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segunda-feira, 6 de abril de 2020

O samba de uma nota só - Alon Feuerwerker

Análise Política

Neste curso coletivo de dimensões planetárias sobre epidemias, aprendemos que a curva epidêmica tem um trecho exponencial ascendente, logo no começo. Depois a subida inverte a curvatura, conforme algumas pessoas se imunizam e outras, infelizmente, vão a óbito. Uma hora chega o pico. E quando o fator “R”, o número de indivíduos que cada indivíduo contaminado contamina, cai abaixo de um, a curva começa a trajetória descendente. Numa imagem que é quase o espelho de quando subiu.

O enigma para o analista político é tentar decifrar se haverá correlação entre as idas e vindas da curva epidêmica e uma parente dela: a curva de aprovação/desaprovação dos políticos que lidam com a epidemia em cada país. Ou em cada estado. Ou em cada cidade. Quem disser que tem certeza provavelmente falta com a verdade. Ao final deste pesadelo (haverá um “final”?) poderemos ter certeza. Mas aí será trabalho para historiadores, os privilegiados que podem se dar ao luxo de fazer previsões só depois que tudo já aconteceu.

Políticos agem por instinto, e movidos principalmente (unicamente?) pelo humor do eleitorado do qual dependem. Donald Trump decidiu proibir exportações de produtos médicos necessários para ajudar pacientes da Covid-19 e profissionais da saúde. E mandou comprar/pegar tudo que fosse necessário comprar/pegar mundo afora. Para tristeza dos fãs da “globalização”, cada um só vota nas eleições de seu próprio país. E a contabilidade de mortos que interessa a Trump no ano eleitoral é a dentro das fronteiras dos Estados Unidos.

Por isso, ele combina bem o “blame game(o esforço, por enquanto pouco produtivo apesar da propaganda, de emplacar a expressão “vírus chinês”) com uma versão mais tosca do “big stick”, versão que dispensa aquela parte de “fale macio”. E os índices mostram o presidente candidato à reeleição navegando em meio à curva crescente da epidemia nos Estados Unidos. 

No momento, o povo americano parece mais preocupado em sobreviver,  [sobrevivendo e contendo a pandemia Trump será apontado como o presidente capaz de gerar empregos e bombar a economia - que importância tem que ele no inicio da pandemia tenha errado - só não erraram os que ficaram preocupados em apontar seus erros.
Lembrem que essa conduta do povo, do eleitor, é válida para todos os países.] menos em discutir se lá atrás Trump subestimou o problema.
Por aqui, Jair Bolsonaro sofre algum desgaste por ser talvez mais teimoso. 

O ocupante da Casa Branca mudou o discurso e a linha de ação quando foi necessário, sem se preocupar em explicar por que alterou a rota. Assim funcionam os líderes. Bolsonaro já teve inúmeras oportunidades de ajustar o leme para indicar que se preocupa sim com o impacto da epidemia para a saúde e a vida, mas não aproveitou. Continua no samba de uma nota só, de que os efeitos econômicos da paradeira podem ser tão ou mais daninhos que os da Covid-19.


As pesquisas mostram por enquanto um desgaste para ele apenas na margem. Não está bem avaliado no combate à epidemia, mas mantém perto dele o eleitorado fiel desde a reta final do primeiro turno em 2018. Por cálculo, ou por instinto, ou por convicção, tanto faz, ele parece achar que isso será suficiente para concluir o mandato e brigar para continuar em 2022. Pode ser. Mas também pode estar subestimando o papel que o cansaço com o belicismo presidencial pode desempenhar para juntar gente contra ele até lá.
[juntar gente contra ele e a favor de quem? Moro vai de vice.
Não esqueçam que o líder, o fenomenal, está solto, só que ninguém se lembra dele.
O Doria sem Bolsonaro é nada x nada.
O animador de auditório é uma falácia.] 

