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segunda-feira, 10 de fevereiro de 2020

Vocabulário da crise - Fernando Gabeira

10.02.2020 Em Blog
 
Ao chegar ao Rio, fui a um restaurante e na hora do café senti um gosto estranho. Era geosmina, palavra grega. Lembrei-me de que o arroz também já não era mais o mesmo. A geosmina não se limitava a transformar a água de banho. Agora seria um novo componente do próprio corpo. Andando pelas ruas de Ipanema, vejo que a chuva alagou as ruas; o esgoto, em alguns pontos, está de novo a céu aberto.

Ocorre-me uma outra palavra nova. Foi criada pelo escritor americano Glenn Albrecht: solastalgia. É uma combinação em inglês que une duas palavras, solace, consolo, com nostalgia do conforto, sentimento de desolação diante da perda de uma paisagem familiar por incêndio, inundação ou outro desastre. No caso do Rio, a corrupção endêmica.

No meio da semana, escrevi um artigo sobre coronavírus, afirmando que vivemos um novo tempo. Os negacionistas vão dizer sempre que nada mudou, houve pestes no passado, falta de água no Rio; o mundo para eles é apenas uma repetição mecânica. Refleti um pouco sobre o grande livro de Albert Camus, “A peste”. Ele volta à agenda de discussões porque é uma alegoria da ocupação nazista de Paris, uma referência à guerra. No livro, Camus, através de um personagem, afirma que o bacilo da peste nunca morre, ele adormece nas gavetas, nas nossas roupas, esperando o momento para ressurgir.

Quem se concentra apenas na interpretação política poderá entender que o bacilo do nazifascismo pode sempre despertar. Basta ver o discurso de Roberto Alvim ressuscitando as ideias de Goebbels.   entanto, há uma transformação que poderia também alcançar a releitura de “A peste”. De Camus para nossos dias, os perigos biológicos aumentaram muito. Bill Gates tem se dedicado a demonstrar que as pandemias podem matar muito mais que as guerras.  Quando me atenho a uma leitura biológica do texto de Camus, constato de fato que os bacilos a que se refere, de uma certa forma, nunca morrem. A febre amarela, por exemplo, deu as caras de novo no Brasil; da mesma forma, o sarampo. Estavam apenas adormecidos.
O texto de Camus é muito mais do que uma alegoria política ou mesmo uma reflexão sobre riscos biológicos. Ele trata de relações humanas nessas crises que nos levam ao limite.

Certamente, numa Wuhan semideserta muitos dramas e conflitos éticos estão em curso. Aqui mesmo no Rio, a leitura mais produtiva da crise da água não passa pela geosmina nem pelos milhões de litros de esgoto que chegam às estações do Guandu.
Como em “A peste” de Camus, os primeiros sinais aparecem com os ratos mortos. No Rio, foram os indícios de corrupção e incompetência que surgiram lá atrás, pouco notados antes do fim do governo Cabral. No caso da água, chegamos a uma situação difícil de superar. Não somente os milhões de litros de esgoto, mas as estações de tratamento paralisadas na Baixada Fluminense, tudo isso demanda recursos.

Há uma longa discussão sobre privatizar ou não. Defensores da presença do estado argumentam que a Cedae dá lucros. Mas lucros para nós talvez não sejam a questão essencial.  O problema central é a eficácia; há cidades que privatizaram o serviço e se deram bem. Outras se dão bem com o modelo estatal. Os ratos começam a aparecer mortos quando questões que demandam competência e seriedade são entregues ao apetite político partidário.  Essa é a historia antiga que precisa ser mudada. Resolvê-la pela privatização ou pela seriedade administrativa é uma tarefa que deveria apaixonar os dois lados da discussão. No entanto, as saídas demandam muito dinheiro, parte dele consumido nas farras de Cabral, nas fortunas enviadas para o exterior, nas migalhas distribuídas entre os cúmplices.

Bacilos, micróbios, vírus e bactérias — tudo isso assombra num mundo moderno e interligado. Mas é no personagem de um bispo que se fecha com provisões para enfrentar a crise e abandona seu povo que Camus mostra a importância da miséria humana nas tragédias coletivas.  Ele escreveu no Pós-Guerra. De lá para cá, cresceram os perigos biológicos, e nada indica que a humanidade tenha ampliado seu impulso solidário.
A geosmina e a solastalgia são a herança dos sobreviventes.


Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista

 
Artigo publicado no jornal O Globo em 10/02/2020

segunda-feira, 20 de janeiro de 2020

As dores do Rio - Fernando Gabeira

Em Blog
 
Quase não paro no Rio. É o tempo de matar saudade da família, refazer as malas, obter da emissora o sinal verde para um novo projeto e cair na estrada.
Isso aumenta minha preocupação com a cidade. No fim de semana, assisti ao filme “Coringa”. Parecia ter chegado a Gotham City. O filme começa com a notícia da greve dos lixeiros, a sujeira se acumulando e Gotham sendo tomada por uma grande quantidade de ratos.  No Rio, a notícia era o medo com a contaminação da água, as autoridades pedindo desculpas, especialistas dizendo que não há previsão de normalidade e a água mineral sumindo do mercado.  Em Gotham City, a polícia baixava o pau na multidão fantasiada de palhaço que se indignou com as autoridades e protestava contra os ricos. No Rio, cassetetes, gás lacrimogênio contra uma multidão fantasiada que, ao que parece, queria apenas extravasar sua alegria.

Não é a primeira vez que o Rio se parece com as metrópoles distópicas do cinema. Tive sensação semelhante ao ver “Blade Runner”, que era uma investigação sobre o futuro.  A diferença é que no filme sobre cidades do futuro, a natureza já não tem nenhum papel. Gotham City trata do lixo produzido pelo consumo, as luzes são artificiais, assim como os reflexos que pontuam a narração dramática.  É impossível dissociar a natureza do Rio, mesmo na sua decadência. Talvez seja por isso que, no meio da década de 50 do século passado, Rubem Braga escreveu sua célebre crônica “Ai de ti, Copacabana”.
Nela, muito antes de se falar da elevação do nível dos oceanos, Copacabana é tomada pelo mar. Robalos e garoupas sobem nos elevadores, siris comem cabeças de homens no prato, peixes escuros nadam na maré fétida.

Naquele texto memorável, Copacabana era punida pelos seus pecados. Hoje, os pecados talvez tenham se transformado. Os rapazes maliciosos do passado andavam de lambreta, hoje um veículo de avôs e tios mais velhos. As moças passavam óleo no corpo, hoje Deus sabe o que tragam os corpos juvenis. A distopia do saudoso Rubem Braga, no entanto, não está tão distante da realidade. O aquecimento global eleva o nível dos mares, dizem os cientistas, diante do ceticismo de alguns. E os pecados estão sob controle do novo prefeito, que é um pastor evangélico.  A cidade se decompõe sob orientação divina. Muitos se salvarão após a morte, uma tendência do Rio que se estendeu ao Brasil com a eleição de um presidente terrivelmente evangélico. [essa cultura hoje difundida - alguns a difundem com classe, outros produzindo espetáculos repugnantes - precisa ser substituída por algo mais antigo.
Uma cultura em que havia valores, uma cultura em que a instituição FAMÍLIA era respeitada, DEUS não era ofendido por "artistas" em fim de carreira em espetáculos culturais boçais -tanto no que é apresentado quanto pela performance dos aztistas'.
Até o humor era feito com competência e não com pornografia - precisamos de uma adequação da modernidade cultural fodida de hoje a uma CULTURA um pouco 'antiquada' mas que honra e dignifica o nome.]

É nosso o reino dos céus, mas aqui embaixo as grandes distopias terão de ser pensadas com as forças naturais, a elevação dos mares, os incêndios nas florestas, os rios envenenados pelas barragens de minério, as pessoas fazendo a guerra pela água que restou. A luz artificial de Gotham City oferece grandes recursos para narrar o drama da decadência. No Rio, será preciso pesquisar muito a luz natural para encontrar o tom exato e descrever o apocalipse.  Não é como alguns filmes de época que tratam da decadência com elegância. Será preciso seguir a trilha do velho Braga: peixes, pássaros, árvores e flores boiando na desordem geral.

Claro que esses filmes não descrevem o fim de tudo. Apenas alertam para ele, estimulam as pessoas a evitar, ou no mínimo retardar, o processo de dissolução.
Metrópole cultural, o Rio não é apenas natureza. Existem nele forças que podem erguê-lo de novo. Que me desculpem os moralistas de ontem e de hoje, mas não foram os pecados que levaram o Rio à beira do colapso. Foram escolhas econômicas e políticas. A cidade prosperou como um oásis liberal para os de dentro ou fora do país. O óleo na pele das meninas da praia serve apenas para acentuar o bronzeado. O óleo embaixo da terra ou no fundo mar pode nos viciar e inibir alternativas estratégicas.

Quando chove em Ipanema, atualmente, as ruas ficam tomadas por esgoto e lixo. Não creio que seja um castigo divino porque homens ou mulheres andam de mãos dadas na Farme de Amoedo. O grande pecado abaixo do Equador é a incompetência. Às vezes, dá vontade de rir como o Coringa ou chorar como uma criança diante da própria fragilidade. Mas isso tudo é cinema. Na vida real, temos saídas.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista 


Artigo publicado no jornal O Globo em 20/01/2020


segunda-feira, 20 de novembro de 2017

Errando o alvo na mosca!

No início dos anos 1990, minha irmã, então roteirista da Fundação Roberto Marinho, me convidou para ser seu assistente na lida sub-literária de escrever roteiros de teleducação e empresariais. Iniciou-se assim minha carreira na seara das letras plebeias, que durou mais de 20 anos. Graças a minha irmã, entrei na panela, e segui adiante por conta própria: conheci muita gente do meio artístico, ‘bacanas’ aos montes,  e até mesmo tentei praticar a tal da ‘arte’. Cheguei a criar e escrever um seriado juvenil para a TV Cultura (Galera) e participei da roteirização de um longa de pegada popular (O Menino da Porteira), que foi visto nos cinemas por mais de um milhão de pessoas (Lei Rouanet, eu confesso, também pequei). O fracasso, no entanto, nunca me subiu à cabeça e minha carreira não foi adiante pelas minhas próprias deficiências e pela minha falta de tino sociopatológico (Thank you, Lord!). O ambiente é tóxico.
 
Dito isto, proponho, então, uma questão de natureza aritmética das mais simples, prosaica e nada artística:  quantos artistas brasileiros e vacas sagradas da cultura brasileira (música, artes dramáticas, cinema) têm uma carreira internacional? Quantos gozam lá fora do prestígio e da intocabilidade crítica de que gozam (ops!) aqui? Resposta: nenhum. Zero, zero, zero. Por quê? Também é fácil responder. Porque lá fora não é essa terra de compadres que é a cultura nacional, com trocas de rapapés e tapinhas mútuos nas costas. Essa gente não sobreviveria em uma cultura competitiva, em que o mérito e a qualificação fossem atributos indispensáveis. As atrizes famosas daqui seriam eternas garçonetes lá. Nenhum artista do Olimpo artístico brasileiro, a Globo, conseguiu se instalar de fato na selva mortalmente perigosa que é Hollywood: The Industry. Todos que tentam, quebram a cara. Não me venham dizer que Rodrigo Santoro é um ator hollywoodiano de prestígio. Não é. Sua situação, longe de espetacular, é o máximo que os atores e atrizes conseguem imaginar de sucesso internacional, o que só mostra o horizonte da mediocridade nacional. A Globo é o limite dessa gente. Por quê? Porque são muito ruins. Só servem para fazer telenovelas, que é um lixo. É o que servem, conscientes da má qualidade do produto, para o povo, que os sustenta com sua audiência, e ao qual devotam o mais supremo desprezo (retrógrados, religiosos fanáticos etc)

Eu conheci atores e atrizes que não se envergonhavam de dizer que não viam o trabalho que haviam feito quando este era exibido na televisão. Não viam as novelas que faziam, nem para ver o resultado. A ambição do artista brasileiro não é fazer arte e sim ser famoso e fazer parte de uma turma, da panela do Projac. Uma amiga atriz me contou, que ao fazer um seriado televisivo global, começou a ser tratada por outros atores/atrizes globais, que desconhecia totalmente, como uma antiga amiga. Ela se sentiu mal, achou asquerosamente falso. Não sei como anda agora. Vai ver que se acostumou. Essa panela é nefasta, para eles mesmos e para o país. Todo mundo finge, principalmente eles próprios, que não se trata de um bando de medíocres. E são, todos. As exceções confirmariam a regra, se existissem. Não existem.

A vaca sagrada do teatro brasileiro, Fernanda Montenegro, Dona Arlete, quando indicada para a categoria de melhor atriz, por sua atuação em Central do Brasil (Hollywood, cínico, se dá ao luxo de fazer essas concessões paternalistas aos países do terceiro mundo, que logo se abraça à glória efêmera, como se não odiasse até ontem mesmo o imperialismo americano, salivante de raiva e impotência), pois então, dona Arlete protagonizou um clássico da vergonha alheia ao se lançar à aventura de falar em inglês em uma entrevista no então mais famoso talkshow da TV americana, capitaneado por David Letterman (modelo de Jô Soares). A coisa foi de um constrangimento atroz: “The rivers and mountains are on the table”. A torcida alienista nacional urrou quando ela conseguiu dizer: “I’m the old girl from Ipanema!”. Vejam só, que linha shakespeariana. A muié não fala lé-com-cré em inglês. Parecia uma débil mental (que ela obviamente não é).

Mas a chuva ufanista nacional inundou qualquer possibilidade de visão da realidade do que tinha de fato acontecido: foi constrangedor. Esta é a verdade: os atores e atrizes nacionais são constrangedores. Cadê os grandes papéis da Dona Arlete no cinema internacional, depois de ter ficado sob os holofotes dos abutres midiáticos mundiais, pelos 15 minutos de fama de praxe concedidos aos melhores artistas de todos os tempos de países do terceiro mundo? Não adianta procurar. Zero. Nada.

Quando fazem sucesso, como o Wagner Moura, começam a se achar demiurgos iluminados e pessoas esclarecidas do bem, e só constrangem ainda mais pela burrice decorrente do estado de torpor mental ideológico (o cara ultrapassa todos os limites da estultice com aquela pose de sabichão imbecil). Nisso, convenhamos, não ficam atrás de Matt Damon, Di Caprio, Meryl Streep e outras sumidades do pensamento humano ocidental.  A classe artística brasileira é uma das certezas nacionais. É garantido: sempre erram o alvo na mosca. (Gracias a Millôr, pela boutade, este sim um artista universal que só não foi mundialmente reconhecido porque escreve em uma linguagem quase secreta chamada português).

Beto Moraes, 57, é roteirista e tradutor.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Ai de ti, Ipanema!

O tiroteio entre bandidos e policiais apresentou uma intensidade e um barulho como nunca se vira e ouvira antes

Por muito menos, o incomparável Rubem Braga escreveu sua antológica crônica “Ai de ti, Copacabana”, uma imprecação poeticamente apocalíptica contra os vícios e excessos pecaminosos da Princesa do Mar: “estás perdida e cega no meio de tuas iniquidades e de tua malícia. Grandes são os teus edifícios de cimento, e eles se postam diante do mar qual alta muralha desafiando o mar; mas eles se abaterão” (...). “Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade não haverá terreno algum”. 

No início dos anos 60, quando foi escrita a crônica, a especulação imobiliária avançava sobre o então mais valorizado bairro do Rio, onde se concentravam também a boêmia e o prazer, que sugeriam ao cronista uma metáfora hiperbólica de Sodoma e Gomorra. Era um presságio, não uma antevisão, mas que mesmo assim adquiriu atualidade num só dia, anteontem, quando Ipanema expôs duas faces de sua tragédia urbana. 

Como resultado de uma incursão jornalística pelo bairro, Maurício Ferro documentou com números e depoimentos o que moradores como eu já vinham observando: além dos numerosos apartamentos ostentando um “vendo” ou “alugo”, cerca de cem lojas tinham fechado as portas, anunciando que a crise econômica chegara ao comércio mais sofisticado da cidade. O repórter registrou o desalento de comerciantes que tiveram de entregar seus pontos e o lamento dos fregueses que perderam a padaria da esquina, a churrascaria onde a família almoçava aos domingos ou o botequim onde tomavam o seu chope. 

O pior viria a seguir, quando o clima de guerra voltou a atormentar os habitantes do Pavão-Pavãozinho, do Cantagalo e do asfalto. Só que agora o tiroteio entre bandidos e policiais apresentou uma intensidade e um barulho como nunca se vira e ouvira antes. Um idoso que mora perto do morro desde a década de 60 anunciou que a paz trazida pelas UPPs chegara ao fim. “Agora, elas não adiantam mais. O inferno voltou”. As fotos do jornal de ontem revelavam cenas inéditas, como a de um corpo se despencando pela encosta de pedra e as de pessoas do alto de um prédio jogando pedras na PM — um edifício, vejam a ironia, do “Complexo Rubem Braga”, em homenagem a quem viveu ali.

O velho Braga terminava sua bela crônica agourento: “Canta a tua última canção, Copacabana!”. O que era licença poética na época dele, de Millôr, Tom e Vinicius, é hoje triste realismo. Ainda dava para fazer humor, poesia e canções, mas agora piorou, inclusive de cronista. 

Apesar de tudo, Ipanema ainda vale a pena, se tiver paz e progresso.

Fonte: O Globo - Zuenir Ventura,  jornalista

sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Quando o barato sai caro



Não consigo entender como um cara tão inteligente [?] colocou em risco sua reputação e sua carreira por tão pouco, talvez por arrogância e soberba, ou malandragem barata
Além de oito anos de salários de presidente e despesas zero, Lula ganhou R$ 27 milhões fazendo palestras no exterior, tudo com nota fiscal, declarado à Receita Federal e com impostos pagos. Teria todo o direito de comprar o tríplex ou o sítio que quisesse, sem dar satisfações a ninguém.

Ainda que as palestras não fossem compradas por interessados internacionais, mas pagas por empresas brasileiras que queriam fazer bons negócios e resolver problemas complicados com governos locais, seria, digamos, apenas lobby. Mas isto ainda está sob investigação e, até prova em contrário, os milhões de Lula são tão limpos como os de Bill Clinton.

Com uns sete ou oito milhõezinhos, ele poderia comprar uma boa cobertura, não um muquifo na cafona Guarujá, mas em Ipanema, e um belo sítio em Campos do Jordão. Sobrariam-lhe uns 20 milhões, e ele não teria que enfrentar o calvário imobiliário que o humilha publicamente, desmoraliza sua liderança e ridiculariza o seu maior patrimônio: a “alma viva mais honesta do país”.

Mas, sabe-se lá por que, já que burro não é, Lula preferiu fazer tudo escondido, para se aproveitar de vantagens oferecidas por “amigos” e empresários com interesses no governo, enrolar-se numa mentira atrás da outra, tudo para não gastar uma pequena parte do seu patrimônio. Seus 20 milhões, se investidos por Henrique Meirelles (por Mantega ou Dilma jamais!), lhe renderiam uns R$ 250 mil por mês, além de suas gordas aposentadorias e bolsa-ditadura, sem contar com futuras palestras, que, agora, ninguém quer, nem  de graça. Poderia viver como a mais luxuosa e odiosa elite brasileira. Ou como um craque de futebol.  Claro, viver de renda no luxo ia pegar meio mal para a militância do PT, mas logo tudo seria visto como o heroico triunfo de um torneiro mecânico sobre a burguesia.

Não consigo entender como um cara tão inteligente colocou em risco sua reputação e sua carreira por tão pouco, talvez por arrogância e soberba, ou malandragem barata, em jogadas ilegais e perigosas, ou tudo isso para não gastar o que — diante de seu patrimônio pessoal seria coisa de pobre. Um barato que está lhe custando caríssimo.

Por: Nelson Motta,  jornalista


sábado, 26 de setembro de 2015

A guerra da praia, nada mais que a justa reação da população à ineficiência da polícia - que aliás não é a culpada, já que teve as mãos atadas por uma defensora pública


A guerra da praia


Como o problema não é de ninguém, surgiram lutadores dispostos a “quebrar os marginais” 

Há furtos, roubos e assaltos em todas as grandes cidades do mundo. Mas só no Rio de Janeiro existe o arrastão de praia. Só na Cidade Maravilhosa um carioca, brasileiro ou estrangeiro é assaltado por uma turba violenta naquele momento em que se bronzeia na areia, brinca de baldinho com o filho, toma água de coco com amigos ou passeia no calçadão, extasiado com a vista do mar e das montanhas. [destaque-se que só no Rio de Janeiro, existe uma defensoria pública que em vez de defender o público, a população, fica preocupada em tolher a polícia, impedindo que essa exerça ações preventivas que inibiriam os arrastões.
Os marginais são autorizados pela Justiça a circular livremente - ainda que muitas vezes forcem a entrada nos coletivos que os traz para as praias.
Em outros países, a simples invasão do transporte público já seria motivo para serem impedidos de seguir viagem e até mesmo detidos.]

