“Chorei de emoção!”, derreteu-se no Twitter o presidente
Hugo Chávez no começo da madrugada de 16 de julho de 2010. “Que momentos
impressionantes vivemos esta noite! Vimos os ossos do grande Bolívar! Aquele
esqueleto glorioso é de Bolívar, pois sua chama pode ser sentida! Bolívar
vive!”. Como prometera aos venezuelanos, o militar que se considerava a
perfeita reencarnação do herói nacional resolveu exumar os restos sepultados
numa tumba em Caracas para provar que El Libertador não morreu de tuberculose,
como afirmam todos os historiadores.
Na cabeça do presidente, foi assassinado
por conspiradores liderados por um general colombiano.
Durante uma semana,
dezenas de especialistas em distintas ciências perseguiram a verdadeira causa
mortis e, por determinação do chefe, examinaram com especial empenho a hipótese
de envenenamento. Ao fim de sete dias, o bolívar de hospício informou que as
investigações haviam sido “inconclusivas” e devolveu à sepultura a ossada
original.
Abatido pelo câncer, Chávez avisou meses antes da morte que
seu sucessor seria Nicolás Maduro. Em 2 de abril de 2013, descobriu-se que
continuava por aqui, mas em forma de ave. “Eu estava sozinho numa sala quando,
de repente, entrou um passarinho pequenininho que me deu três voltas por cima”,
contou Maduro, girando o anular sobre a cabeça. “Parou numa viga de madeira e
começou a cantar. Então eu disse: ‘Se você canta, também canto’. Comecei a
cantar. O passarinho me estranhou? Não. Cantou mais um pouquinho, deu uma volta
e foi embora. Eu senti o espírito de Hugo Chávez.” O fenômeno alado foi
reprisado pelo menos cinco vezes. Não é pouca coisa. Mas não seria tudo: graças
aos conselhos do padrinho, Maduro sentiu-se pronto para façanhas muito mais
audaciosas. Em 20 de janeiro de 2019, por exemplo, procurou tranquilizar
venezuelanos atormentados pelo presente com a informação animadora: “Já fui ao
futuro. Vi que tudo estava bem e voltei. A união cívico-militar garante a paz e
a felicidade ao nosso povo”.
Conversa de vigarista. A taxa de miséria é desesperadora, a
inflação alcança dimensões siderais, milhões de habitantes cruzaram as
fronteiras em busca da sobrevivência. A consolidação da ditadura chavista
eliminou direitos humanos, liberdades democráticas, partidos de oposição,
imprensa independente. Centenas de adversários do regime foram executados,
outros continuam encarcerados sem julgamento. O que parecia sólido nos anos
1970 desmanchou-se no ar. Conheci a Venezuela Saudita. Não existe mais. Decidido
a permanecer no trono até o fim, Maduro recorre ao petróleo para assegurar o
apoio de militares corruptos, milícias homicidas, burocratas assassinos,
policiais. O país está subordinado a uma ditadura sórdida. Sabem disso até os
ossos de Simón Bolívar. Só Lula não sabe de nada. Nesta semana, enquanto
procurava um ângulo que aumentasse seu 1,68 metro de altura, e reduzisse a
diferença de 22 centímetros que acentua o status de anão diplomático, o
presidente brasileiro repetiu a obscenidade: tudo o que se diz de ruim sobre a
Venezuela não passa de “narrativa”. Ou “desinformação”. Ou fake news. Ou ato
antidemocrático. Ou coisa de golpista.
“Narrativas” são versões. Há muitas. A verdade é uma só, e
se ampara em fatos. O animador de auditório fantasiado de presidente não sabe
disso — ou finge não saber, o que dá na mesma. De cinco em cinco minutos,
reiterava o convite: “Apresente a tua narrativa, Maduro”. O visitante mentia:
tudo vai bem por lá.
O sorriso de Lula berrava que as coisas por aqui não param
de melhorar. Ele não conseguiu ressuscitar a Unasul e deixar Maduro melhor no
retrato dos governantes sul-americanos.
Em contrapartida, estreitaram-se os
laços entre a Presidência da República e o Supremo Tribunal Federal.
Num
churrasco na Granja do Torto, ficou acertada a transferência para o Egrégio
Plenário do principal advogado do ex-presidiário.
