OCDE da esdrúxula decisão do ministro Dias Toffoli de anular as provas do acordo de leniência da Odebrecht, as quais apontam a corrupção de centenas de políticos brasileiros. A decisão foi vista com assombro e preocupação pela OCDE. Aliás, o relatório da OCDE já estava pronto para publicação quando a decisão do STF veio à tona e, diante de sua gravidade, os examinadores decidiram reabrir o relatório. 

Com efeito, a decisão de Toffoli que anulou as provas do acordo da Odebrecht é o ponto central de todo o relatório da OCDE e é mencionada diversas vezes ao longo do texto. A decisão consta como preocupação e recomendação nº 1 dos examinadores na lista de questões que serão acompanhadas com atenção pela OCDE nos próximos anos. 

Segundo o relatório, a OCDE está preocupada com as consequências da decisão de Toffoli, especialmente sobre os demais “acordos de leniência do Brasil nas questões antissuborno, em particular em que extensão isso vai afetar a habilidade do Brasil de prover e obter assistência mútua em casos de suborno internacional”.

A preocupação da OCDE não é para menos, já que o relatório elogia e destaca o trabalho realizado pela operação Lava Jato como o momento de maior eficiência no combate à corrupção do Brasil em vários anos, especialmente em relação ao caso Odebrecht. A OCDE lembra que o acordo de leniência da Odebrecht, firmado simultaneamente com Estados Unidos e Suíça, foi reconhecido na época como “o maior caso de suborno internacional da história”.

A Odebrecht admitiu ter pago mais de 788 milhões de dólares em subornos para agentes públicos, políticos, partidos políticos e candidatos no Brasil e outros 11 países, da América Latina à África. No Brasil, os acordos firmados pela Odebrecht com o MPF, AGU e CGU renderam cerca de 2,5 bilhões de dólares aos cofres públicos, mais de 10 bilhões de reais. 

A decisão do ministro preocupou os examinadores da OCDE não só porque pôs em xeque a efetividade e a segurança jurídica dos acordos de leniência firmados no Brasil, em especial os da Odebrecht, como também porque pode impedir que o Brasil coopere internacionalmente com outros países para investigar e punir a corrupção, o que é uma obrigação dos países signatários da Convenção Antissuborno. Isso porque Dias Toffoli tratou como se fossem ilegais as tratativas diretas e contatos informais entre procuradores brasileiros e autoridades estrangeiras, quando são legais. 

Ao contrário do que decidiu o ministro, a OCDE avaliou de maneira positiva que “todas as autoridades competentes, incluindo CGU, o MPF e a PF, promoveram laços e contatos informais, através do envolvimento com suas contrapartes estrangeiras, bem como da participação em iniciativas regionais ou outras redes de agentes da lei”. Para coroar, a OCDE também afirmou que “desenvolver e manter esses laços e essa cooperação informal é reconhecido como uma boa prática, crucial e internacionalmente aceita”. 

Assim, a OCDE põe o último prego do caixão das críticas que se avolumaram na imprensa contra a absurda decisão do ministro Dias Toffoli. Expõe como uma ferida aberta o fato de que a decisão do ministro não teve como base a lei. Mostra que a falsa preocupação do ministro com a regularidade da cooperação internacional era apenas um pretexto para anular as provas, já que a conduta da Lava Jato foi regular.

Decisões como a de Toffoli causam efeitos reais na imagem, credibilidade e capacidade de atuação do Brasil. Um exemplo disso é a informação trazida no relatório de que os países-membros da OCDE relataram “maior dificuldade para cooperações internacionais com o Brasil” após a Lava Jato, além de excessiva demora na obtenção de autorizações judiciais para compartilhamento de dados. 

O que se constata é que passamos de um padrão ouro de combate à corrupção, aplicado durante a Lava Jato e que satisfazia os critérios da Convenção e da própria OCDE, para um padrão lixo, um padrão impunidade. A decisão de Toffoli é uma das decisões de Brasília responsáveis por essa mudança. Passamos a ser um país mal-visto pela comunidade internacional e em que não se pode mais confiar quando o tema é cooperação internacional. Parabéns, Toffoli.

Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima

Deltan Dallagnol, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Decisão do STF sobre incursões policiais em favelas do Rio é um tiro no pé

Consultor Jurídico 

A recentíssima decisão do Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635 pode criar um precedente gravíssimo no enfrentamento da criminalidade ao usurpar a competência constitucional dos órgãos da Administração Pública vinculados ao Poder Executivo.  
Ela mantém restrições a incursões policiais em favelas do Rio de Janeiro durante a pandemia e as condiciona à apresentação de um plano ao STF.

A decisão dos ministros do STF revela o absoluto desconhecimento da atividade policial e, ainda, reforça o estigma de que as ações dos policiais do estado do Rio de Janeiro não estariam revestidas de nenhum planejamento. E destaca, em sua essência, um suposto sentimento desses agentes de segurança de total desprezo pela vida dos cidadãos.

A história recente do país já nos revelou o desastre que foi o Poder Judiciário tentar se apresentar como o ator principal do "combate à corrupção", especialmente no caso da criminalidade do "colarinho branco". De início, relembremos, o STF referendou diversas medidas que, até então, só aumentaram o poder de um determinado grupo de juízes e membros do Ministério Público, tendo como resultado o próprio tribunal reconhecer que boa parte daquelas medidas deveria ser anulada, porque desrespeitaria diversos direitos e garantias fundamentais. Alimentaram um "monstro", que se autodenominou "lava jato", para, ao final, reconhecerem que esta esteve em absoluta dissonância com a ordem jurídica do nosso país, como bem assentado no brilhante voto do ministro Gilmar Mendes.