Nos metrôs de Paris, Londres e Barcelona, alto-falantes alertam para os pick-pockets nos trens e plataformas. São adolescentes, exímios ladrões de celulares e carteiras. Você só percebe o roubo tempos depois. Perdeu, otário. Você é turista e isso está escrito em sua testa. Os bandos de ladrões costumam ser de imigrantes, ou filhos e netos de imigrantes. Muitos árabes, negros ou mestiços. Têm benefícios do Estado social. Mas são pobres. Moram na periferia.

Quais as maiores diferenças? Na Europa, a maioria age com discrição e sem armas. No Rio, é o inverso: agem com ostentação e com canivetes, paus, pedras, porretes, armas de fogo. Uma turista inglesa, vítima dos arrastões no Rio 40 graus, disse aos prantos: “É o fim das minhas férias. Tinha fotos, filmes. Todas as nossas memórias foram roubadas. Eles bateram no meu irmão. Foi horrível. Nunca mais quero voltar”. Darling, meu celular com fotos e filmes já foi roubado em Londres. E continuo voltando. Mas eu compreendo você.

Porque o problema, no Rio, é a violência e a dimensão. Bateram no irmão da turista na frente dela. Aí é duro. É duro ver ao vivo, na praia, hordas de assaltantes, a maioria menores, perseguindo e espancando vítimas, como urubus atacando carniça, às gargalhadas, sem repressão. Você está desarmado duplamente, praticamente nu, de sunga ou biquíni, o espírito leve. Curte o lazer mais sagrado do Rio. E, de repente, é atacado. Protege os filhos com os braços. Não pode gritar ou reagir porque se arrisca a perder a vida.

A gurizada chega à praia tocando o terror, na linha de ônibus 474, apelidada de quatro-sete-crack. Não paga a passagem, pula a catraca, assalta pedestres nos pontos, constrange as moças, rouba de passageiros pobres como eles, fuma, vandaliza, debocha, grita, toca funk com apologia às drogas. Enfim. Eles zoam. Sem medo de nada. Estão protegidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e por juízes que impedem revistas policiais em ônibus ou detenção de suspeitos fora de flagrante.

O Rio é talvez a cidade brasileira que mais mistura pobres e ricos, negros e brancos, geograficamente. É uma cidade em que a cultura negra é historicamente valorizada. Tinha tudo para não ser tão dividida, se o poder público cumprisse seu papel. O fracasso retumbante e histórico de governadores e prefeitos em relação à urbanização das favelas e à educação dos carentes contribui para o ódio social que hoje toma as ruas.

O prefeito Eduardo Paes diz que o problema é policial e não social: “Não pode chamar jovem que sobe em teto de ônibus de vulnerável. É delinquente”. O secretário de Segurança José Mariano Beltrame diz que o problema é social e jurídico e não policial. Os juízes dizem que o problema não é deles, porque só se pode deter alguém em flagrante. Como o problema não é de ninguém, surgiram os justiceiros, lutadores dispostos aquebrar os marginais”.

As redes sociais destilaram todo tipo de preconceito. Racista e social. Preconceito contra negros. Contra brancos. Contra favelados. E contra moradores de Copacabana e Ipanema. Quem rouba iPhone não passa de um injustiçado? Quem tem iPhone é “playboy” e merece ser roubado?

O bancário Jerônimo Oliveira veio de Rio das Ostras para visitar a família no Rio. Foi cercado, agredido e roubado no calçadão. “Senti puxarem meu cordão. Virei para trás e fui derrubado. Eram mais de dez em cima de mim, me batendo e enfiando as mãos nos meus bolsos.” É esse o principal espaço democrático do Rio?

Para evitar uma “tragédia maior” ou um “linchamento”, Beltrame anunciou que praia agora será tratada como “grande evento” na Segurança. Homens dos Batalhões de Choque circularão na orla em trajes de praia. Assistentes sociais acompanharão policiais nas revistas a ônibus. A PM montará duas grandes tendas nas areias e torres de observação. Terá apoio de comandos móveis, quadriciclos, câmeras em helicópteros.

