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sexta-feira, 29 de maio de 2020

Caneta sem tinta - Merval Pereira

O Globo

Ataques à democracia

STF riscou uma linha de onde não admitirá que Bolsonaro passe 

[será que o Supremo Tribunal Federal, órgão colegiado, vai estimular atritos com o presidente Bolsonaro por este ao proferir  "acabou', não mais tolerar, chega" estava alertando que sempre que entender necessário, recorrerá àquela Suprema Corte para combater atos que interfiram na independência do Poder Executivo? ] 
Para além desse sentimento até mesmo de autopreservação, não fosse a ameaça à democracia, os ataques ao decano do STF, ministro Celso de Mello, tornaram-se exemplares da falta de limites desses militantes, que o decano classificou de “bolsonaristas fascistóides”. Celso de Mello, aliás, já previa os problemas que a radicalização política poderia causar à democracia no país. Em 2018, com problemas de saúde que o impediam de se locomover normalmente, pensou em se aposentar. Começou mesmo uma conversa sobre seu substituto, e indicou indiretamente ao presidente Michel Temer que se sentiria feliz se a advogada-geral da União, Grace Mendonça, fosse indicada para sua vaga. [será que a permanência na ativa do decano do STF não se tornou fonte de tensão? com sua aposentadoria as coisas poderão se acomodar.
será que tentar indicar seu substituto não configurou uma interferência?]

No final do ano, com a polarização política acirrada na campanha presidencial, ele avisou a Grace que continuaria até o final de seu período, e entrará na compulsória por fazer 75 anos, em novembro.
A operação de busca e apreensão da Polícia Federal de quarta-feira, que tanto incomodou o presidente Bolsonaro, estava prevista há pelo menos um mês, e só não foi realizada antes devido à pandemia, como noticiei na minha coluna “Golpe frustrado”, de 22 de abril.

Como já havia a perspectiva de que Bolsonaro estava tentando interferir na Polícia Federal na saída do então ministro da Justiça Sérgio Moro, o ministro Alexandre de Moraes determinou que fosse mantida a mesma equipe da PF que trabalhava no caso há um ano. Com isso, evitou que a operação pudesse ser inviabilizada por questões burocráticas ou vazamentos com viés político.  Os membros do Supremo riscaram uma linha de onde não admitirão passar os desmandos do presidente e seus seguidores. Em consequência, as duas novas tentativas do governo de reverter decisões do Supremo têm chances próximas de zero de vingar, tanto o habeas corpus a favor do ministro Abraham Weintraub, quanto o pedido de fim do inquérito sobre fake news feito pelo Procurador-Geral da República, Augusto Aras.

Há uma jurisprudência firmada de que o tribunal não deve receber pedido de habeas corpus contra atos de seus ministros. [a jurisprudência pode ser mudada? sim, nada é permanente - nem a CPMF conseguir ser.] Quanto ao inquérito, mesmo os que, a princípio, consideraram que era uma demasia do presidente Dias Toffoli, hoje entendem que os fatos descobertos nas investigações justificam sua existência, indo muito além da auto defesa que parecia ser o objetivo inicial. Trata de ataques à democracia. Além do mais, iniciado de maneira equivocada, esse inquérito foi colocado nos eixos muito devido às críticas que recebeu. O ministro Alexandre de Moraes comanda as investigações, e não julgará, o PGR Aras tem conhecimento delas e foi atendido na tese de que os deputados não deveriam ser alvos de busca e apreensão em suas residências. A fala do presidente Bolsonaro ontem de manhã foi reveladora de seus intentos, mas ele não tem meios legais para afirmar que “acabou”, se referindo à ação da PF autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes contra as fake News. Não há nada que ele possa fazer contra o STF, que, como disse Rui Barbosa, tem o direito de errar por último.

É preocupante que ele não aceite limites que a democracia impõe,  queixando-se de que sua caneta não tem tinta. Não imagino que tenha algum tipo de apoio fora dessas milícias digitais para tomar qualquer providência fora da lei. Vários militares, inclusive o vice-presidente, Hamilton Mourão, reafirmaram ontem que não há possibilidade de golpes militares. Os comandantes das Três Armas não são tão condescendentes quanto seus colegas da reserva com relação às extravagâncias políticas do presidente Bolsonaro. Enquanto ficar na retórica, e não houver nenhuma medida prática para desautorizar o STF, vamos viver nesse clima de tensão permanente. Para parar o STF, nem mesmo mandando o soldado e o cabo, como disse o filho 03 Eduardo, para fechá-lo.