Mais uma vez, ao colocar-se como ator principal de um tema extremamente complexo, de absoluto desconhecimento dos ministros da mais alta corte do país, é certo que o resultado da decisão trará efeitos perversos e irreversíveis, que tendem a piorar a situação da segurança pública do Rio de Janeiro, que já se encontra insustentável.

Primeiro, porque estamos tratando de agentes de segurança que são mal remunerados, com uma escala de trabalho exaustiva, submetidos à pressão dos superiores hierárquicos
Não por outro motivo, o número de policiais afastados por doenças psiquiátricas é recorde. 
Somado a essa informação macabra, temos o número significativo de suicídios e mortes no exercício da atividade policial.
 
Segundo, de um lado a sociedade exige policiamento ostensivo, investigações que revelem a autoria e materialidade da prática de crimes em tempo real e, ao mesmo tempo, cobra punições a esses mesmos agentes de segurança no primeiro alarido da imprensa.  
Exigem o emprego de força policial, mas, quando algo dá errado, são os primeiros a exigir uma punição sumária.

O resultado dessa equação é o afastamento gradual dos agentes policiais das atividades diárias nas ruas, o que, no curto e médio prazos, nos levará ao caos total, pois eles são a última barreira entre a criminalidade e a sociedade, queiramos ou não.

A bem da verdade, o agente de segurança pública não espera o reconhecimento da sociedade ou dos superiores hierárquicos, não almeja o enriquecimento pessoal, confia, cada dia menos, que em algum momento possa ser respeitado e que não seja punido pelo simples exercício de sua atividade, prevista na ordem jurídica de nosso país.

Paulo Klein,  advogado - Consultor Jurídico

 

sábado, 11 de setembro de 2021

E AGORA, SUSPENDE-SE A DITADURA PREVENTIVA?

Fernão Lara Mesquita, em o Vespeiro

Com que, então, fica oficialmente revogada, por escrito, solene e incondicionalmente, a "conspiração para o golpe militar" de Jair Bolsonaro. Constata-se, com os olhos de ver, que o cordeiro está "sujando a água" abaixo do ponto onde bebe o lobo. 
Já não há motivo algum que justifique os poderes não previstos na constituição que o Supremo Tribunal Federal se auto-atribuiu.
Nenhum "temor pelas nossas liberdades futuras" explica mais a suspensão das nossas liberdades presentes. Os direitos e garantias democráticos que a Constituição garante aos brasileiros de todas as preferências e de todas as linhas de pensamento devem ser prontamente restabelecidos.

Devolva-se já a liberdade aos que foram presos por crime de pensamento ou palavra!  Há base muito mais sólida na constituição para isso do que a que têm usado os nossos guardiões da democracia para soltar, não apenas os condenados por atos criminosos de colarinho branco mas também os bilionários culpados por crimes de sangue em série, como é o caso do segundo chefão do PCC devolvido anteontem às ruas.

Nada, rigorosamente nada mais, "ameaça" a nossa democracia. É chato mas é verdade!

Suspenda-se imediatamente a censura! Desative-se o algoritmo chinês com que o ministro Alexandre de Moraes vasculha vigilante as redes sociais! Restitua-se a palavra a quem a teve cassada! A remuneração a quem o público escolheu pagar para ouvir!

Tortura, nunca mais!

A hora é de considerar a indenização das vitimas punidas e abusadas pela ditadura preventiva e o banimento da vida publica dos "torturadores" da CPI/DOI-CODI que humilhou, ofendeu e prendeu inocentes por "superfaturamentos" que nunca aconteceram em compras de vacinas que jamais se concretizaram.

O Supremo Tribunal Federal pode voltar à sua função, que se resume estrita e constitucionalmente, a avaliar que leis combinam ou não com os limites da Constituição. Pode, o nosso tribunal sempre alerta, devolver aos legisladores eleitos pelos brasileiros o poder exclusivo de legislar legitimamente em seu nome e aos executivos eleitos as prerrogativas que a Lei Maior lhes garante.

A imprensa-turba terá de conformar-se com sua decepção e voltar a cobrir o que acontece em vez [narrar o] do que gostaria que acontecesse.  
Em defesa da democracia deve passar a pedir a cabeça dos ditadores que há e não dos ditadores que gostaria que houvesse. 
Ou então, enfiar em algum buraco toda aquela narrativa dos anos-de-chumbo onde era exatamente disso que ela se queixava.

O Vespeiro - publicação original


sábado, 13 de março de 2021

Pária duas vezes - Carlos Alberto Sardenberg

Coluna publicada em O Globo - Economia 13 de março de 2021

Não custa lembrar. A Operação Castelo de Areia, de 2009, foi uma espécie de pré-Lava Jato. O alvo, uma empreiteira, a Camargo Correia, da qual quatro diretores foram presos no primeiro momento, pairando ameaças sobre outros membros da empresa e associados no governo do então presidente Lula. Mas logo apareceu um recurso junto ao Superior Tribunal de Justiça, que caiu com o magistrado Cesar Asfor Rocha. E ele simplesmente cancelou toda a operação, com base numa ridícula formalidade: as denúncias iniciais haviam partido de fontes anônimas.

Ridícula, para não dizer outra coisa, porque as denúncias recebidas anonimamente foram objeto de uma ampla investigação que encontrou, sim, grossa corrupção. Não foi mera coincidência que o ministro da Justiça na época era o advogado Marcio Thomas Bastos, uma espécie de grande chefe dos criminalistas especialistas em anular processos e adiar processos indefinidamente. Reparem, não se tratava, então, de provar a inocência dos réus, mas de melar o processo ou de reduzir crime a simples infrações. Como diziam os advogados no julgamento no Petrolão – não é corrupção, é simples caixa dois.

Por outro lado, não é própria polícia que incentiva as denúncias anônimas, no mundo todo?  Aliás, não resisto a contar uma historinha que se não é verdade, é bem ilustrativa. Diz que um empresário quebrado e envolvido em confusões procurou um famoso escritório e pediu: não me importo de perder todo meu dinheiro, só quero ficar com o nome limpo de novo. E ouviu do advogado: o senhor veio ao escritório errado; aqui nós salvamos o dinheiro e deixamos o nome sujo.

E o que aconteceu nesta semana, no caso Lula? Depois de mais de cinco anos de investigações, um caminhão de provas e condenações em primeira, segunda e terceira instâncias, aparece uma “incompetência”. Algo assim: pois é pessoal, desculpa aí, mas esses casos do Lula deveriam ser julgados em Brasília, não em Curitiba. Pode ter sido uma jogada do ministro Fachin livrar Lula, para salvar a Lava Jato – mas, pelo menos até aqui, deu muito errado
Decretou o Lula livre, prestes a ter todos seus crimes prescritos, e desacreditou a Lava Jato.

Tudo isso deu força ao ministro Gilmar Mendes na sua campanha para não apenas livrar Lula, mas anular toda a Lava Jato – e livrar assim todos os empresários e políticos amigos apanhados pela operação. Acrescente a intensa movimentação do presidente da Câmara, Artur Lira, ele próprio um denunciado, para aprovar leis que restringem o conceito de crimes do colarinho branco e protegem os eventuais apanhados, e pronto: está em curso avançado o movimento das elites para abafar o combate à corrupção. Ou, dito pelo avesso, movimento pró-impunidade.

Ou ainda: foi tudo uma miragem. 
A Petrobras, outras estatais e o governo não foram assaltados na era petista. 
A Odebrecht não pagou um tostão por fora. 
A delação de seus donos foi uma invenção. 
A Petrobras não recebeu dinheiro de volta. 
Os estádios da Copa saíram a preço de custo. 
E por aí vai. Dizem os garantistas: sim, corrupção, mas deveria ter sido provada pelo devido processo legal. Qual? 
Aquele das formalidades de anular toda uma operação porque a denúncia inicial foi anônima? 
Que dinheiro de caixa dois não é roubado?

A operação Lava Jato aprendeu com os processos de combate à corrupção desenvolvidos inicialmente nos Estados Unidos e depois absorvidos pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE. O Brasil é signatário, por exemplo, do acordo de combate à lavagem de dinheiro, prática apanhada pela Lava Jato. Aliás, a OCDE, hoje em dia, leva em consideração dois temas básicos quando define políticas de crescimento sustentado: proteção ao meio ambiente e combate à corrupção.

O Brasil não se torna pária “apenas” por causa de Bolsonaro.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

 

quinta-feira, 15 de outubro de 2020

Fux valoriza decisão colegiada do Supremo - Merval Pereira

Por Merval Pereira

STF decide - A busca do colegiado

Fux já tem a maioria de seis votos garantida para manter sua decisão, e deve ter a unanimidade do plenário a seu favor, contra o voto do relator, ministro Marco Aurélio Mello. Ao decidir levar a plenário na primeira oportunidade depois do feriadão o debate sobre sua decisão de cancelar o habeas-corpus, o presidente do Supremo o fez também para demonstrar o respeito pela decisão colegiada.  

Desde sua posse, mostrou-se preocupado com a colegialidade das decisões, e ontem ressaltou em seu voto que o tribunal “deve ser unívoco em suas manifestações juspolíticas e, mesmo na salutar divergência, há de ostentar coesão de ideais”. A tese do ministro aposentado Sepúlveda Pertence de que os 11 ministros do Supremo são 11 ilhas que decidem cada qual à sua maneira, reflete essa dificuldade de impor o pensamento do colegiado: “Mais do que 11 juízes, somos um só tribunal”, reforçou o presidente do Supremo em seu voto.  

Segundo dados do próprio STF, 82% das decisões deste ano foram monocráticas, confirmando o índice que vinha sendo demonstrado pelo projeto “Supremo em Números” da Fundação Getúlio Vargas do Rio. A decisão do ministro Marco Aurélio Mello trouxe para debate o que muitos consideram um excesso de decisões individuais, muitas, como no caso do HC do traficante, contrariando jurisprudência da própria Corte.  

Existe na Câmara uma emenda constitucional para proibir decisões monocráticas em julgamentos de ação direta de inconstitucionalidade (ADI). O próprio ministro Marco Aurélio, que é um defensor da colegialidade, propôs que (*) fossem proibidas decisões monocráticas contra medidas de outros poderes, Executivo e Legislativo. Foi derrotado por unanimidade.  

Ontem, no debate sobre o habeas corpus, o ministro Luis Roberto Barroso ampliou uma proposta que já está em discussão no STF. Além de levar ao plenário virtual as decisões monocráticas, para que o colegiado a referende ou não mais rapidamente, Barroso ampliou a proposta sugerindo que seja criado um caminho mais rápido (fast-track) no plenário virtual apenas para as decisões liminares e cautelares, que poderiam ser examinadas pelos ministros em até um dia, quando necessária a urgência.  

A prisão em segunda instância é outro tema relevante que foi levantado na discussão sobre o caso. O traficante já estava condenado em segunda instância em dois processos que somam uma pena de 25 anos. Como houve um retrocesso no caso, com o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) alterando a legislação que permitia a prisão de um condenado em segunda instância, o traficante ainda pode recorrer até o trânsito em julgado.

 Mesmo assim, no caso dele, pela periculosidade, não poderia ter a prisão preventiva revogada. Como disse o ministro Luis Fux, o condenado debochou da Justiça. Fica mais patética ainda a situação quando se sabe que o termo de soltura exigiu que ele agisse como um cidadão que quer se reintegrar à sociedade. O que faz supor que um chefe de organização criminosa condenado a 25 anos, que esteve foragido por cinco anos, quer se reintegrar à sociedade?  

