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terça-feira, 13 de março de 2018

O direito de o Estado investigar o presidente



Entendimento da procuradora-geral relativiza prerrogativa presidencial e atende a princípio republicano de não haver poderes absolutos

O curto governo do presidente Michel Temer tende a ser resumido, no futuro, a dois capítulos o dos avanços no plano econômico, enquanto enfrentava a maior crise fiscal da história; e o dos escândalos de corrupção, o maior deles o da relação, incabível para um presidente, com o empresário Joesley Batista, da JBF, motivo pelo qual Temer perdeu as condições morais e políticas para realizar a decisiva reforma da Previdência. Acossado por denúncias da Procuradoria-Geral da República, gastou todo seu capital político para barrar as acusações na Câmara dos Deputados.

A vitória exauriu as forças do governo, e parecia que, ao menos neste front, Temer apenas contaria o tempo para descer a rampa do Planalto. Não é isso o que acontece, porque tramitam inquéritos em torno de Temer, que aparentava tranquilidade com o entendimento usual de que a Constituição estabelece que o presidente só pode ser responsabilizado na Justiça por fatos ocorridos durante seu mandato e relacionados a ele. É o que está no parágrafo 4º, do artigo 86 da Carta: “O presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, porém, ao contrário de seu antecessor, Rodrigo Janot, entende que não contraria a Carta investigar o chefe do Executivo, desde que ele não seja “responsabilizado”. [um único comentário:
Os que quiserem conhecer argumentos que trituram o entendimento da doutora Dodge, cliquem aqui:VEDAÇÃO MACULADA - Ives Gandra da Silva Martins.]

Há pelo menos dois ministros do Supremo que concordam com a procuradora — Luís Roberto Barroso e Edson Fachin. A questão tem relevância, porque dois inquéritos de peso tramitam no STF: com o ministro Barroso, um sobre decreto baixado por Temer supostamente para ajudar a empresa Rodrimar, de Santos, que atua no setor de terminais; o outro, conduzido por Fachin, trata da delação da Odebrecht de um jantar ocorrido com o ainda vice-presidente, no Palácio do Jaburu, em que teria sido acertado o repasse, em dinheiro sujo, de R$ 10 milhões, para o MDB.

A partir do entendimento de Dodge e dos ministros da Corte, [dois ministros em uma Corte com onze ministros] providências têm sido tomadas para o levantamento de informações. Luís Roberto Barroso, por exemplo, acaba de determinar a quebra do sigilo bancário de Temer, no caso da Rodrimar, em que também está o ex-deputado Rocha Loures, ex-assessor do presidente, o mesmo da corrida com a mala dos R$ 500 mil. Já Edson Fachin incluiu Temer no inquérito sobre os R$ 10 milhões, originados de propinas.

O argumento de Raquel Dodge tem peso: justificam-se as investigações para que provas não sejam danificadas, adulteradas, destruídas. Um presidente, por exemplo, que fique oito anos no poder poderá impedir muita coisa.  Limita-se, assim, uma prerrogativa presidencial, sem extingui-la, dentro do bom princípio de que na República não pode haver poderes absolutos.

Editorial - O Globo
 

domingo, 17 de dezembro de 2017

O dilema da carne suína

A ONG Mercy For Animals denuncia caso de maus tratos a animais na Aurora Alimentos e lança campanha contra os métodos de produção da indústria brasileira de porcos

Um funcionário de uma granja raspa os dentes de um leitão, que grita sem parar. Ao seu lado, uma porca observa o procedimento, também aos gritos. Para quem não está familiarizado com os métodos de produção de carne suína, a cena é chocante. As imagens constam em um vídeo, obtido com exclusividade pela DINHEIRO, gravado pela ONG Mercy for Animals, que advoga em favor do bem estar animal – inclusive incentivando o veganismo. Ele foi produzido por um funcionário da organização, que se infiltrou entre os trabalhadores de uma cooperada da Aurora Alimentos, uma das maiores cooperativas agrícolas do Brasil, com R$ 8,5 bilhões de faturamento e 72 mil famílias associadas, na cidade de Xanxerê (SC). Em outra tomada, é possível ver as chamadas celas de gestação, onde as fêmeas são confinadas. O espaço é tão pequeno que não permite, sequer, que elas se virem para o lado. Algumas mordem as barras de ferro insistentemente. “É um sofrimento terrível”, afirma Lucas Alvarenga, vice-presidente da Mercy for Animals no Brasil. “Essas práticas não estão alinhadas com a tendência mundial, que é de acabar com as celas de gestação.”
Vídeo gravado pela ONG Mercy for Animals mostra maus tratos a animais
atenção: Este vídeo contém cenas fortes de maus tratos a animais

