Às 7h13m,
camelôs irregulares tomam a calçada junto ao portão 1 da Central do Brasil:
eles contam que têm de pagar R$ 20 por dia para não serem importunados. Local
fica próximo a uma Unidade de Ordem Pública da prefeitura
Às 7h13m, camelôs irregulares tomam a calçada junto ao portão 1 da
Central do Brasil: eles contam que têm de pagar R$ 20 por dia para não
serem importunados. Local fica próximo a uma Unidade de Ordem Pública da
prefeitura - Márcia Foletto / Agência O Globo
O sol
ainda não raiou, mas o início de um novo dia frenético é anunciado por um
barulho que ecoa por toda a gare da Central do Brasil. Fechaduras são
destrancadas e grades começam a deslizar às 4h30m, quando funcionários abrem os
acessos à estação. Em seguida, ambulantes correm para o portão 1, que
fica em frente ao Terminal Rodoviário Procópio Ferreira, e se posicionam
estrategicamente para abordar os primeiros passageiros que desembarcarão dos
trens ainda de madrugada. Por volta das 7h, mais de cem já ocupam as calçadas
do entorno. Apesar disso, nenhum guarda municipal é visto, mesmo funcionando
uma Unidade de Ordem Pública (UOP) ali.
O trânsito lento da Avenida
Presidente Vargas e o vaivém de pivetes no asfalto, procurando
oportunidades em meio a veículos com janelas abertas, compõem o cenário naquele
trecho do Centro. De
segunda a sexta-feira, a doméstica Rita de Cássia Oliveira, de 60 anos, chega
religiosamente às 7h na Central. Numa rotina que já dura duas décadas, são três
horas de viagem, dois trens e um metrô lotado no caminho entre Duque de Caxias
e Ipanema. Do lado de fora da estação ferroviária, uma pausa obrigatória para
um cigarro.
— Tenho
que dar um tempo antes de entrar no metrô. É guerra. Os vagões passam tão
apinhados de gente que raramente consigo achar um pedaço de barra de ferro para
colocar a mão. Os passageiros se seguram uns nos outros — diz Rita de Cássia.
Do lado
de fora da gare, camelôs irregulares contam que o “pedágio” para não serem
importunados é pago duas vezes por dia. — Um
homem passa por volta das 6h para recolher R$ 10 de cada um. À tarde vem outro,
que cobra mais R$ 10 — explica um deles.
Entre os
licenciados, como Joana Brito, que vende roupas, o descontentamento é grande.
— Pago
licença à prefeitura e gasto R$ 500 por semana para guardarem meus produtos. Os
clientes sumiram por causa da crise, e, para piorar, tenho a concorrência
desleal — reclama Joana.
Na Rua
Senador Pompeu, nos arredores da Central, o vaivém e a algazarra também começam
cedo. Às 6h, as lojas que vendem produtos por atacado para ambulantes e bares
abrem as portas. Duas horas depois, o lugar está lotado de Kombis, caminhões e
mototáxis, estacionados sem cerimônia em vagas do Rio Rotativo. Talões do
sistema? Não se vê. O que há em profusão é lixo nas calçadas com piso
arrebentado.
No Largo de São Francisco, moradores de rua que montam acampamento junto ao gradil do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ — tombado pelo Iphan e pelo Inepac — ainda dormem. Às 9h, apenas Thiago Gomes, de 27 anos, está de pé. Criticando o grupo, que diz ser agressivo, ele passou as últimas três semanas no local. Deita-se sobre jornais e papelões desde que chegou de São Francisco de Pádua, cidade do Norte Fluminense, onde deixou a mulher e os três filhos. — Vim procurar emprego. Não consegui nada e roubaram minhas coisas — lamenta Thiago.
Ainda pela manhã, dezenas de mochilas e caixas enfileiradas chamam a atenção de quem cruza a praça dos Arcos da Lapa, fotografados pelos primeiros turistas do dia. São pertences de gente que passou a noite no único hotel da prefeitura em funcionamento na região. O estabelecimento tem 55 vagas rotativas para homens. A Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos do município diz que um outro, com capacidade para 200 hóspedes, será inaugurado na Central. — A gente passa a noite, acorda, toma café e sai. Para voltar, colocamos nossas coisas na calçada, para marcar lugar na fila. É o jeito. Se não tiver vaga, o pessoal da prefeitura oferece um abrigo na Ilha — conta Jorge Marinho de Lima, um operador de elevadores de carga que está há dois anos procurando trabalho.
O dia segue, e a região de quase seis quilômetros quadrados em que grandes arranha-céus comerciais convivem com prédios históricos começa a encher de gente. O Centro recebe 525 mil empregados formais, de acordo com o Instituto Pereira Passos. A Secretaria municipal de Fazenda calcula que eles percorrem calçadas onde trabalham 850 ambulantes legalizados. Os irregulares, ninguém sabe ao certo quantos são.
Continuar lendo em O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário