No início dos anos 1990, minha irmã, então
roteirista da Fundação Roberto Marinho, me convidou para ser seu
assistente na lida sub-literária de escrever roteiros de teleducação e
empresariais. Iniciou-se assim minha carreira na seara das letras
plebeias, que durou mais de 20 anos. Graças a minha irmã, entrei na
panela, e segui adiante por conta própria: conheci muita gente do meio
artístico, ‘bacanas’ aos montes, e até mesmo tentei praticar a tal da
‘arte’. Cheguei a criar e escrever um seriado juvenil para a TV Cultura
(Galera) e participei da roteirização de um longa de pegada popular (O
Menino da Porteira), que foi visto nos cinemas por mais de um milhão de
pessoas (Lei Rouanet, eu confesso, também pequei). O fracasso, no
entanto, nunca me subiu à cabeça e minha carreira não foi adiante pelas
minhas próprias deficiências e pela minha falta de tino sociopatológico
(Thank you, Lord!). O ambiente é tóxico.
Eu conheci atores e atrizes que não se envergonhavam de dizer que não viam o trabalho que haviam feito quando este era exibido na televisão. Não viam as novelas que faziam, nem para ver o resultado. A ambição do artista brasileiro não é fazer arte e sim ser famoso e fazer parte de uma turma, da panela do Projac. Uma amiga atriz me contou, que ao fazer um seriado televisivo global, começou a ser tratada por outros atores/atrizes globais, que desconhecia totalmente, como uma antiga amiga. Ela se sentiu mal, achou asquerosamente falso. Não sei como anda agora. Vai ver que se acostumou. Essa panela é nefasta, para eles mesmos e para o país. Todo mundo finge, principalmente eles próprios, que não se trata de um bando de medíocres. E são, todos. As exceções confirmariam a regra, se existissem. Não existem.
A vaca sagrada do teatro brasileiro, Fernanda Montenegro, Dona Arlete, quando indicada para a categoria de melhor atriz, por sua atuação em Central do Brasil (Hollywood, cínico, se dá ao luxo de fazer essas concessões paternalistas aos países do terceiro mundo, que logo se abraça à glória efêmera, como se não odiasse até ontem mesmo o imperialismo americano, salivante de raiva e impotência), pois então, dona Arlete protagonizou um clássico da vergonha alheia ao se lançar à aventura de falar em inglês em uma entrevista no então mais famoso talkshow da TV americana, capitaneado por David Letterman (modelo de Jô Soares). A coisa foi de um constrangimento atroz: “The rivers and mountains are on the table”. A torcida alienista nacional urrou quando ela conseguiu dizer: “I’m the old girl from Ipanema!”. Vejam só, que linha shakespeariana. A muié não fala lé-com-cré em inglês. Parecia uma débil mental (que ela obviamente não é).
Mas a chuva ufanista nacional inundou qualquer possibilidade de visão da realidade do que tinha de fato acontecido: foi constrangedor. Esta é a verdade: os atores e atrizes nacionais são constrangedores. Cadê os grandes papéis da Dona Arlete no cinema internacional, depois de ter ficado sob os holofotes dos abutres midiáticos mundiais, pelos 15 minutos de fama de praxe concedidos aos melhores artistas de todos os tempos de países do terceiro mundo? Não adianta procurar. Zero. Nada.
Quando fazem sucesso, como o Wagner Moura, começam a se achar demiurgos iluminados e pessoas esclarecidas do bem, e só constrangem ainda mais pela burrice decorrente do estado de torpor mental ideológico (o cara ultrapassa todos os limites da estultice com aquela pose de sabichão imbecil). Nisso, convenhamos, não ficam atrás de Matt Damon, Di Caprio, Meryl Streep e outras sumidades do pensamento humano ocidental. A classe artística brasileira é uma das certezas nacionais. É garantido: sempre erram o alvo na mosca. (Gracias a Millôr, pela boutade, este sim um artista universal que só não foi mundialmente reconhecido porque escreve em uma linguagem quase secreta chamada português).
Beto Moraes, 57, é roteirista e tradutor.
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