A continuação do julgamento hoje é mais importante para definir parâmetros para a adoção do artigo 361 do Código de Processo Penal (CPP) do que pelo resultado em si, que já está definido. Aparentemente há uma maioria já firmada no sentido de que a não renovação a cada 90 dias, como exige o novo artigo, não seja motivo para a soltura automática do preso.     

Há ministros, como Luis Roberto Barroso, que consideram que um condenado em segunda instância não tem que ter sua prisão preventiva renovada. Como os deputados que incluíram esse artigo no pacote anticrime dizem que estão preocupados com a situação dos pobres presos sem culpa formada, Barroso sugere que apenas aqueles que estão presos sem terem sido julgados devam ser objeto do artigo polêmico.  A decisão final do Supremo pode neutralizar os efeitos desse artigo que, tudo indica, foi enxertado [pelo Congresso Nacional] no pacote anticrime para proteger criminosos de colarinho branco.   

Merval Pereira, colunista - O Globo


segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

Férias numa colônia penal - Valor Econômico

Bruno Carazza

Rotina de presos da Lava Jato reproduzia privilégios

A vida dos detentos da Lava-Jato melhorou muito quando puderam utilizar na cadeia um produto denominado “bloqueador de odores sanitários”. Com o problema do mau-cheiro resolvido, o cotidiano na sexta galeria oferecia um serviço cinco estrelas comparado com as demais prisões no Brasil: rádio e TV liberados, um pátio maior para fazer exercícios físicos e livre trânsito entre as celas dos colegas.

A cena é descrita por Wálter Nunes em “A Elite na Cadeia: o dia a dia dos presos da Lava Jato”, lançado recentemente pela editora Objetiva. Repórter da “Folha de S.Paulo”, Nunes cobriu in loco o entra-e-sai de políticos e executivos de algumas das mais importantes companhias do país na carceragem da Polícia Federal em Curitiba e no Complexo Médico Penal de Pinhais.Nos plantões em que acompanhava os efeitos de decisões judiciais e acordos de delação premiada no âmbito das várias fases da operação, o jornalista obteve a confiança de agentes penitenciários, carcereiros e diretores das prisões, além de advogados e parentes dos detentos, que lhe contaram o comportamento e a rotina dos presos mais famosos do Brasil - relatos esses que são a matéria-prima do livro.

A presença de políticos, empreiteiros, lobistas, doleiros e dirigentes de estatais no sistema prisional é um feito incomum dado nosso longo histórico de leniência não apenas com a corrupção, mas com os chamados crimes de colarinho branco em geral. Não é à toa que menos de 1% da população carcerária brasileira tem curso superior. As prisões brasileiras são uma amostra, em cores ainda mais sombrias, da imensa desigualdade social brasileira, e o livro-reportagem de Wálter Nunes mostra como esse sistema gera privilégios para os mais ricos e poderosos até mesmo na cadeia.

É difícil disfarçar nosso sadismo quando imaginamos os responsáveis por desvios bilionários dos cofres públicos comendo arroz, macarrão e feijão na marmita fria, ou ao pensarmos em seus familiares sendo submetidos à mesma revista íntima degradante a que milhares de parentes dos presos “comuns” são obrigados a enfrentar nos dias de visitas. Não é fácil exercer a empatia mesmo diante dos relatos de crises de choro e depressão quando nos lembramos que aqueles mesmos indivíduos distribuíam ou recebiam malas de dinheiro e transferiam milhões de reais desviados para paraísos fiscais.

O fato de figurões da República estarem sob a responsabilidade da Polícia Federal e do sistema penitenciário paranaense, porém, lhes conferiu uma série de benesses que são negadas aos detentos normais. Por medo de se tornarem alvo de facções criminosas ou rebeliões, os presos da Lava-Jato ficavam em geral apartados em galerias exclusivas, o que por si só lhes protegia das condições medievais em que são confinados os demais criminosos no país. É óbvio que não estou aqui a defender tratamentos desumanos para quem descumpre a lei; pelo contrário, um sistema prisional indigno só degenera ainda mais os condenados no seu retorno à sociedade.

Mas, a partir do descrito em “A Elite na Cadeia”, a deferência com que foram tratados corruptores e corruptos - e o que é pior, os privilégios que foram adquirindo com o passar do tempo - revoltam o cidadão comum. De acordo com o relato de Wálter Nunes, progressivamente os detentos da Lava-Jato foram conquistando pequenas regalias em geral negadas aos presos comuns. Um exército de advogados muito bem pagos tratou de obter junto ao então juiz Sergio Moro condições que, apesar de estarem previstas na Lei de Execuções Penais, dificilmente são concedidas a quem não dispõe dessa assessoria, como atendimento médico, dieta especial e até podóloga. Conforme conquistavam a confiança e a intimidade de agentes penitenciários e diretores da prisão, os lava-jatos passaram a ter acesso a objetos normalmente negados, de jornais e revistas a barras de chocolate, passando por aparelhos de ginástica e luminárias.

É curioso notar como, dentro da prisão, alguns lava-jatos desempenhavam os mesmos papéis exercidos em liberdade. Fernando Baiano e Adir Assad, por exemplo, se encarregavam de levar aos responsáveis pela sua custódia os pleitos dos demais presos, tentando convencê-los da necessidade do seu atendimento, tal qual faziam na sua atividade de lobistas. Em algumas situações os empreiteiros levaram a cabo verdadeiras parcerias público-privadas com a direção da prisão, custeando o conserto das caldeiras do aquecimento de água ou a reforma do sistema de captação do sinal de TV aberta.

