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Mostrando postagens com marcador Carmen Miranda. Mostrar todas as postagens
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sábado, 2 de junho de 2018

Personagem da semana: a batata



Um desabafo franco do tubérculo que sumiu das prateleiras 

Empoderadas pela greve dos caminhoneiros, nós, batatas, atingimos uma valorização de 150%. Nossa autoestima está quente. Conquistamos nosso lugar de fala e também queremos fazer nossas reivindicações. Disputaremos narrativas com coxinhas, mortadelas e pamonhas que pedem intervenção militar.  Primeiro, é importante deixar claro que o sistema nos oprime. Uma penca de expressões e piadas reforça preconceitos contra nós ao longo dos séculos.  Vamos aos fatos: nossa reprodução é uma atividade malvista pela sociedade desde que “vai plantar batata” virou xingamento. Um sujeito descadeirado pode ser descrito como um saco de batatas sem que ninguém seja repreendido por isso. E ninguém contesta o tétrico estereótipo construído pelo Sr. Cabeça de Batata.

Machado de Assis, talvez o maior escritor brasileiro, contribuiu para o nosso mau agouro ao cunhar a irônica expressão “ao vencedor, as batatas”. Sem falar no tom pejorativo que ganhou a poesia “batatinha quando nasce/ se esparrama pelo chão”.  Não estamos representadas na novela das 9 da TV Globo. Não há conto de fadas em que a Rainha Má ofereça uma batata envenenada para a princesa. A carruagem vira abóbora. Popeye come espinafre. Magali, melancia. A cenoura se envolveu num boato maldoso na carreira de Mario Gomes. “Morango do Nordeste” virou sucesso nacional. Enquanto isso, nem Romero Britto se digna a pintar uma batata. té mesmo para noticiar as variações da inflação, a imprensa se esparrama no clichê das variações de preço do pãozinho. Pagamos nossos impostos em dia, e o Datena nos ignora. Luciano Huck nunca ajudou um morador de periferia a abrir uma batataria gourmet.

Basta!
A greve dos caminhoneiros parou o Brasil: faltou comida, gasolina, remédios. Centenas de voos cancelados. Sabemos que os prejuízos estimados pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) podem ultrapassar os R$ 6,6 bilhões. A situação expôs a fragilidade do governo Michel Temer, que já é mais impopular que uma porção de inhame no prato de uma criança.  Também colocou em xeque a política da Petrobras que — mesmo sendo um monopólio — flutua o preço dos combustíveis de acordo com o mercado internacional.
Tudo isso fez com que o caos se instaurasse por todas as classes sociais. Desde as famílias mais pobres, que não encontram itens de primeira necessidade, aos acionistas da Petrobras, que não encontram seus dividendos. Os áudios de WhatsApp, como de costume, deram conta de disseminar o medo generalizado.

É o que diz o poeta: não se faz uma revolução sem quebrar alguns ovos. Ou descascar algumas batatas.  É por isso que vamos lutar daqui para a frente. O povo brasileiro precisa conhecer nossa trajetória de luta!  Somos tubérculos de origem latino-americana sem dinheiro no banco e vindos do interior da Cordilheira dos Andes há cerca de 8 mil anos. Hoje, pela meritocracia, estamos em todos os continentes e somos o 4º alimento mais consumido no mundo. Muito provavelmente por causa da doutrinação comunista em nossas escolas, os jovens são privados do conhecimento de que batatas, quando plantadas, dão flores. Podem ser brancas, púrpuras ou rosadas — jamais vermelhas.  E mais: cada 100 gramas de batata possuem, em média, 65 calorias. Além de todas as vitaminas essenciais — exceto A e D. Disso a imprensa golpista não fala.
Por isso, apresentamos aqui uma lista de reivindicações. Michel Temer, sua batata está assando.

“Exigimos a criação do Dia do Orgulho Tubérculo e do
 Programa de Fritas Mínimas, em parceria com o senador Suplicy”
 
Os caminhoneiros pararam, as batatas minguaram, e os preços desembestaram. Em alguns mercados, o aumento superou 150% (Foto: CELSO PUPO/FOTOARENA)
 
 
1. Criação do dia do Orgulho Tubérculo
Batata é agro. Batata é tech. Batata é pop. Nesse dia, uma campanha em rede nacional vai elencar nossas qualidades.

2. Fritas Mínimas
Em parceria com Eduardo Suplicy, vamos estabelecer um programa em que toda criança poderá comer uma pequena porção de batata frita em todas as refeições.

3. Presença na cultura
Todos os imitadores de Carmen Miranda terão de respeitar uma cota de 10% para o empilhamento de batatas no chapéu. Caetano Veloso, que já fez até “Jenipapo absoluto”, ganhará incentivos fiscais toda vez que emitir opiniões sobre os mais variados tubérculos. Paulo Coelho será distribuído em todas as escolas públicas se escrever “Às margens da plantação de batatas, eu sentei e chorei”.

4. Nova política de preços
Também exigimos ser um monopólio, como a Petrobras. Queremos controlar a flutuação de preços, sem concorrência, para manter nossa valorização tão suada.

5. Aumento de impostos
Além de ajustar para cima toda a taxação de nossa cadeia produtiva, queremos a criação do ISM, Imposto Sobre Mordida.

6. Autossuficiência em batata
Temos todas as credenciais para entrar na política de Campeões Nacionais do BNDES. Wesley e Joesley não tinham nem metade de nosso potencial. Exigimos um financiamento gordo do BNDES para que — junto com o monopólio — a gente transforme o Brasil numa nação autossuficiente em batata.

7. Garantia de maioria no restaurante do Senado
Para compor uma base unida — seja ela frita, cozida ou rosti —, queremos pratos comissionados no restaurante do Senado.

8. Combate às fake news
 
Com frequência somos covardemente acusados de aumentar o colesterol, os triglicerídeos e de engordar. Não toleraremos mais ataques descabidos. Medidas legais serão tomadas.

9. Imunidade alimentar
Para não podermos mais ser acusados de crimes de indigestão.

10. Uma concessão nossa
Para deixar claro que não somos só exigências, também estamos dispostos a ceder. Isso se chama cidadania. Caso todos os nossos pontos sejam atendidos em 24 horas, vamos batalhar para alterar o slogan que pede a saída do presidente. Nossa nova proposta será “Frita, Temer”.
Caso contrário, vamos tomar medidas realmente drásticas. O povo brasileiro precisa ser avisado, pois o pior está por vir: bloquearemos roteadores para — pasmem — cortar o fornecimento de memes. Aí o bicho vai pegar.

 Revista Época


sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Grandezas e misérias de agosto



Começa no dia 25 o julgamento final da presidente afastada Dilma Rousseff no Senado. Como esta fase levará no máximo três dias, o processo estará concluído antes do fim do mês. Com isso, agosto, um mês marcado por fatos dramáticos na história do Brasil — o suicídio de Getúlio Vargas em 1954, a renúncia de Jânio Quadros em 1961, a morte de Juscelino Kubitschek em 1976 – ganhará mais um motivo para ser chamado de aziago. É, disparado, o mês mais impopular do ano.

E, de fato, coisas horríveis já aconteceram em agosto — diante das quais o impeachment de um presidente, por mais grave, não pega nem aspirante. Algumas: a erupção do Vesúvio que sepultou Pompeia, em 79 d.C.; a Noite de São Bartolomeu, em Paris, em 1572; a primeira execução pela guilhotina, em 1792; o começo da Grande Guerra, em 1914; o assassinato de Garcia Lorca, na Espanha, em 1936; o lançamento da bomba sobre Hiroshima, em 1945; e a morte de tanta gente querida, como Balzac, Julio Verne, Euclides da Cunha, Enrico Caruso, Carmen Miranda, Marilyn Monroe, Carlos Drummond.

Em compensação, coisas maravilhosas também aconteceram em agosto: a inauguração da Capela Sistina, no Vaticano, em 1483; a Declaração dos Direitos Humanos, na França, em 1785; a criação da Cruz Vermelha, em Genebra, em 1863; e o nascimento de pessoas que, um dia, seriam tão admiradas, como Confúcio, Goethe, o Aleijadinho, Tiradentes, Hegel, Oswaldo Cruz, Hitchcock, Louis Armstrong, Jorge Luís Borges, dr. Albert Sabin, Nelson Rodrigues, Aracy de Almeida e até Usain Bolt.

Donde não faz sentido responsabilizar um inocente mês pelas nossas grandezas ou misérias. Em tempo: para arrolar as efemérides acima, não me vali apenas da memória. Fui ao órgão que substituiu e aposentou o Almanaque Capivarol: o Google.


Fonte: Ruy Castro - Folha de São Paulo