Na terça-feira 28, a ONG apresentará uma denúncia contra esse tipo de prática. Ao mesmo tempo, lançará uma petição solicitando ao Grupo Pão de Açúcar (GPA), maior varejista brasileiro, que se comprometa a não comprar mais carne de porco de fornecedores que utilizem as tais células. “Focamos no GPA em virtude do tamanho e da importância da empresa, mas o ideal é que todos os varejistas tenham a mesma atitude”, diz Alvarenga. Banir esse tipo de criação de porcos de suas compras é algo que grandes empresas alimentícias e cadeias de restaurantes, como Nestlé, McDonald’s e Burger King já fizeram em escala global, mas não foram acompanhadas pelas redes de varejo nacionais.

A ação da ONG acontece em um momento delicado para a indústria brasileira de proteína animal. Na semana passada, a Rússia anunciou uma restrição temporária à compra de carne suína e bovina do Brasil, em virtude da suposta presença de estimulantes de crescimento, como ractopamina, nos produtos. O país é o principal destino internacional da carne de porco brasileira, respondendo por quase 40% das exportações nacionais, que superaram os R$ 4,7 bilhões no ano passado. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) afirma que não há estimulantes na carne exportada. No setor de bovinos, as práticas de criação já são mais adequadas no Brasil. O setor de aves também passa por uma modernização. De qualquer forma, é uma mostra de como a pressão internacional pode afetar o setor. E, ao que tudo indica, restrições do tipo poderão acontecer no caso das celas de gestação.

O uso dessas celas é polêmico. Elas começaram a ser introduzidas na indústria de suínos na década de 1950, logo após a Segunda Guerra Mundial. “As porcas grávidas, na disputa por alimentos, acabam brigando e machucando umas às outras”, afirma o professor Mateus Paranhos da Costa, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal. “O que, na época, não se levou em consideração são as consequências desse confinamento ao animal.” Segundo informações do Mapa, porcos são animais gregários, ou seja, tendem a formar grupos de convívio. Eles organizam seu habitat de forma natural, separando áreas de alimentação, descanso e defecação.

A não observância dessas características cria problemas de comportamento que, posteriomente, são equacionados pelos produtores com ainda mais violência, como corte de rabo, restrição de movimentos, entre outros. O professor explica que o contexto, na década de 1950, era o de produzir alimentos no pós-guerra. A questão do bem estar animal nem era levada em consideração. O assunto começou a ganhar importância a partir de 1964, quando a britânica Ruth Harrison publicou o livro “Animal Machines”, que mostrava a dura realidade da criação intensiva de animais. A partir de então, começou a surgir um forte movimento global demandando um tratamento mais adequado aos animais de abate. “Estamos entrando em um momento de conflito, no qual as ONGs pressionam cada vez mais, e os produtores tentam defender seus modelos de produção”, afirma o professor.

Esse parece ser o caso desse novo embate entre a Mercy for Animals e os suinocultores. Em nota, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa os granjeiros, diz que “não é correto afirmar que o Brasil está atrasado em relação ao tema ” Segundo a ABPA, as maiores empresas do setor já assumiram o compromisso de extinguir a prática, dentro de um prazo pré-estabelecido. De fato, BRF, Aurora e JBS, os três maiores do País, já disseram que vão abolir as celas, até 2026. O frigorífico Frimesa estabeleceu o mesmo prazo. A ABPA afirma, ainda, que não existe legislação em nenhum país produtor sobre esta prática. “Esta é uma questão que parte da imposição de determinados grupos empresariais”, diz a nota. 

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