O livro de Wálter Nunes ainda traz a suspeita, transmitida ao autor por várias de suas fontes, de que regalias também foram prometidas e concedidas como estímulo à celebração de acordos de delação premiada. A convivência entre delatores e delatados, como Alberto Youssef e Nelma Kodama, também teria sido determinante para aumentar o número de interessados em negociar com o Ministério Público e a Polícia Federal. Ao final da leitura de “A Elite na Cadeiafica-se com a sensação de que, para os poderosos pegos pela Lava-Jato, o crime compensou. Na ânsia de aprofundar as investigações, o recurso de conceder benefícios em troca de informações delatadas parece ter ido longe demais. Hoje, a maior parte dos personagens do livro de Wálter Nunes já se encontra em casa, beneficiados pela colaboração premiada ou pela decisão do Supremo contra a prisão em segunda instância. Pelo montante de recursos desviados e a degeneração da República, corruptos e corruptores ficaram muito pouco tempo na cadeia - e mesmo durante esse período, a rotina dos lava-jatos descrita no livro mais parece um misto de spa, retiro espiritual e colônia de férias.

Graças à Lava-Jato, Sergio Moro chegou a ministro da Justiça e hoje é o responsável pelas investigações da Polícia Federal e pela execução das penas no sistema prisional. Seria bom se, perante a bancada do “Roda Viva” de hoje, ele expusesse um plano concreto para fazer do cumprimento da pena um real incentivo para evitar que criminosos voltem a delinquir e outros não sigam seu caminho.

Bruno Carazza, mestre em economia, doutor em direito, professor do Ibmec  e servidor publico federal (licenciado) - Valor Econômico 
 
 

terça-feira, 12 de novembro de 2019

Só Congresso poderá mudar o entendimento do STF – Editorial

Valor Econômico

Chances de emenda à Constituição reinstituir prisão após condenação à segunda instância são pequenas

Pela terceira vez em uma década, o Supremo Tribunal Federal mudou sua posição sobre a possibilidade de um réu ser preso após condenação em segunda instância. Os ministros do STF, após o escândalo do mensalão e o sucesso da Operação Lava-Jato, oscilaram de acordo com os ventos políticos. Ao avanço da Lava-Jato correspondeu a decisão de fevereiro de 2016, que alterava outra de 2009, permitindo o cumprimento da pena a partir do julgamento em segunda instância, reafirmada em pelo menos mais um julgamento. Os desvios do script legal da Lava-Jato, apontados pelo The Intercept, ajudaram a produzir nova reviravolta, em direção à posição anterior, de a prisão só ocorrer esgotados todos os recursos - que no sistema judicial brasileiro são muitos.

A questão ganhou maior relevância porque entre os presos que poderiam ser beneficiados pela medida estava o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A decisão sobre o tema acabou seguindo o timing político da Corte. O presidente Dias Toffoli a colocou em julgamento apenas depois que Lula já podia deixar a prisão e cumprir a pena em regime semi-aberto. Lula usou seu faro político ao não aceitar a progressão para o regime semi-aberto e esperar a possibilidade, que afinal veio, de poder recorrer da decisão livremente. [o condenado petista continua  condenado, com seus crimes sobre suas costas, sentença validada pelo STJ.
E também impossibilitado de ser candidato, devido a Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de  criminosos condenados por órgão colegiado.]

O artigo 283 do Código de Processo Penal sempre foi claro a respeito da prisão apenas em última instância, o que podia ou não estar de acordo com a Constituição, compatibilidade a que os ministros aplicaram toda a sabedoria hermenêutica para afirmar que não havia, e depois, que havia. A forma definitiva de tirar as dúvidas, disse Dias Toffoli no fim do julgamento de quinta-feira, era que o Congresso deixasse explícito que a prisão se tornaria possível após a segunda instância.

No Senado, há uma proposta de emenda constitucional nesse sentido, esposada por parlamentares do PSL. As chances políticas dela prosperar, porém, são inversamente proporcionais à possibilidade de dezenas de políticos envolvidos no petrolão e outros casos de corrupção serem condenados. Na Câmara dos Deputados, tudo indica que ela não passa. No Senado, há algum espaço para isso. O entendimento atual do STF é o da volta a um passado que em boa medida protege criminosos do colarinho branco. A necessária mudança em direção a padrões mais rígidos parece ter sido enterrada a curto prazo pela reação do Supremo contra os procuradores da Lava-Jato e seus expedientes heterodoxos e pela atitude de autoproteção dos políticos.

O resultado imediato dessa novela é que o governo de Jair Bolsonaro que, por falta de oposição, criara uma dentro de seu próprio partido, o PSL, agora terá de combater um adversário popular e hábil que não pôde enfrentar nas urnas em 2018. Lula, por sua vez, terá contra si o governo de um político de direita agressivo, que chegou ao Planalto exatamente pela desmoralização que os escândalos de corrupção causaram ao PT, e que pretende ir até aonde for possível para impedir Lula de recriar para a esquerda uma perspectiva de poder.

Há indícios de que a polarização será retomada, mas também de que essa página da história pode ser virada. As manifestações contra a decisão do STF, em São Paulo, exibiram críticas aos filhos de Bolsonaro, refletindo um racha já existente no PSL e nas forças da direita. E Lula terá de enfrentar grande rejeição e mostrar-se interessado em agrupar a esquerda em torno do PT, quando o movimento contrário parecia prevalecer. Por obra de Lula, o PT não abriu mão até hoje da primazia da condução da disputa pelo Planalto, deixando na sombra o PSB, Ciro Gomes e Psol.

A disputa presidencial é muito prematura e não se definirá logo. Com Lula na raia da esquerda e Bolsonaro na da direita, sobra para o centro político a bandeira do “novo”, que Bolsonaro na verdade não poderia empunhar. Os caminhos se estreitaram para Ciro Gomes e João Doria, mas há trilhas para novatos como Luciano Huck. O estado da economia vai decantar possibilidades.

Lula escolheu como alvo a política econômica em um momento em que ela começa a dar resultados mais visíveis, no crescimento e no emprego, sem que os programas sociais tenham sido dizimados, como o PT previa. Colocar todos os males nas costas de Guedes só colará se a economia continuar patinando. Foi a imponente ruína legada por Dilma Rousseff que trouxe consigo os males que Lula aponta. O PT não tem outro discurso. As linhas políticas terão de ser redesenhadas.
Editorial - Valor Econômico


sexta-feira, 8 de novembro de 2019

STF volta atrás - Merval Pereira



O Globo

Lula e Lava-Jato dominam debates no Supremo

O julgamento de ontem do Supremo Tribunal Federal (STF) transformou-se, muito por causa da posição do ministro Gilmar Mendes, num debate crítico sobre a Operação Lava Jato.  Em vão alguns ministros, especialmente o presidente do STF ministro Dias Toffoli, tentaram levar seus votos para questões conceituais, em abstrato. A Lava Jato, e Lula, o objeto oculto, dominaram os debates.

O nome do ex-presidente esteve presente sempre na tentativa de demonstrar que o Supremo não atua de maneira política, e muito menos pode ser acusado de culpado pelo sentimento de impunidade que domina a sociedade.  Até mesmo a proposta que Toffoli enviou aos presidentes da Câmara e do Senado, sugerindo que os prazos prescricionais sejam suspensos durante os recursos especiais, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e extraordinário no STF, foi utilizado para mostrar sua preocupação com o uso abusivo de recursos.

Não houve citação aos condenados da Lava Jato que serão beneficiados imediatamente pela decisão de retornar a exigência de trânsito em julgado para a prisão. O ministro Toffoli assumiu a defesa da instituição que preside em seu voto, utilizando, em tom dramático às vezes, estatísticas que, segundo ele, mostram que a impunidade deve-se aos erros de investigações de processos penais, e ao sistema judicial em si. [grande parte da impunidade e até mesmo o aumento da criminalidade deve-se as Poder Judiciário.

Um pequeno exemplo diante dos elevados números da criminalidade e da impunidade: em Brasília grande parte dos feminicidios ocorridos, foram praticados por elementos que haviam sido presos pela política, por violência doméstica, conduzidos ao DP, na sequência a uma 'audiência de custódia' e lá, após uma olhada de um juiz, libertados sob o argumento de não representarem  perigo.
Parte deles, uma vez em liberdade foi direto para a casa da ex e a matou. Além do assassino quem foi o responsável por mais um feminicidio?

Como confiar em uma sistema de 'medidas protetivas' se em Brasília, Capital da República, o contingente policial - polícia militar e polícia civil - é o mesmo dos anos 90, quando a capital tinha metade da população, e área habita, atual? 
(imagine e olhe que para os padrões normais Brasilia, deveria ser uma cidade segura. Não é.) 

A PM ameaça fazer concurso para aumentar o efetivo, o processo para realizar o necessário se arrasta por anos e contrata algumas centenas - número na maioria das vezes inferior ao número dos que se aposentaram no período entre a ameaça e a contratação efetiva.

A Polícia Civil,salvo engano desde o começo do século, ou do milênio se preferirem, ameaça contratar agentes - parece que em todo este tempo não contratou nem mil.]

O julgamento do mensalão, que marcou uma reviravolta na Justiça brasileira ao condenar políticos e empresários, foi tomado como exemplo de que o STF não atua com complacência contra os poderosos. O fato de que o tribunal dedicou-se por seis meses ao julgamento, parando a pauta geral, serviu como exemplo de que o Supremo, quando tem condições, atua com diligência.  O número de processos que o tribunal analisa anualmente foi mais uma vez citado, com razão, como responsável pela acusação de demora nas decisões do STF. [razão parcial; 

a solução é simples e depende do Supremo:  evitar que causas menores sejam levados ao Supremo. Alguém já parou para pensar quanto tempo o Supremo perde analisando processos menores, tipo: discutir se a maconha deve ser liberada! se  banheiro público por ser unissex!  se a chamada homofobia deve ser criminalizada! julgar dezenas de habeas corpus sobre o mesmo tema! - só do condenado Lula examinaram quase cem HC!
Evitar que uma decisão adotada em um dia pelo Plenário do Supremo - após várias sessões, com votos de horas - meses depois seja novamente discutira. Decisão do Plenário da Suprema Corte tem que ser solida e ter um tempo mínimo de validade.] Ampla análise do ministro Toffoli levou-o a declarar que o sistema judiciário brasileiro precisa de uma ampla reforma desde a base para que o sentimento de impunidade não predomine.

Tudo para afirmar que não é a execução após condenação em segunda instância que evitará a impunidade. Deu como evidência a possibilidade de recursos, até mesmo após a decisão do tribunal do Júri, citando um caso recente de um homem que matou várias pessoas, foi condenado a 97 anos pelo júri popular e está em liberdade, recorrendo em segunda instância. O debate sobre a execução imediata das decisões do tribunal do júri, aliás, é outro tema que estará em discussão pelo Supremo nos próximos dias, e Toffoli já adiantou sua posição, a favor do cumprimento imediato da pena.

O presidente do Supremo, aliás, organizou seu voto de maneira tal que a análise de casos criminais famosos, como o incêndio da Boate Kiss, servisse de exemplo de que a condenação em segunda instância não é uma solução para a máquina burocrática judiciária que não funciona como deveria.Toffoli, controlando o choro, leu uma reportagem sobre as conseqüências da tragédia da boate Kiss, que até hoje não teve nem mesmo uma sentença definida. A questão de condenações de políticos presos por corrupção não entrou em debate, propositadamente pelos que defenderam a volta do trânsito em julgado, para marcar a posição de que o tema é de alcance geral, e não apenas de crimes do colarinho branco. [e os saidões favorecendo assassinos de filhos - caso Nardoni - dos pais - caso Suzanne - e dezenas de outros?]

Toffoli usou também o argumento de que o Congresso pode mudar a Constituição, caso a interpretação do Supremo de que o trânsito em julgado é necessário não seja compatível com a posição atual da maioria de seus membros. [dois detalhes:

Congresso pode? e se qualquer partideco entrar com uma ADIN questionando que manter bandido solto é cláusula pétrea da CF e o Supremo mandar o Congresso suspender a tramitação do processo, como fica?
Se a prisão preventiva é uma alternativa, o que impede que seja aplicada no assassino condenado a 97 anos?]
E a prisão preventiva passou a ser citada como uma solução jurídica válida para evitar a impunidade, quando os condenados se enquadrem nas exigências legais.   

Merval Pereira, jornalista - O Globo




domingo, 20 de outubro de 2019

Mudança de ventos - Merval Pereira

O Globo

Como os ventos viraram contra a Lava-Jato


Embora o que não esteja nos autos do processo não exista tecnicamente, advogados, juízes e promotores são influenciados pelo que vêem, pelo que lêem, pelo que conversam com amigos ou mesmo na família.  A faísca que desencadeou um processo de reversão de expectativas no mundo jurídico e político contra a Operação Lava Jato foi provocada pelas conversas roubadas do celular do procurador-chefe da Lava Jato Deltan Dallagnol publicadas pelo site The Intercept Brasil. [sendo recorrente e até chato: as 'conversas' não valem nada - são fofocas e fofocas não são aceitas em processo (a Constituição Federal não é um primor de clareza, mas, o dispositivo que invalida provas ilicitas é de clareza solar e de interpretação literal);
outro aspecto é que chega ao absurdo, surreal mesmo, é que pessoas, especialmente as doutas no direito e na Justiça, se deixem influenciar por provas que além de ilicitas - mandamento pétreo da  Carta Magna - não tem comprovação de autenticidade.
Tomar decisões movidas por fofoca, abre espaço para que se cogite de possível interesse não republicano.
Sem esquecer que na esfera penal, os integrantes do Tribuna do Júri, cidadãos, pessoas do povo, não podem sequer admitir que acompanharam no noticiário, ou por outro meio, o caso que vão julgar;
tudo para evitar que sejam influenciados por notícias, boatos, fofocas - são pessoas do povo, o que não as isenta do DEVER de nao se deixarem influenciar, que dizer de advogados, juízes e promotores? ]

As mensagens entre Dallagnol e o então juiz Sérgio Moro não revelam nenhuma ilegalidade, mas a proximidade entre partes do processo, que comum no cotidiano da Justiça, dá margem aos que já tinham a tendência de criticar os procuradores de Curitiba, por razões de poder ou política, pretexto para darem a suas críticas ares de verdade.

Vimos na semana passada três ministros do Supremo em contato fora da agenda com o presidente Bolsonaro, às vésperas do julgamento mais importante do ano, sobre o fim da prisão em segunda instância. Dois deles, ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, tomaram decisões recentes que beneficiaram diretamente o senador Flavio Bolsonaro, filho do presidente, reduzindo a possibilidade de investigações criminais financeiras.

Como já ressaltei aqui na coluna, há anos, desde o julgamento do mensalão, advogados de defesa dos acusados de corrupção tentam manobras jurídicas para beneficiar seus clientes. O então ex-ministro da Justiça, Marcio Thomas Bastos, foi o coordenador das manobras que pretendiam levar para a primeira instância da Justiça os réus do mensalão que não tinham foro privilegiado. O relator Joaquim Barbosa defendeu a tese de que os crimes eram conectados, e foi vitorioso, driblando uma tradição da Justiça brasileira de desmembrar os processos.

Nos julgamentos do petrolão, diversas táticas foram tentadas pelos advogados de defesa, mas nos primeiros anos, com o apoio popular da Lava-Jato no auge, não houve ambiente para que teses diversas fossem aceitas. Só recentemente, a partir das revelações do Intercept, o vento mudou, passaram a ser aceitas teses que abrandaram a situação dos réus. As diversas instâncias que existem de recursos, mesmo em países de arraigada tradição garantista dos direitos individuais, não impedem o cumprimento da pena, às vezes até mesmo na primeira instância.

O jurista e cientista político Christian Edward Cyrill Lynch, editor da revista “Inteligência”, lembra que o se discute agora é se a Constituição, quando fala que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença condenatória”, está ou não querendo dizer “ninguém cumprirá pena de prisão decretada na sentença de primeira instância até o trânsito em julgado da sentença condenatória”.

A provável mudança de maioria do plenário do Supremo, a favor da prisão apenas ao final do processo, tem a ver com esse novo ambiente político que está sendo revertido por um esquema profissional que envolve grandes escritórios de advocacia, políticos poderosos, empresários já atingidos pela Lava Jato ou que temem vir a ser, num trabalho de desmonte do novo espírito de aplicação do Direito que veio sendo aprofundado desde o julgamento do mensalão até agora no petrolão.

Os últimos cinco anos foram intensos na implantação de uma nova visão da aplicação da Justiça que pretende dar conseqüência prática aos processos envolvendo criminosos do colarinho branco, que voltarão a ser protegidos se prevalecer o estado de coisas anterior ao mensalão.  Também os políticos aprenderam a se defender, através de legislações como a lei de abuso de autoridade, e a retórica de que os promotores e Moro estão “criminalizando a política”. Trata-se, ao contrário, de denunciar e punir a utilização da política para praticar crimes.

