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segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Errando o alvo na mosca!

No início dos anos 1990, minha irmã, então roteirista da Fundação Roberto Marinho, me convidou para ser seu assistente na lida sub-literária de escrever roteiros de teleducação e empresariais. Iniciou-se assim minha carreira na seara das letras plebeias, que durou mais de 20 anos. Graças a minha irmã, entrei na panela, e segui adiante por conta própria: conheci muita gente do meio artístico, ‘bacanas’ aos montes,  e até mesmo tentei praticar a tal da ‘arte’. Cheguei a criar e escrever um seriado juvenil para a TV Cultura (Galera) e participei da roteirização de um longa de pegada popular (O Menino da Porteira), que foi visto nos cinemas por mais de um milhão de pessoas (Lei Rouanet, eu confesso, também pequei). O fracasso, no entanto, nunca me subiu à cabeça e minha carreira não foi adiante pelas minhas próprias deficiências e pela minha falta de tino sociopatológico (Thank you, Lord!). O ambiente é tóxico.
 
Dito isto, proponho, então, uma questão de natureza aritmética das mais simples, prosaica e nada artística:  quantos artistas brasileiros e vacas sagradas da cultura brasileira (música, artes dramáticas, cinema) têm uma carreira internacional? Quantos gozam lá fora do prestígio e da intocabilidade crítica de que gozam (ops!) aqui? Resposta: nenhum. Zero, zero, zero. Por quê? Também é fácil responder. Porque lá fora não é essa terra de compadres que é a cultura nacional, com trocas de rapapés e tapinhas mútuos nas costas. Essa gente não sobreviveria em uma cultura competitiva, em que o mérito e a qualificação fossem atributos indispensáveis. As atrizes famosas daqui seriam eternas garçonetes lá. Nenhum artista do Olimpo artístico brasileiro, a Globo, conseguiu se instalar de fato na selva mortalmente perigosa que é Hollywood: The Industry. Todos que tentam, quebram a cara. Não me venham dizer que Rodrigo Santoro é um ator hollywoodiano de prestígio. Não é. Sua situação, longe de espetacular, é o máximo que os atores e atrizes conseguem imaginar de sucesso internacional, o que só mostra o horizonte da mediocridade nacional. A Globo é o limite dessa gente. Por quê? Porque são muito ruins. Só servem para fazer telenovelas, que é um lixo. É o que servem, conscientes da má qualidade do produto, para o povo, que os sustenta com sua audiência, e ao qual devotam o mais supremo desprezo (retrógrados, religiosos fanáticos etc)

Eu conheci atores e atrizes que não se envergonhavam de dizer que não viam o trabalho que haviam feito quando este era exibido na televisão. Não viam as novelas que faziam, nem para ver o resultado. A ambição do artista brasileiro não é fazer arte e sim ser famoso e fazer parte de uma turma, da panela do Projac. Uma amiga atriz me contou, que ao fazer um seriado televisivo global, começou a ser tratada por outros atores/atrizes globais, que desconhecia totalmente, como uma antiga amiga. Ela se sentiu mal, achou asquerosamente falso. Não sei como anda agora. Vai ver que se acostumou. Essa panela é nefasta, para eles mesmos e para o país. Todo mundo finge, principalmente eles próprios, que não se trata de um bando de medíocres. E são, todos. As exceções confirmariam a regra, se existissem. Não existem.

A vaca sagrada do teatro brasileiro, Fernanda Montenegro, Dona Arlete, quando indicada para a categoria de melhor atriz, por sua atuação em Central do Brasil (Hollywood, cínico, se dá ao luxo de fazer essas concessões paternalistas aos países do terceiro mundo, que logo se abraça à glória efêmera, como se não odiasse até ontem mesmo o imperialismo americano, salivante de raiva e impotência), pois então, dona Arlete protagonizou um clássico da vergonha alheia ao se lançar à aventura de falar em inglês em uma entrevista no então mais famoso talkshow da TV americana, capitaneado por David Letterman (modelo de Jô Soares). A coisa foi de um constrangimento atroz: “The rivers and mountains are on the table”. A torcida alienista nacional urrou quando ela conseguiu dizer: “I’m the old girl from Ipanema!”. Vejam só, que linha shakespeariana. A muié não fala lé-com-cré em inglês. Parecia uma débil mental (que ela obviamente não é).

Mas a chuva ufanista nacional inundou qualquer possibilidade de visão da realidade do que tinha de fato acontecido: foi constrangedor. Esta é a verdade: os atores e atrizes nacionais são constrangedores. Cadê os grandes papéis da Dona Arlete no cinema internacional, depois de ter ficado sob os holofotes dos abutres midiáticos mundiais, pelos 15 minutos de fama de praxe concedidos aos melhores artistas de todos os tempos de países do terceiro mundo? Não adianta procurar. Zero. Nada.

Quando fazem sucesso, como o Wagner Moura, começam a se achar demiurgos iluminados e pessoas esclarecidas do bem, e só constrangem ainda mais pela burrice decorrente do estado de torpor mental ideológico (o cara ultrapassa todos os limites da estultice com aquela pose de sabichão imbecil). Nisso, convenhamos, não ficam atrás de Matt Damon, Di Caprio, Meryl Streep e outras sumidades do pensamento humano ocidental.  A classe artística brasileira é uma das certezas nacionais. É garantido: sempre erram o alvo na mosca. (Gracias a Millôr, pela boutade, este sim um artista universal que só não foi mundialmente reconhecido porque escreve em uma linguagem quase secreta chamada português).

Beto Moraes, 57, é roteirista e tradutor.

domingo, 5 de novembro de 2017

Centro do Rio é marcado por rotina onde desordem dita as regras



Às 7h13m, camelôs irregulares tomam a calçada junto ao portão 1 da Central do Brasil: eles contam que têm de pagar R$ 20 por dia para não serem importunados. Local fica próximo a uma Unidade de Ordem Pública da prefeitura 

Às 7h13m, camelôs irregulares tomam a calçada junto ao portão 1 da Central do Brasil: eles contam que têm de pagar R$ 20 por dia para não serem importunados. Local fica próximo a uma Unidade de Ordem Pública da prefeitura - Márcia Foletto / Agência O Globo


O sol ainda não raiou, mas o início de um novo dia frenético é anunciado por um barulho que ecoa por toda a gare da Central do Brasil. Fechaduras são destrancadas e grades começam a deslizar às 4h30m, quando funcionários abrem os acessos à estação. Em seguida, ambulantes correm para o portão 1, que fica em frente ao Terminal Rodoviário Procópio Ferreira, e se posicionam estrategicamente para abordar os primeiros passageiros que desembarcarão dos trens ainda de madrugada. Por volta das 7h, mais de cem já ocupam as calçadas do entorno. Apesar disso, nenhum guarda municipal é visto, mesmo funcionando uma Unidade de Ordem Pública (UOP) ali. 

O trânsito lento da Avenida Presidente Vargas e o vaivém de pivetes no asfalto, procurando oportunidades em meio a veículos com janelas abertas, compõem o cenário naquele trecho do Centro.  De segunda a sexta-feira, a doméstica Rita de Cássia Oliveira, de 60 anos, chega religiosamente às 7h na Central. Numa rotina que já dura duas décadas, são três horas de viagem, dois trens e um metrô lotado no caminho entre Duque de Caxias e Ipanema. Do lado de fora da estação ferroviária, uma pausa obrigatória para um cigarro.
Tenho que dar um tempo antes de entrar no metrô. É guerra. Os vagões passam tão apinhados de gente que raramente consigo achar um pedaço de barra de ferro para colocar a mão. Os passageiros se seguram uns nos outros — diz Rita de Cássia.

Do lado de fora da gare, camelôs irregulares contam que o “pedágio” para não serem importunados é pago duas vezes por dia.  — Um homem passa por volta das 6h para recolher R$ 10 de cada um. À tarde vem outro, que cobra mais R$ 10 — explica um deles.
Entre os licenciados, como Joana Brito, que vende roupas, o descontentamento é grande.
— Pago licença à prefeitura e gasto R$ 500 por semana para guardarem meus produtos. Os clientes sumiram por causa da crise, e, para piorar, tenho a concorrência desleal — reclama Joana.

Na Rua Senador Pompeu, nos arredores da Central, o vaivém e a algazarra também começam cedo. Às 6h, as lojas que vendem produtos por atacado para ambulantes e bares abrem as portas. Duas horas depois, o lugar está lotado de Kombis, caminhões e mototáxis, estacionados sem cerimônia em vagas do Rio Rotativo. Talões do sistema? Não se vê. O que há em profusão é lixo nas calçadas com piso arrebentado.


No Largo de São Francisco, moradores de rua que montam acampamento junto ao gradil do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ — tombado pelo Iphan e pelo Inepac — ainda dormem. Às 9h, apenas Thiago Gomes, de 27 anos, está de pé. Criticando o grupo, que diz ser agressivo, ele passou as últimas três semanas no local. Deita-se sobre jornais e papelões desde que chegou de São Francisco de Pádua, cidade do Norte Fluminense, onde deixou a mulher e os três filhos. — Vim procurar emprego. Não consegui nada e roubaram minhas coisas — lamenta Thiago.

Ainda pela manhã, dezenas de mochilas e caixas enfileiradas chamam a atenção de quem cruza a praça dos Arcos da Lapa, fotografados pelos primeiros turistas do dia. São pertences de gente que passou a noite no único hotel da prefeitura em funcionamento na região. O estabelecimento tem 55 vagas rotativas para homens. A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do município diz que um outro, com capacidade para 200 hóspedes, será inaugurado na Central. — A gente passa a noite, acorda, toma café e sai. Para voltar, colocamos nossas coisas na calçada, para marcar lugar na fila. É o jeito. Se não tiver vaga, o pessoal da prefeitura oferece um abrigo na Ilha — conta Jorge Marinho de Lima, um operador de elevadores de carga que está há dois anos procurando trabalho.

O dia segue, e a região de quase seis quilômetros quadrados em que grandes arranha-céus comerciais convivem com prédios históricos começa a encher de gente. O Centro recebe 525 mil empregados formais, de acordo com o Instituto Pereira Passos. A Secretaria municipal de Fazenda calcula que eles percorrem calçadas onde trabalham 850 ambulantes legalizados. Os irregulares, ninguém sabe ao certo quantos são.

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segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Força auxiliar

O combate a esses pequenos (mas não menos assustadores e perigosos) crimes tem no Rio uma base sobre a qual prefeitura e PM podem trabalhar coordenadamente

Entre as capitais, o Rio é a cidade que, proporcionalmente à população, tem o maior déficit de policiamento ostensivo.

Boa parte desse tíbio desvelo com um dos princípios-chave para a segurança da população deve-se a fatores objetivos. Em especial, o excesso de demandas no combate ao banditismo que sobrecarrega os efetivos da Polícia Militar em todo o estado, na prática subtraindo da corporação uma fatia importante de suas funções legalmente definidas — o patrulhamento de áreas públicas, inegável fator dissuasório em ações contra o crime.

Ao mesmo tempo, o município dispõe de um corpo de segurança pública limitado, por lei, a ações de postura e controle de tráfego (em geral, aplicação de multas). Trata-se da Guarda Municipal, com um contingente não raro inoperante devido a essas restrições funcionais. Elas acabam por tolher um potencial de serviços mais efetivos que poderiam ser prestados, no campo da segurança, ao carioca e ao grande número de turistas que chegam à cidade.

É uma equação ideal para a implementação do projeto anunciado pelo prefeito Marcelo Crivella, pelo qual a Guarda Municipal teria suas funções estendidas para ações em estreita coordenação com a Polícia Militar, e submetido o contingente municipal a balizamentos legais — no âmbito do combate a crimes de menor gravidade. Ocorrências de rua (furtos de celulares, roubo de bicicletas e assaltos de transeuntes, por exemplo) inflam os indicadores de violência, ampliando a sensação de insegurança da população carioca e visitantes. São, em geral, atos criminosos de oportunidade, cujo combate começa pela inibição ao bandido, papel cumprido pela presença ostensiva de agentes da ordem pública.

O combate a esses pequenos (mas não menos assustadores e perigosos) crimes tem no Rio uma base sobre a qual prefeitura e PM podem trabalhar coordenadamente. Segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP), órgão ligado à Secretaria de Segurança fluminense, a maioria desse tipo de ação ocorre em áreas bem delimitadas da cidade. De acordo com levantamento do organismo, 60% dos ataques a transeuntes acontecem em zonas de grande concentração da pessoas, bem conhecidas como a Central do Brasil, o terminal de Madureira e Copacabana.

Também são muito visados pontos de atração turística. Ou seja, regiões onde, de antemão, já se podem implantar cinturões especiais de segurança, com a Guarda cobrindo eventuais ausências da PM, mas a ela recorrendo para as devidas ações finais próprias da atividade policial.  A Guarda não substituiria a PM, até porque seus agentes não têm a formação apropriada para tal. Mas, como força ostensiva inibidora, e em ações de menor risco (inclusive com o emprego de armas não letais, uma providência a depender de formalidades legais), o corpo municipal terá um papel importante como força auxiliar numa política que aumente a sensação de segurança. Um modelo que não colide com competências legais e com o qual o Rio poderá avançar no combate à criminalidade.


Fonte: Editorial - O Globo

 

domingo, 22 de março de 2015

A esquerda ocupou as duas mãos com o produto da roubalheira e deixou a bandeira cair nas mãos da direita

A direita na rua, por Elio Gaspari

Pode-se menosprezar as multidões, assim como se pode acreditar que as avenidas Atlântica e Nossa Senhora de Copacabana são transversais. Difícil, depois, será achar o rumo de casa.

Admita-se que as manifestações do dia 15 de março tiveram um conteúdo de direita, conservador, ou seja lá o que for. Vá lá. Disso resultam várias questões:

Se foi coisa da direita, ela foi para rua com um vigor que superou de longe as manifestações da esquerda. Na Avenida Paulista não havia nenhum imigrante africano carregando balão porque recebeu R$ 30. Pelo contrário, um curioso contou três manifestantes que foram para a rua em cadeiras de rodas. 

Se a bandeira da luta contra a corrupção foi para as mãos da direita, a esquerda deveria se perguntar por que e como deixou-a cair no ralo.  As multidões que foram para a rua na campanha das Diretas de 1984 não eram de esquerda. A direita que defendera a ditadura foi quem deixou a bandeira do voto cair no ralo.