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quarta-feira, 30 de dezembro de 2020

Presente dramático, futuro incerto – O Estado de S. Paulo

Opinião

No Brasil, pandemia foi particularmente cruel para os trabalhadores com até 24 anos

Em geral pouco favorável para os jovens em todo o mundo, no Brasil o mercado de trabalho tornou-se particularmente cruel para os trabalhadores com até 24 anos por causa da pandemia. No mundo, essa é a faixa etária mais atingida pelo desemprego. No Brasil, mesmo os jovens com alguma ocupação enfrentam dificuldades. Dos que trabalham, mais de três quartos, ou 77,4%, têm emprego de baixa qualidade.

Para muitos, o futuro pode não ser melhor. Alta rotatividade combinada com baixos salários minam as condições para que os jovens adquiram novos conhecimentos e novas habilidades que os preparem para ter desempenho e competências melhores e, consequentemente, salários mais altos e vida mais confortável do que a atual. Para o País, a perda de oportunidade de treinar os jovens para um mundo do trabalho cada vez mais exigente e seletivo pode significar atraso na corrida mundial pela competitividade e produtividade, fatores indispensáveis para o crescimento da economia.

São quase oito em dez jovens trabalhadores ocupados que estão em situação vulnerável, caracterizada por salários baixos, instabilidade no emprego, rede de proteção insuficiente e condições de trabalho inadequadas, como mostrou reportagem do Estado. São 7,7 milhões de jovens brasileiros trabalhando nessas condições. A vulnerabilidade entre esses trabalhadores é maior para os da faixa etária de 25 a 64 anos (dos quais 39,6% estão em condição vulnerável) e acima de 65 anos (27,4%).

Das quatro condições que caracterizam a vulnerabilidade do trabalho utilizadas na pesquisa da consultoria Dados na qual se baseou a reportagem do jornal, duas são particularmente ruins para os trabalhadores jovens: renda e estabilidade. Para cerca de 90% desses trabalhadores, a remuneração é inferior ao custo de seis cestas básicas (o rendimento mensal varia de R$ 398 a R$ 539) [sic] e 75% estão há menos de 36 meses no emprego.

No mundo, a renda dos mais jovens, por serem menos experientes, é menor do que a dos trabalhadores com mais idade. Os jovens têm também maior dificuldade de encontrar emprego, justamente por causa da inexperiência. “Mas, no Brasil, os porcentuais indicam uma qualidade do emprego pior por causa da maior rotatividade e da informalidade”, diz o economista responsável pela pesquisa, Bruno Ottoni.

Além da pressão sobre o salário, a baixa qualidade do emprego dos jovens tem outros impactos sobre a vida desses trabalhadores. Eles têm menor, ou nenhuma, proteção do sistema público de previdência e de assistência social, o que os torna desprotegidos em situações de desemprego ou de doença. Dos jovens trabalhadores com até 24 anos de idade, praticamente um terço (32,7%) não tem registro em carteira de trabalho. Não tem direito a seguro-desemprego, por exemplo.

Com renda baixa, sem garantias adequadas e trabalhando em geral em condições inadequadas, boa parte desses jovens acaba por abandonar os estudos antes de concluir o curso que os habilitaria a ter um futuro melhor. Interrompe-se sua educação formal. E em poucas situações o trabalho será um local de aprendizado adequado de um ofício que lhes permitirá melhorar de vida. Perde-se a oportunidade de formação indispensável para que o trabalhador tenha futuro melhor e o País ganhe maior capacidade de crescimento.

Em certos casos, cria-se um círculo vicioso, no qual a baixa qualificação leva à rotatividade da mão de obra jovem e a rotatividade impede que esse jovem adquira novas habilidades e qualificações. A falta de vínculos formais de emprego, que implicam custos de demissão, realimenta esse processo. Pereniza-se um ciclo no qual o País mergulhou há anos, que impede o avanço da produtividade da economia nacional.

Até há pouco, a demografia ajudou o crescimento, pois a população em idade de trabalhar crescia mais do que os demais segmentos. Isso acabou em 2018. A produtividade poderia compensar essa perda, mas ela também está sob risco. O cenário futuro não tem brilho.

Opinião - O Estado de S. Paulo

 

terça-feira, 28 de novembro de 2017

Demografia aumenta pressão sobre Previdência



A informação do IBGE de que o peso do grupo de idosos na população cresce de forma acelerada, enquanto cai o de crianças, pressiona pela reforma

Neste relançamento do debate sobre a reforma da Previdência, com a inevitável decisão do governo de retomar o tema no Congresso, dado o agravamento crescente da situação das contas públicas, tem ganhado destaque o aspecto das injustiças sociais que o sistema de seguridade carrega. Principalmente na comparação entre as regras para a aposentadoria do assalariado da iniciativa privada e as benevolências para com o servidor público.

Os números que demonstram esta disparidade são irrefutáveis: enquanto a aposentadoria média paga pelo INSS é de R$ 1.240,00, na esfera do serviço público federal, por exemplo, são pagos benefícios, também médios, de R$ 7.583; no Ministério Público, R$ 18.053; R$ 26.302, no âmbito do Judiciário, e R$ 28.547, aos servidores do Legislativo. É um mundo à parte do Brasil real.

Mas não são apenas as questões das injustiças sociais e do crescimento sem controle das despesas previdenciárias, e seu reflexo pernicioso nas contas públicas, que requerem a reforma do sistema como um todo — do INSS, do empregado no setor privado, mas também do funcionalismo.

Exerce grande pressão sobre a Previdência o processo de envelhecimento da população, como acontece em todo o mundo: à medida que aumenta a parcela dos idosos e reduz-se, proporcionalmente, a de jovens, um processo universal, liga-se o mecanismo de insolvência dos sistemas. Pelo simples fato de que se elevam as despesas enquanto inibe-se a fonte de financiamento representada pela entrada de jovens no mercado de trabalho. E como, felizmente, os avanços na medicina prolongam cada vez mais a vida, os fundos de seguridade precisam se precaver, com alterações de regras. É inescapável.

Estatísticas do IBGE divulgadas na sexta-feira são mais um alerta para a necessidade urgente da reforma: de 2012 a 2016, a população de idosos, de 60 anos e mais, aumentou em 16%. Já a de crianças — até 13 anos —, encolheu 6,7%. Não se pode ter mais dúvida da mudança do perfil demográfico do país, motivação irrefutável de reformas previdenciárias.

Demógrafos projetam, por exemplo, que, em 2050, o grupo na população com 60 anos de idade e acima disso representará 33% da população, ou o dobro de 2016. Este envelhecimento demográfico e a pressão sobre a Previdência eram previstos pelos especialistas na década de 80. O problema é que o tempo passou, nem tudo que era necessário foi feito, e agora este processo se acelera, conforme detecta o IBGE.

E ainda existe no Congresso quem não considere ser urgente a reforma que estabelece idades mínimas para a aposentadoria de homens e mulheres — 65 e 62 anos. Não se deve ter dúvidas de que quanto mais se retardar o que já deveria ter sido feito, mais duras terão de ser as medidas. Ou reformas precisarão ser feitas de forma frequente, o que nem sempre é possível devido à política. Vai-se pagar um preço em turbulências na economia e consequentes inflação e desemprego.

Editorial - O Globo