É provável que haja um retrocesso, mas o resultado das pesquisas mostra que a opinião pública continua com sede de Justiça. O ministro Sérgio Moro continua o mais popular ministro do governo Bolsonaro e vence todos os adversários num hipotético segundo turno para a presidência da República.

(*) Ao enumerar as diversas instâncias recursais do Antigo Regime na coluna de sexta-feira, inclui o Supremo Tribunal de Justiça como uma quarta instância. Na verdade, o STJ foi criado em 1828 para substituir a Casa de Suplicação. A quarta instância era o desembargo do Paço.


Merval Pereira, jornalista - Coluna em O Globo


quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Moro e o imaginário popular



Popularidade é a única saída para Moro

O anão que mora debaixo da mesa presidencial no gabinete do Palácio do Planalto ouviu dizer que o presidente Jair Bolsonaro está caindo na pilha de assessores, nem sempre oficiais, que já tratam o ministro Sérgio Moro como um fardo político. Até o momento, no entanto, o presidente continua achando que Moro é um bom ativo político.  Além do desgaste com a divulgação dos diálogos hackeados entre Moro e o coordenador dos procuradores da Operação Lava-Jato, Deltan Dallagnol, pelo site Intercept Brasil e outros órgãos de imprensa, agravou a situação de Moro a crítica de um de seus principais assessores, o presidente do Coaf Roberto Leonel, à decisão do presidente do Supremo, Dias Toffoli, de suspender investigações realizadas sem autorização judicial. [sendo recorrente: os diálogos além de provas ilícitas, foram obtidos mediante a prática de crimes, não tem a autenticidade comprovada. Considerando que uma imagem vale por mil palavras, abaixo segue o valor do tiro disparado pelo 'verdevaldo', com o detalhe que o conteúdo do vaso sanitário se jogado em alguém, suja.

Quanto a demissão do presidente do Coaf é justa e natural, quem serve a um governo tem o direito de efetuar críticas, desde que em privado e sejam apresentadas ao seu superior imediato e, caso tenha acesso, ao criticado, jamais em entrevistas comícios.]


A lição do ex-ministro Rubens Ricupero continua atual.

Vídeo do escândalo da parabólica que derrubou o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero em 1994

A decisão beneficia diretamente o filho do presidente, o senador Flavio Bolsonaro, que foi a origem do apelo ao STF. Uma das queixas, de que Moro não corresponde ao esperado na segurança pública, parece mais desculpa do que uma razão, e começou a ter respostas  há algumas semanas.  Moro colhe bons frutos do trabalho da Polícia Federal, que encontrou os hackers que invadiram mil telefones de autoridades, e conseguiu recuperar, nos seis primeiros meses deste ano, mais dinheiro de corrupção e lavagem do que em todo o ano passado.

Moro parabenizou a PF pelo recorde de apreensão de bens relacionados ao tráfico de drogas. De acordo com os números oficiais, R$ 548 milhões já foram apreendidos de janeiro a julho deste ano. “ Estratégia universal, prisão dos membros do grupo, isolamento dos líderes, sequestro e confisco do patrimônio do crime. O crime não pode compensar”, sentenciou Moro pelo Twitter. A PF também fez  ontem grande operação contra a facção criminosa PCC, que tem ramificações em todo o país, com objetivo de cortar o financiamento dos criminosos, e disse ter encontrado planilhas que podem levar a outros financiadores.

Prova de que o trabalho anti-crime do ministro está tendo resultado neste momento, e que o combate ao crime organizado se dá em várias frentes, e não apenas na Lava-Jato.   Desde que foi escolhido para o Ministério da Justiça, Sérgio Moro anunciou que teria como foco principal o combate ao crime de lavagem de dinheiro, com o objetivo de asfixiar as organizações criminosas.  A equipe montada por ele tinha como base policiais especializados nesse tipo de ação, e por isso ele fez questão de levar para sua área o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), um instrumento fundamental para detectar dinheiro ilegal, proporcionando a investigação dos órgãos de controle, como a Receita Federal.  O termo usado na equipe que lidera o combate ao crime organizado é "descapitalização", para enfraquecer as organizações criminosas, seja de facções, ou de colarinho branco. Por isso seu pacote anticrime pede a alteração de algumas leis para que os órgãos de fiscalização tenham maior liberdade.

A perda do Coaf para o ministério da Fazenda foi política, uma derrota que o Congresso resolveu dar a ele em defesa própria, considerando que o Coaf na Fazenda não teria a mesma dedicação em investigar os políticos. Se houver mesmo a substituição do seu comando, essa tendência deve ser confirmada. [além do interesse de deputados e senadores enrolados com o crime em neutralizar Moro, só assim continuarão em liberdade;  existe também uma ação sistemática de parte da imprensa e do 'primeiro-ministro' Maia em desestabilizar o governo Bolsonaro - qualquer lama que respingue em Moro atinge, ainda que de raspão, Bolsonaro, sendo que o interesse do primeiro-ministro é a eleição presidencial de 2022.]
Os azares da sorte levaram os caminhos da política a um impasse:
investigar políticos esbarra na família Bolsonaro. Mas o presidente não pode dar a impressão de que está abandonando seu apoio à Lava-Jato para defender seu filho.   Alardear os feitos da Polícia Federal é uma saída, pois ela “realiza suas investigações com autonomia e mérito próprio. O papel do Ministério da Justiça e da Segurança Pública é dar estrutura e independência” (...) “Uma única orientação: focar em crime organizado e corrupção, as prioridades nacionais. As estratégias de investigação são parecidas, siga o dinheiro.”  Moro, que já deu provas de flexibilidade ao lidar com temas delicados como porte de armas, só tem uma saída: tornar-se cada vez mais o super Moro, indispensável no imaginário popular.

Merval Pereira, jornalista - O Globo