Alon Feuerwerker, jornalista e analista político - Análise Política








segunda-feira, 18 de novembro de 2019

O Big Toffoli - Fernando Gabeira

[Big Brother - Grande Irmão = 1984

 Divulgação - Blog do Gabeira


Numa semana muita dura e cheia de eventos, pensei em trazer um tema novo. Já falei de Bolívia e Chile, comentei a saída de Lula e me debrucei, sem ânimo, sobre a invasão da embaixada da Venezuela em Brasília. Isto me interessou, pois poderia usar de novo a palavra quiproquó, tão sonora e fora de moda. Sinceramente, meu tema de preferência era um chamado projeto Nightingale, no qual o Google é acusado de vender milhões de dados médicos e hospitalares das pessoas para grandes empresas do setor. A coleta e venda de informações é um grande negócio no mundo. Tende a ser o mais interessante, pois os dados valem dinheiro, sobretudo em grandes quantidades.

Iria refletir um pouco sobre a privacidade num mundo do Google e das redes sociais quando soube que o presidente do STF, Dias Toffoli, agora por um artifício legal, tem acesso aos dados financeiros de 600 mil contas de pessoas e empresas. Ele proibiu a UIF (antigo Coaf) de partilhar esses dados com os órgãos de investigação. Um absurdo sem nome. Tenho escrito sobre isso e, para dizer a verdade, com pouca repercussão. É um ato de exceção. Os próprios funcionários da OCDE que estiveram no Brasil dizem que a medida de Toffoli está em contradição com as normas e os compromissos internacionais do Brasil.

Toffoli não se interessa por isso. Seu objetivo era congelar as investigações sobre Flávio Bolsonaro e impedir que a Receita continuasse pesquisando os movimentos financeiros de sua mulher e da mulher de Gilmar Mendes. Ele não se contentou em paralisar investigações. Ele quer acesso a todos os dados coletados pela inteligência financeira.  É o Big Toffoli navegando pelas contas de todo mundo, conhecendo os segredos financeiros que ele mesmo impede de serem investigados adequadamente. Como é possível o país conviver com essa barbaridade? Mesmo os aliados de Toffoli deveriam temer essa concentração de poder. Nos últimos tempos, aproximou-se de Bolsonaro para salvar a pele do filho senador. Mas, no passado, foi um funcionário do PT, um assessor de José Dirceu.

Acho que tanto o PT como Bolsonaro deveriam temer Toffoli. A quem servirá com esse acesso ilimitado aos dados pessoais e empresariais? Pode usá-los para fulminar Bolsonaro ou mesmo para enrascar mais ainda seu partido de coração, que é o PT.  Em muitos lugares do mundo, a Justiça se move na tentativa de preservar a privacidade das pessoas, acossando o Google e o Facebook, entre outros. Aqui no Brasil é diferente. É a própria Justiça que invade a privacidade alheia, na pessoa do presidente do STF. Não se trata mais nos trópicos de reduzir o poder das gigantescas empresas, mas de ampliar ao extremo o poder pessoal de Toffoli.

Num mesmo ano, Toffoli salvou Lula e Bolsonaro. Lula porque foi dele, fiel advogado do PT, o voto de Minerva que acabou com a prisão em segunda instância. E Bolsonaro, porque foi ele quem tirou as nádegas do jovem Flávio da seringa do controle de operações financeiras.  Podemos falar tudo de Lula ou Bolsonaro. Mas ninguém apanha mais do que eles nas redes ou na imprensa. Ambos reclamam, Bolsonaro tira verbas publicitárias de quem o critica; Lula, volta e meia, se lembra do controle social da imprensa. Mas nenhum dos dois chegou ao ponto de Toffoli: instalar uma delegacia, convocar Alexandre de Moraes como seu braço policial e partir para cima de quem o critica, com polícia revistando casas e computadores.

Lula precisou de Toffoli. Bolsonaro também. Mas eles ignoram, talvez, que Toffoli seja muito mais do que um simples auxiliar para encrencas. Diante da vulnerabilidade dos líderes populistas que polarizam o Brasil, ele vai construindo seu universo pessoal de poder. E um poder mais persuasivo que o deles.
Toffoli é o Big Toffoli. Assim com os homens e, além disso, é o único que tem poder de acessar os dados financeiros de quase todo mundo. Digo quase todo mundo, porque não me incluo nesses 600 mil. Minha conta bancária é de uma monotonia tediosa. Mas não me inibo em defender a privacidade dos outros, ricos ou pobres.

