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sábado, 25 de setembro de 2021

Ignorância atrevida - Carlos Alberto Sardenberg

Além de se manifestar contra a vacinação em geral, o presidente afirmou três vezes, somente nesta semana, que a Coronavac não tem eficácia científica comprovada. Por outro lado, o Ministério da Saúde informou que já distribuiu mais de 101 milhão de doses da Coronavac. Vai daí que: ou o presidente mente descaradamente ao declarar ineficaz uma vacina aprovada e distribuída por órgãos técnicos de seu governo; ou o Ministério da Saúde engana descaradamente a população brasileira ao oferecer um medicamento imprestável.

Em qualquer caso, temos aí um crime [?] grave, sempre de responsabilidade direta do presidente Bolsonaro. [já que tudo pode ser atribuído ao capitão, ainda que derivado de narrativa,  e ser apresentado como  crime grave, recomendamos; "Inimigos do Brasil vencerão? Michelle Bolsonaro será impedida por genocídio contra o PNI?"]

Ele costuma colocar a culpa nos outros, mas não tem como dizer, por exemplo, que o Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, é o único responsável pela aplicação da vacina do Instituto Butantan. De todo modo, como a eficácia da Coronavac tem farta comprovação científica, no Brasil e em outros países, como Chile, para não citar a China, produtora original da vacina, a conclusão é inevitável: Bolsonaro mente.  Mas isso se estivéssemos tratando de uma pessoa normal. Mentiroso é quem afirma algo sabendo tratar-se de mentira. Não é o caso. Pelo seu comportamento nesta e em outras situações, Bolsonaro demonstra que não acredita – isso mesmo, não acredita – nas informações científicas sobre a Covid e muito menos sobre a eficácia da Coronavac. [nossa posição pró vacinas é pública e notória; mas certas coisas não podem ser ignoradas ou esquecidas e uma delas é que a Coronavac não está entre as que desfrutam de maior credibilidade.
Até o 'joãozinho', - que governa os paulistas pensando em ser escolhido candidato à Presidência em 2022 - que chegou a ser caixeiro viajante da Coronavac (se Bolsonaro defendesse qualquer vacina com o empenho que o tucano defendeu a chinesa, seria acusado de prevaricação; Doria defendeu o imunizante chinês até que sentiu que o barco chinês estava afundando  e como todos os ... esqueceu a maravilha. 
O próprio Instituto Butantan que no passado gozou de grande credibilidade, começa a se enrolar quando tenta defender a Coronavac.  Agora mesmo, no episódio em que a Anvisa suspendeu parte do fármaco da Sinovac, o Butantan tentou avalizar a empresa que processo o envasamento do imunizante e seu opinião não foi considerada. A suspensão permanece.]

Diria, de novo, uma pessoa normal: ciência não é algo em que se acredita ou não. Ciência é experimento, prova, demonstração, testes. Diferente de senso comum praticado por pessoas ignorantes que se acham portadores da verdade para tudo. Sabe aquele cara que diante de uma informação científica, olha para você com ar superior e diz: e você acredita nisso? Muita gente entende que há uma estratégia por trás desse comportamento de Bolsonaro. Mas qual seria a estratégia de espalhar mentiras e confundir a população, junto à qual, aliás, perde confiança toda semana?

Não é estratégia. Na verdade, ao desclassificar a vacinação, a Coronavac, os números sobre a pandemia (acha que o número de mortos é bem menor do que o registrado pelo seu próprio governo) e a gravidade da doença (acha que os mortos por Covid iam morrer em poucas semanas, tendo o vírus apenas antecipado o desfecho fatal), Bolsonaro se comporta como o sabichão de mesa de bar.

Nossas avós diziam: a ignorância é atrevida. Tinham razão. Repetiam Sócrates, pelo avesso. Só sei que nada sei, dizia o verdadeiro sábio, criador do pensamento ocidental. Só que o sabichão de mesa de bar é apenas isso. Ignorante inofensivo. Sendo presidente, Bolsonaro causa enorme problema para o país e sua população. O que nos salva, parcialmente, é que a população é mais esperta que o presidente.

A maioria esmagadora dos brasileiros corre atrás da vacina, seja qual for e onde esteja sendo aplicada. A adesão dos brasileiros à vacina está bem acima da média mundial. Aqui não tem movimentos anti-vacina, demonstração cabal de que a maioria não cai na conversa maluca do presidente. Mas o estrago está feito. O negacionismo de Bolsonaro atrasou [por não ter comprado o que ainda não existia?] de fato a chegada das vacinas ao Brasil e, pois, contribuiu para um número maior de doentes e mortos.

O que evitou o pior – um país sem vacinas – foi a ação do Supremo Tribunal Federal, que reconheceu o poder de governadores e prefeitos nos programas de combate à pandemia. [os exemplos funestos dos efeitos dos superpoderes dados a governadores e prefeitos são tantos, que o próprio STF tem tentado impor um releitura do que decidiu em abril 2020.] E esses lutaram pelas vacinas, assim como parte das lideranças políticas e civis, conseguindo forçar o governo federal a adquiri-las. A mídia independente e séria teve papel crucial ao mostrar os dados da ciência e os fatos observados.

Médicos e os profissionais da saúde pública e privada tiveram comportamento exemplar, tirante aqueles, agora apanhados pela CPI, que agiram contra a ciência que deveriam ter aprendido. Essa barreira continua de pé. Mas é preciso impedir que o presidente continue nessa cruzada do mal.