Para repelir os justiceiros, um coletivo convocou um “farofaço” na Praia de Ipanema. Em vez de paus, pedras e facas, todos devem levar “frango, farofa, refrigerante, douradores de pelo corporal, isopores, piscina pro pagodão no fim da tarde, e um radinho pro pancadão!!!”. A propaganda diz: “O bagulho é curtir uma praia bolada em um domingão”. [sugestão aos justiceiros: invadam e coloquem areia no farofaço.]
Não sei qual é seu bagulho, mas desejo feliz domingão a todos.

Fonte: Ruth de Aquino - Revista Época

 

 

sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O janeiro negro do Planalto



Se alguém planejasse, não armaria tantas trapalhadas para que tantas coisas dessem errado em tão pouco tempo
A eleição do deputado Eduardo Cunha para a presidência da Câmara foi apenas um detalhe na trajetória de um governo que parece ter feito uma opção preferencial pela trapalhada. Vale a pena atrasar o relógio.

A doutora Dilma ainda estava de férias e, em seu nome, saiu do Planalto a bala perdida que acertou a testa do ministro do Planejamento, Nelson Barbosa. Levou-o a um recuo público desnecessário, apenas humilhante, por causa de um comentário genérico sobre o salário-mínimo. Pouco depois, veio outra bala perdida, desta vez na direção do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, por ter dito que os critérios do seguro-desemprego estavam ultrapassados, coisa já anunciada pelo seu antecessor. Isso num governo que pretende carregar a bandeira de uma “pátria educadora", e cortou verbas do Ministério da Educação. Deu-se um apagão no sistema elétrico e o ministro de Minas e Energia prontamente informou que foi um acidente. A área técnica do governo desmentiu-o no ato.

Nenhuma dessas coisas precisava ter acontecido. Pátria educadora" é conversa fiada. O Planalto não precisa atirar nos seus próprios ministros. O doutor das Minas e Energia não precisava dizer o que disse. Finalmente, se Eduardo Cunha tinha uma “ascendência irreversível" na Casa, a doutora deveria ter percebido que iria para frigideira com o petista Arlindo Chinaglia. 

Quem seria preferível para presidir a Casa: um petista, ou qualquer um? Conseguiu-se o milagre de dar conteúdo oposicionista ao doutor Cunha. Se a desarticulação política do Planalto e do PT tornavam a derrota inevitável, o ronco de poder emitido pelo comissariado nas últimas semanas foi apenas uma opção preferencial pela trapalhada. Um miado de leão, rugido de gato.

Essas foram iniciativas equivalentes à do sujeito que resolve atravessar a rua para escorregar na casca de banana da outra calçada. Verdadeira mágica, porque do outro lado da rua havia só a banana de Cunha. Na calçada em que anda o Planalto há cachos. O ano de 2014 fechou com o maior déficit das últimas décadas, desmentindo 12 meses de sucessivas lorotas. A Petrobras teve seu crédito rebaixado e suas ações valem menos que dois cocos em Ipanema. Isso e mais a certeza de que a Operação Lava-Jato vai desentranhar as contas do PT. (A regulamentação da Lei Anticorrupção está engavetada há um ano.)

O governo resolveu inflar seus desastres porque, na batalha da comunicação, egocentrismo e megalomania abafam a rotina. Mesmo assim, nem tudo são espinhos. Esse mesmo governo mandou passear o lobby das concessionárias de energia que pretendia espetar na Viúva uma conta de R$ 2,5 bilhões. Mandou passear também os clubes de futebol com suas dívidas de pelo menos R$ 1,5 bilhão. Muito justamente reduziu o crédito estudantil para jovens com desempenho pouco acima do medíocre no Enem. Contrariou os barões das escolas privadas, mas conteve a privatização de seus recursos. Essa batalha ainda não terminou, como ainda não entrou em cena a das operadoras de saúde, começada nos dias das festas de fim de ano.

Resta à doutora Dilma um consolo. Na oposição, a única novidade é que Aécio Neves deixou a barba crescer.

Por: Elio Gaspari, jornalista