Em 13 anos de oposição, o PT nunca me fez mal. Espero o mesmo de Bolsonaro. Ambos têm seguidores agressivos. Mas nenhum pode como Toffoli mandar a Polícia Federal vasculhar meus computadores, incluir-me nos detratores do Supremo.  A democracia tropical, com a sua incessante troca de favores, está parindo um monstro. Uso a expressão num contexto institucional. Pessoalmente, Toffoli até se parece com um desses candidatos por quem suspiram velhas senhoras em busca de bons moços para votar.
Mas a ampliacão do seu poder pela captura de dados financeiros o transforma num Big Toffoli.

Blog do Gabeira - Fernando Gabeira, jornalista
 

Artigo publicado no jornal O Globo em 18/11/2019

segunda-feira, 24 de abril de 2017

Lula no Itaquerão: entra em campo o Amigo da Odebrecht

Os parteiros do estádio do Corinthians sabiam que aquilo daria muito dinheiro por fora. Não imaginavam que também poderia dar cadeia

 

Em 3 de setembro de 2011, três meses depois do início da construção do novo estádio do Corinthians, Lula estacionou o palanque ambulante em Itaquera para uma discurseira ao lado de Andrés Sanchez, então presidente do clube e hoje deputado federal pelo PT paulista. O trecho em que celebra a parceria com a Odebrecht ajuda a entender por que, além dos mimos milionários ofertados pelos chefões da empresa, ganhou do departamento de propinas o codinome Amigo.

“Eu quero agradecer, sobretudo, ao doutor Emílio Odebrecht, presidente do conselho da Odebrecht…”, entra em campo o camelô de empreiteira aos 57 segundos do vídeo. (Também de microfone em punho, Andrés Sanchez se volta para um ponto fora do alcance da câmera e pede que o chefão venha para a frente do palco: “Doutor Emílio… doutor Emílio”, diz, reforçando o convite com chamados gestuais. Safo, o dono do dinheiro continua longe da telinha).

Enquanto Sanchez tenta transformar a dupla em trinca, o comício segue seu curso: “… e o Marcelo, presidente do grupo Odebrecht, porque foram duas pessoas que começaram a construir essa obra ainda sem um contrato assinado”, confessa Lula. “Eles já tão trabalhando há noventa dias e o contrato foi assinado hoje, numa demonstração… numa demonstração de que o Corinthians vai construir um estádio”.

(E numa demonstração de que os craques da tapeação se julgavam condenados à eterna impunidade, reafirma o desprezo por documentos indispensáveis. Mais que um discurso, aquilo é um aviso perturbador: há outro vale-tudo em gestação. Os parteiros do Itaquerão sabiam desde sempre que obras sem contrato dão muito dinheiro “não-contabilizado”. Só cinco anos mais tarde saberiam que essas vigarices bilionárias também dão cadeia).

O ex-presidente retoma o falatório fantasiado de alma viva mais pura do país: “Nós temos que fiscalizar, Andrés, o estádio… pedir apoio da imprensa pra que este estádio seja construído da melhor maneira possível, da maneira mais honesta possível, pelo preço mais justo possível”, promete o intermediário de suspeitíssimos financiamentos do BNDES. “Porque nós precisamos provar que o Corinthians é um time de pobre, mas é um time de dignidade”.

Ninguém precisava provar que são incontáveis os corintianos pobres e dignos. [esticando um pouco a corda: o que só existe pela metade também é incontável; corintiano pobre - ou curintiano como diz o filho de Garanhuns - sabemos que existem... digno é outra coisa..... dignidade não combina com certas opções...  e só...] Faltava provar o que agora é evidente até para os bebês de colo: Lula não figura entre eles. [nem entre os pobres, os honestos e os dignos.] A Fiel queria ver o time ganhar numa casa nova. Lula queria ganhar a parte que lhe cabia naquele latifúndio. Ele nunca deu as caras 

Fonte: Coluna do Augusto Nunes - VEJA