Merval Pereira, jornalista - O Globo


quarta-feira, 22 de abril de 2020

Golpe frustrado - Merval Pereira


O Globo 

Inquérito pode pegar Bolsonaro

[pergunta que não quer calar:
- o que motiva grande parte da Imprensa, qualquer mídia, não veicular o número de recuperados da Covid-19 - em sua maioria, só cuida do tema quando o recuperado é quase centenário.
Em Brasília, de 913 casos confirmados, mais de 500 já se recuperaram.]
O presidente Bolsonaro tentou dar ares de apoio dos militares à sua presença na manifestação antidemocrática que avalizou no domingo em Brasília, mas soube, antecipadamente, que a área militar se incomodava com a escolha como moldura de uma ação política o Forte Apache, como é conhecido o Quartel-General do ExércitoEle convidou para acompanhá-lo o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, e o ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Eduardo Ramos, que recusaram, por considerarem que a presença deles sugeriria que o Exército avalizava a manifestação.


Por ser político, os generais consideram que Bolsonaro tem o direito de participar de manifestações políticas, mas, diante da repercussão negativa, avaliaram que o presidente deu um passo em falso ao convalidar as reivindicações antidemocráticas. Por isso tiveram uma reunião com ele na noite do mesmo domingo, onde ficou combinado que Bolsonaro falaria no dia seguinte para desfazer o clima político tenso, e à noite o Ministério da Defesa deu uma nota oficial garantindo que as Forças Armadas obedecem à Constituição.

A frase proferida por Bolsonaro na manhã de segunda feira — “Já estou no poder, por que daria um golpe?” — foi dita a ele na reunião de domingo. A investigação já em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as fake news cruzará inevitavelmente com o novo inquérito aberto sobre as manifestações antidemocráticas, pois tudo indica que os mesmos que orquestram as notícias falsas contra os que consideram adversários políticos são os que organizam e financiam essas manifestações que pedem a intervenção militar e o fechamento do Supremo e do Congresso.

A piada do dia entre os parlamentares é que os sorteios no Supremo Tribunal Federal (STF) estão sendo feitos pela mão de Deus, como o gol do Maradona. O inquérito sobre as manifestações antidemocráticas caiu, no sorteio eletrônico, para o ministro Alexandre de Moraes, o mesmo que já preside o inquérito sobre as fake news contra o STF. E o pedido do deputado Eduardo Bolsonaro para impedir a prorrogação da CPI das Fake News no Congresso foi para o ministro Gilmar Mendes, um dos mais ferrenhos combatentes das fake news, e que tem assumido publicamente posições vigorosas contra as reivindicações ilegais de intervenção militar. A tal ponto que retuitou uma declaração de outro ministro do STF, Luís Roberto Barroso, não exatamente seu amigo, repudiando os que pedem a volta do AI-5 e da ditadura militar. [convenhamos que o conteúdo deste parágrafo deixa uma certa dúvida no ar... .
Oportuno completar o parágrafo abaixo, lembrando que a designação do ministro Alexandre de Moraes como relator, não foi resultado do tradicional sorteio e sim indicação do ministro Toffoli.]

O inquérito das fake news já existe há um ano no Supremo, e recebeu muitas críticas pela maneira como foi criado, em regime de sigilo como o de agora, e sem a participação da Procuradoria-Geral da República. Está mais avançado do que o procurador-geral atual, Augusto Aras, gostaria.  Ele pediu a abertura de um inquérito para investigar os atos antidemocráticos, mas excluiu o presidente Bolsonaro do rol de suspeitos de os incentivarem, provavelmente para cacifar-se à vaga do Supremo que se abre em novembro com a aposentadoria do ministro Celso de Mello.

Mas bastará um parlamentar, ou associação da sociedade civil, requisitar ao ministro Alexandre de Moraes que inclua Bolsonaro no inquérito que o pedido será encaminhado pelo Supremo à PGR, criando um constrangimento que possivelmente impedirá a não aceitação. O inquérito do ministro Alexandre de Moraes já tem uma relação de 10 a 12 deputados bolsonaristas, mais empresários, que tiveram o sigilo quebrado, e a Polícia Federal estava a ponto de fazer busca e apreensão em seus endereços quando veio a quarentena.

Com o novo inquérito, dificilmente vai dar para parar a investigação, que já teria identificado o chamado “gabinete do ódio” que funciona no Palácio do Planalto como a origem das fake news, e poderão surgir dados que liguem esse grupo palaciano, coordenado pelo vereador Carlos Bolsonaro, à organização dessas manifestações ilegais. [nenhuma simpatia pelo comportamento do vereador (atrapalha o presidente mais do que os seus inimigos conseguem) menos ainda pelo do seu mentor - aquele de Virginia, cuja contribuição para a filosofia é fortalecer aquele dito sobre a filosofia ser a ciência.... - mas provas continuam sendo essenciais no Brasil para produzir condenações - por isso a prisão preventiva, com caráter de perpétua, é tão utilizada.] 
O procurador-geral da República, Augusto Aras, conversou ontem com o ministro Alexandre de Moraes e deverá receber um relatório sobre as investigações das fake news no início da próxima semana. A investigação original é sobre o STF, mas há indícios de que está tudo ligado. A Polícia Federal deve manter os mesmos policiais que já estão trabalhando no inquérito das fake news, para dar mais agilidade às investigações. 

Merval Pereira, jornalista - Jornal O Globo