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista


quinta-feira, 16 de abril de 2020

Ignorância atrevida - Carlos Alberto Sardenberg


A crise, qualquer crise, pode ser favorável aos governantes de plantão. E um problema para as oposições. Neste momento, mundo afora, todo dia a gente vê as autoridades na televisão anunciando medidas, recomendando comportamentos, pedindo apoio para o sacrifício necessário. Já as lideranças de oposição quase desaparecem da mídia. Ficam até constrangidas: criticar neste momento?

Mas dada essa regra geral – o governante sai em vantagem no momento crítico – surgem as diferenças. Alguns crescem, como o primeiro-ministro da Itália, Giuseppe Conte. Ele chegou ao posto em junho de 2018, numa daquelas situações típicas da política italiana: um arranjo provisório diante de um impasse entre partidos. Nunca tinha sido político, estava como que tomando conta do posto. Cresceu na crise do coronavírus. Os governantes regionais do norte da Itália fracassaram, mas Conte foi o primeiro na Europa a decretar o confinamento, assumindo os riscos com um discurso firme. Tornou-se uma liderança europeia, ao propor medidas de combate às crises sanitária e econômica.

E  nem precisamos ir longe. O médico Luiz Henrique Mandetta é ortopedista, não infectologista ou epidemiologista. Não passava de um político regional. Hoje, tem mais de 75% de aprovação popular e talvez até mais nos meios políticos. [tal aprovação é mais resultado de uma política, profissionalmente dirigida, de tudo que for contra o Presidente da República merece elogios.]

Agiu como manda o manual: assumiu a liderança e os riscos, soube encontrar especialistas aos quais deu autonomia e nos quais confiou.
Fernando Henrique Cardoso, num livro sobre sua carreira, chamou-se “presidente acidental”. O Ministério da Fazenda caiu nas suas mãos como um limão azedo e dali ele tirou a limonada do Plano Real, sem ter qualquer especialidade em economia.
Conte e Mandetta também são líderes acidentais.


[somos compelidos a admitir que o presidente Bolsonaro vacilou quando optou pela escaramuça com inimigos que só crescem devido a atenção, ainda que belicosa, que recebem do Presidente da República.
O momento era de concentrar esforços no combate ao coronavírus, falar menos, evitar entrevistas desnecessárias e improvisadas e no instante em que ideias suas para combater a doença fossem contestadas pelo ainda ministro, buscar fundamentação técnica junto a outros médicos e após seu entendimento estar devida e tecnicamente fundamentado,  convocar o ministro Mandetta - não pela imprensa ou redes sociais - para ajuste da política.

Não fosse possível um acordo, exonerar o ministro - via DO, a forma legal de nomear/demitir no Serviço Público. Sua teimosia o levou a optar por permitir que o ministro descobrisse que tinha tudo a ganhar se tornando seu adversário, tanto que chegou ao ponto de confrontar sua autoridade e agora tem que demiti-lo, quanto mais rápido melhor, até mesmo para uma unificação de entendimentos e com os brasileiros torcendo para que o substituto de Mandetta unifique, não sirva aos intentos dos que pretendem ser oposição a Bolsonaro e não sabem como fazer.

O presidente Bolsonaro insiste em adestrar e municiar os que desejam lhe fazer oposição.]



Bolsonaro também é um presidente acidental, mas pelo lado negativo. De anos de baixo clero, de repente tornou-se a alternativa aos desastres do PT. Era completamente despreparado para o cargo, mas outros líderes também chegaram assim aos seus postos. Nesses casos, a diferença entre o êxito e o fracasso está no tamanho da ignorância. Alguns guardam um pouquinho de sabedoria, o suficiente para saber que não entendem nada daquilo e que é melhor chamar gente que entende. Bolsonaro fez isso na economia, quando outorgou poderes ao ministro Paulo Guedes.

Mas tirante isso – e talvez o ministro Moro – Bolsonaro carrega aquilo que nossas avós chamavam de “ignorância atrevida”. Ele acha que entende de radares nas estradas, pontos na carteira de motorista, cloroquina, índios, nióbio, coronavírus, como domar o Congresso e os políticos. Para ele e seu pessoal mais próximo, aquecimento global, pandemia, direitos humanos, atendimento aos pobres, a rede Globo e a mídia em geral, óleo nas praias – tudo é uma conspiração de esquerdistas, com a China comunista sempre por trás, às vezes a pobre Venezuela ou “os estrangeiros”.

Parece tosco – e é tosco. Nessa circunstância, não se podia esperar mesmo que ele entendesse o tamanho da crise de saúde. Por sorte, surgiram lideranças localizadas, como Mandetta, e nos estados, como muitos governadores e prefeitos. Mas com o presidente atrapalhando, isso emperra as políticas nacionais de combate aos efeitos do  coronavírus e de preparação para a saída da crise.

Muitos governantes se atrasaram no reconhecimento da crise, mas conseguiram dar a volta. Menos quatro: os ditadores da Bielorússia, do Turquemenistão – aquele que manda tomar vodka contra o vírus – da Nicarágua e Bolsonaro, o único eleito em um pleito democrático mas que ele acha que foi fraudado. Sim, ele também acha que entende de sistema de urnas eletrônicas. (Aliás, ele prometeu provas de que foi roubado no primeiro turno e até agora nada. Assim como não mostra seus exames de coronavírus).

Não tem como dar certo. A crise vai deixar mais mortos do que se fosse administrada de modo mais competente. A recuperação econômica e social será mais tardia e mais lenta. Dependemos da capacidade de lideranças localizadas, parlamentares, governadores, prefeitos, e da gente mesmo, sociedade e mídia séria e independente.[Artigo brilhante, verdades contundentes - raros exageros - que nos leva à recorrência, que também pode ser uma forma de ignorância atrevida: "Errar é humano, permanecer no erro é diabólico."]

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista