Investigação sobre juiz do caso Eike revela agora sumiço de dinheirama
Corregedoria
do Tribunal Regional Federal do Rio de Janeiro faz varredura na vara do
magistrado que saiu para passear com o Porsche do ex-bilionário.
Descobriu que evaporaram da repartição um naco dos 116.000 reais
recolhidos na casa de Eike e 600.000 reais apreendidos de um traficante
Depois que se descobriu que o juiz Flávio Roberto de Souza, a quem
cabia julgar o caso Eike Batista, circulara pelo Rio de Janeiro a bordo
de um Porsche apreendido do ex-bilionário e ainda por cima guardara
outros dois carros e um piano no condomínio onde mora, a Justiça Federal
fluminense não teve um dia de trégua. O Conselho Nacional de Justiça
retirou Souza de todos os processos ligados a Eike, e o próprio
magistrado pediu uma licença médica para deixar a história esfriar, mas
não escapou de ser afastado do cargo no Tribunal Regional Federal do
Rio. Parecia o ponto final de um daqueles enredos infelizes que só fazem
esfacelar a confiança nas instituições. Só que ainda tem mais.
Segundo
informação obtida por VEJA, uma junta de juízes designada pela
corregedoria do tribunal para fazer uma limpa na vara deparou com mais
um fato de enrubescer os togados: evaporaram da repartição um naco dos
116 000 reais recolhidos na casa de Eike e os 600 000 reais apreendidos
de um traficante internacional de drogas - parte em moeda nacional,
parte em dólares e euros. Como o juiz Souza não era o único a ter acesso
ao cofre, o sumiço da dinheirama está sob investigação.
Efeito colateral – O juiz Flávio de Souza, que guardou o Porsche e o
piano de Eike Batista no próprio condomínio: irregularidades já fizeram o
julgamento do empresário por crimes financeiros voltar à estaca zero(Guilherme Pinto/Agência o Globo)
Os rumores sobre o desaparecimento foram oficialmente levados pelo
corregedor Guilherme Couto ao magistrado. Ele disse saber onde estavam
os maços de notas achados na casa de Eike: repousavam em certo armário.
Ao contarem o dinheiro, porém, veio a surpresa. Faltava uma parte, e até
agora não se tem notícia de que tenha sido localizada. Quanto aos 600
000 reais, ninguém sabe, ninguém viu. Pertenciam ao traficante espanhol
Oliver Ortiz de Zarate Martin, preso no Rio em junho de 2013, aos 35
anos. Junto com o dinheiro, os policiais da operação batizada de Monte
Perdido apreenderam ainda uma moto e uma Ferrari. Na ocasião, os
trâmites obedeceram ao padrão do Judiciário. Os bens foram a leilão, e
os 600 000, depositados em contas do Banco Central e da Caixa Econômica
Federal. Mas acabaram retornando à guarda do juiz Souza quando pessoas
que alegavam ter feito negócios imobiliários supostamente lícitos com o
traficante reivindicaram sua fatia. A partir daí, tudo é mistério.
Quanto mais se remexe nos ofícios e processos de Flávio de Souza na
3ª Vara Criminal Federal, mais irregularidades vão emergindo. Quem passa
em frente à repartição, no centro do Rio, vê as portas cerradas e tem a
sensação de que o lugar está às moscas. Mas no interior o clima é de
alta tensão desde que o chefe surgiu ao volante do Porsche - e só piora.
Ao saber do enrosco do dinheiro sumido, a associação de juízes federais
a que Souza pertencia decidiu desfiliá-lo. Ele acabou a semana com o
passaporte confiscado. Ainda que os reais, dólares e euros reapareçam,
os procedimentos pouco ortodoxos verificados no gabinete do juiz Souza
já prestaram o desserviço de ferir o Judiciário e pôr no papel de vítima
Eike Batista, réu em um processo por crimes financeiros, alvo de um
inquérito sobre lavagem de dinheiro na Polícia Federal e de outros que
correm na Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o xerife do mercado
financeiro.
Os desdobramentos práticos das peripécias do juiz já se fizeram
sentir. O julgamento de Eike, que havia começado em novembro, voltou à
estaca zero, e não há sequer um novo magistrado no comando (os bens
apreendidos, no entanto, continuarão em poder da Justiça). Todo o
processo, que já se anunciava moroso, agora tende a emperrar. Uma
decepção para grandes e pequenos investidores que perderam dinheiro com a
derrocada do grupo X e para todos os que esperam das instituições um
funcionamento adequado e eficiente. Ainda assim, é um mal menor diante
do que poderia acontecer se o caso continuasse sendo conduzido por um
juiz afundado em suspeitas.
Fonte: Revista VEJA