Outras combinações
guilhotinaram o mandato do deputado federal Deltan Dallagnol, colocaram na mira
do STF o presidente da Câmara e mandaram recados a parlamentares
oposicionistas. A sede da cúpula do Poder Judiciário agora enxerga no espelho o
prédio do Congresso.
Aos ouvidos dos dois parceiros, a “narrativa” dos
deserdados é armação de lacaio do imperialismo norte-americano. Para os
compassivos, é um soco no peito. “Ansiedade e repulsa”, resume o costureiro
Ricardo Seijas, 26 anos, quando lhe perguntam o que sentiu ao saber da chegada
de Maduro ao Brasil. “Foram inevitáveis as lembranças de um passado que me
machuca bastante”, disse o jovem que, aos 21 anos, abandonou o sonho de ser
dentista na cidade natal para livrar-se da repressão feroz. “Meu mundo caiu
quando a diretora da universidade informou que eu estava numa lista de
procurados, por participação em protestos estudantis.” Seijas arrumou as malas,
despediu-se às pressas da mãe e juntou-se à diáspora venezuelana. Hoje ele é
costureiro em Brasília, perto da mãe, que chegou em 2020. “Ela não tinha
condições de continuar por lá”, explicou Seijas. “A crise econômica é brutal.”
Em 2011, quando era adolescente, o pai comprou um apartamento.
Com tudo pago e
a chave nas mãos, recebeu por telefone o aviso do governo Chávez: como ele
tinha outros imóveis, a propriedade fora confiscada para cumprir a obrigatória
“função social”.
“Eu me senti tremendamente desrespeitada, porque o que o
ditador faz na Venezuela é desumano”, lamentou a dona de casa Elizabeth Jimenez,
39 anos. “Fico mais indignada ainda ao ver que isso é ignorado pelo presidente
do país que escolhi para ser meu refúgio. Ao receber Maduro e declarar
publicamente que o que se passa na Venezuela é ‘narrativa’, Lula legitima todas
as violações aos direitos humanos que ocorrem lá.” Elizabeth aparentemente
ignora que, se as duas faces dos governos do PT são escuras, é sempre mais
sombria a que escancara a política externa da canalhice, que vigorou de 2003 a
2015 e foi ressuscitada no primeiro minuto deste ano.
Juscelino Kubitschek afirmava que fora poupado por Deus do
sentimento do medo. No caso de Lula, defeitos de fabricação revogaram o
sentimento da vergonha e proibiram qualquer espécie de remorso
Em abril de 2006, numa discurseira em Curitiba, Hugo Chávez
pediu à plateia que reelegesse “o herói do Brasil”. Em novembro, num comício na
Venezuela, Lula recomendou aos espectadores que mantivessem Chávez no poder. Em
outubro de 2009, Chávez comparou Lula a Jesus Cristo e virou cabo eleitoral de
Dilma Rousseff. Em abril de 2013, o candidato Nicolás Maduro animou a turma no
palanque em Maracaibo com a apresentação do vídeo em que Lula afirma que a
vitória do sucessor era essencial para a consolidação da Venezuela sonhada pelo
bolívar de hospício. Comovido, Maduro agradeceu a Lula “por todo o apoio que
deu a Chávez, por todo o apoio que deu à revolução bolivariana”. Em fevereiro
de 2017, Lula e Dilma apoiaram publicamente a candidatura de Maduro. Nos anos
seguintes, o coração de Dilma Rousseff sempre bateu em descompasso nos
encontros com o topete desprovido de cérebro a 1,90 metro de altitude.
“Se Cuba não tivesse o bloqueio dos Estados Unidos, poderia
ser uma Holanda”, garantiu o torturador de fatos. Fruto do acasalamento de
stalinistas farofeiros do PT e nacionalistas de gafieira do Itamaraty, esse
aleijão subiu a rampa do Planalto em 1° de janeiro de 2003.
Nos oito anos
seguintes, fantasiado de novo-rico caridoso, o Brasil acoelhou-se com
exigências insolentes do Paraguai e do Equador, suportou com passividade bovina
bofetadas desferidas pela Argentina, hostilizou a Colômbia democrática para
afagar os narcoterroristas das Farc, meteu o rabo entre as pernas quando a
Bolívia confiscou ativos da Petrobras e rasgou o acordo para o fornecimento de
gás. Confrontado com bifurcações ou encruzilhadas, Lula fez invariavelmente a
escolha errada e curvou-se à vontade de parceiros abjetos.
Quando o Congresso de
Honduras, com o aval da Suprema Corte, destituiu legalmente o presidente Manuel
Zelaya, o Brasil se dobrou aos caprichos de Hugo Chávez. Decidido a reinstalar
no poder o canastrão que gostava de combinar chapelão branco-noiva com bigode
preto-graúna, convertido ao bolivarianismo pelos petrodólares venezuelanos,
Chávez obrigou Lula a transformar a embaixada brasileira em Tegucigalpa na
Pensão do Zelaya.
Em 2007, para afagar Fidel Castro, o governo deportou os
pugilistas Erislandy Lara e Guillermo Rigondeaux, capturados pela Polícia
Federal quando tentavam fugir para a Alemanha depois de abandonarem o
alojamento da delegação que participava dos Jogos Pan-Americanos do Rio. Entre
a civilização e a barbárie, o presidente da República sempre cravou a segunda opção.
Com derramamentos de galã mexicano, prestou vassalagem a figuras repulsivas
como o faraó de opereta Hosni Mubarak, o psicopata líbio Muammar Kadafi, o
genocida africano Omar al-Bashir, o iraniano atômico Mahmoud Ahmadinejad e o
ladrão angolano José Eduardo dos Santos. Coerentemente, o último ato do
mitômano que se julgava capaz de liquidar com conversas de botequim os
antagonismos milenares que sangram o Oriente Médio foi promover a asilado
político o assassino italiano Cesare Battisti.
Herdeira desse prodígio de sordidez, Dilma manteve o país
de joelhos e reincidiu em parcerias pornográficas. Entre o governo
constitucional do Paraguai e o presidente deposto Fernando Lugo, ficou com o
reprodutor de batina. Juntou-se à conspiração que afastou o Paraguai do
Mercosul para forçar a entrada da Venezuela. Rebaixou-se a mucama de Chávez até
a morte do bolívar de hospício. Para adiar a derrocada de Nicolás Maduro,
arranjou-lhe até papel higiênico. Ao preservar a política obscena legada pelo
padrinho, a afilhada permitiu-lhe que cobrasse a conta dos negócios
suspeitíssimos que facilitou quando presidente, em benefício de governantes
amigos e empresas brasileiras financiadas pelo BNDES. Disfarçado de
palestrante, o camelô de empreiteiras que se tornariam casos de polícia com a
descoberta do Petrolão ganhou pilhas de dólares, um buquê de imóveis e
agradecimentos em espécie de países que tiveram perdoadas suas dívidas com o
Brasil. Enquanto Lula fazia acertos multimilionários em Cuba, Dilma
transformava a Granja do Torto na casa de campo de Raúl Castro, também
presenteado com o superporto que o Brasil não tem.
Juscelino Kubitschek afirmava que fora poupado por Deus do
sentimento do medo. No caso de Lula, defeitos de fabricação revogaram o sentimento
da vergonha e proibiram qualquer espécie de remorso. Essa conjunção de avarias
talvez explique a naturalidade com que Lula reincide na louvação de regimes
liberticidas.
Ele pertence à subespécie dos criminosos que voltam assoviando ao
local do crime. Faz sentido: faltam adversários capazes. Sobram aliados capazes
de tudo.
E tem ao lado a conselheira Janja.
É por isso que já não se compara a
ninguém. Nossa metamorfose delirante já foi Juscelino Kubitschek, Getúlio
Vargas, Tiradentes, Nelson Mandela e Jesus Cristo.
Parece ter descoberto que,
no paraíso dos culpados impunes, nada é melhor que ser Lula.[o único personagem ao qual o presidente petista pode se comparar é a Judas Iscariotes - quando posava de líder sindical, deixava os companheiros em assembleia no estádio da Vila Euclides e se dirigia para a FIESP para conversar com empresários, após passava no DOPS para cumprir a função de informante do delegado Romeu Tuma - tanto que seu codinome era 'boi']
(Com reportagem de Cristyan Costa)