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domingo, 21 de novembro de 2021

A ética no banheiro - Revista Oeste

Guilherme Fiuza

A humanidade está com todos os seus problemas resolvidos. Mergulhou num tédio profundo e está procurando o que fazer para passar o tempo

O McDonald’s está preocupado com seus banheiros. Recorreu então a uma inovação: criou o banheiro multigênero, que pode ser usado por clientes de qualquer sexo. Na porta das cabines “inclusivas” estão desenhadas três figurinhas: masculina, feminina e transgênero. O uso é individual. Ou seja: não faz a menor diferença quem está lá dentro. Mas a propaganda politicamente correta faz muita diferença. O mercado está pagando uma baba por demagogia fantasiada de inclusão.

Banheiro multigênero no McDonald's | Foto: Montagem/Shutterstock
Banheiro multigênero no McDonald's -  Foto: Montagem/Shutterstock

Pare num posto de gasolina na beira da estrada, pergunte onde é o banheiro e se você pode usar. Provavelmente o encarregado te entregará uma chave e não perguntará o seu sexo. Aí você pode se trancar lá dentro e escrever emocionado na sua rede social que está num banheiro multigênero, à beira da estrada. Arremate a sua mensagem ao mundo com um “viva a revolução!”

Uma cliente do McDonald’s na cidade paulista de Bauru encontrou um desses banheiros inclusivos”, não gostou do que viu e fez um vídeo espalhando a novidade. A prefeitura da cidade foi lá e disse que não pode. Que as regras do código sanitário preveem a distinção entre banheiros masculinos e femininos.

A conclusão inequívoca deste episódio é muito simples: a humanidade está com todos os seus problemas resolvidos. Mergulhou num tédio profundo e está procurando o que fazer para passar o tempo.

A clássica pergunta deverá ser feita em linguagem neutra: “Onde é o banheire?”

Vamos ajudar a humanidade. O tédio é de fato um inimigo poderoso, mas com criatividade é possível vencê-lo. Ou pelo menos enfrentá-lo de igual para igual. A partir do escândalo de Bauru, propomos as seguintes iniciativas, para apimentar a relação do ser humano com seu planeta monótono:
- CPI do Banheiro Misto. Renan Calheiros, Randolfe Rodrigues e Kátia Abreu vão demonstrar ao mundo que qualquer maneira de amor vale a pena — e qualquer maneira de ir ao banheiro também. Vão ensinar que um é pouco, dois é bom e três é demais, dependendo da metragem. Se for longa-metragem, recomendarão O Cheiro do Ralo (para clientes cult) e Lula, o Filho do Brasil (para usuários com incontinência monetária);

Na CPI, Omar Aziz determinará a quantidade de papel higiênico a que cada cliente terá direito, em nome da diversidade sexual e florestal. Quem for flagrado em qualquer ato discriminatório no banheiro será condenado a usar papel higiênico de segunda mão. Nada de moleza para os preconceituosos;

Dress code. Vamos acabar com a zona nos banheiros das lanchonetes. Homem de saia deverá escolher preferencialmente o McDonald’s. Se for escocês pode ir ao Bob’s, desde que esteja com seu passaporte sexual em dia. A clássica pergunta deverá ser feita exclusivamente em linguagem neutra: Onde é o banheire?” Quem perguntar do modo antigo será indiciado pelo STF por ato antidemocrático;

Se a vida continuar um tédio depois de todas essas medidas criativas, iremos propor ao Burger King separação de banheiros pela cor da pele. 
Esses banheiros de hoje que só se preocupam com o gênero do usuário denotam claramente um preconceito racial velado — passando uma mensagem subliminar contra a diversidade das cores humanas, em postura nitidamente supremacista;

Dia Mundial de Luta Contra o Preconceito nos Banheiros. A humanidade evoluiu e hoje todos sabem que os banheiros não são mais lugares apenas para necessidades fisiológicas e higiênicas. Banheiro é lugar de leitura e reflexão. No dia do orgulho sanitário que será inserido numa sequência de eventos denominada Dezembro Marrom — só será permitido o ingresso em banheiros públicos ao usuário que portar no mínimo um livro de filosofia e um iPhone. Esse iPhone deverá ter acesso a pelo menos uma rede social, na qual o usuário deverá provar que postou mensagens de orgulho sanitário.

As proposições acima visam a reforçar a luta da humanidade contra o tédio e pela encenação de novas éticas que possam servir ao nobre princípio de pentelhar a vida alheia (para usar a norma culta das portas de banheiro). Basta de monotonia.

Leia também “Mexa-se”

Guilherme Fiuza, colunista - Revista Oeste 

 

quarta-feira, 2 de junho de 2021

A estupidez da linguagem neutra - Revista Oeste

 Cristyan Costa

A adoção de pronomes neutros para agradar a uma minoria empobrece a língua portuguesa e já contamina parte da iniciativa privada

 

Edição de arte Oeste | Foto: Shutterstock

“Enfim, chegou a hora da encomendação e da partida. Sancha quis despedir-se do maride, e o
desespero daquele lance consternou a todes. (…) Só Capitu, amparando a viúve, parecia
vencer-se a si mesme. Consolava a outre, queria arrancá-le dali. A confusão era geral. No meio delu,
Capitu olhou alguns instantes para o cadáver tão fixa, tão apaixonadamente fixa, que não
admira lhe saltassem algumas lágrimas poucas e caladas… (…) Fiquei a ver as delu; Capitu
enxugou-as depressa, olhando a furto para a gente que estava na sala. Redobrou de carícias para
a amigue, e quis levá-le; (…) Momento houve em que os olhos de Capitu fitaram o defunte, quais
os da viúve, sem o pranto nem palavras deste, mas grandes e abertos, como a vaga
do mar lá fora, como se quisesse tragar também o nadadore da manhã.“

Sob o argumento de que o idioma é machista e instrumento de perpetuação do poder do “patriarcado”, coletivos que garantem representar determinados públicos, como as feministas ou o antigo GLS — atual LGBTTTQQIAA — exigem, entre outras reivindicações, a transformação radical da fala, a chamada linguagem neutra. O primeiro parágrafo deste texto mostra como ficaria, por exemplo, um trecho do livro Dom Casmurro, de Machado de Assis, escrito com esta “neolinguagem”.

Monique Wittig (1935-2003), pensadora que exerce influência sobre o movimento de mulheres, defendia uma reforma das palavras de modo a torná-las neutras de gênero. 
A fim de viabilizar sua ideia, Wittig pregava uma investida em duas etapas: 1) utilizar uma palavra da linguagem comum, mudando-lhe o conteúdo de forma sorrateira; 
2) depois, a opinião pública é bombardeada pelos meios de educação formais (a escola) e informais (os meios de comunicação de massa). Assim, as pessoas acabariam enxertando esses termos no próprio vocabulário, sem nada perceberem. O modus operandi respingou nos estudos da pesquisadora Judith Butler, uma das precursoras da ideologia de gênero, para quem o sexo não define quem você é. Dentro dessa concepção, o sujeito pode assumir múltiplas identidades.

Nessa pseudolinguagem supostamente inclusiva, que alguns defendem que seja adotada como norma-padrão, o uso de pronomes, adjetivos ou substantivos “neutros seria uma forma de acolher pessoas que não se identificam como masculino ou feminino, chamadas de “não binárias”, no-gender ou “gênero fluido”. Rosa Laura, autointitulada ativista “não bináris”, explica o dialeto. Segundo ela, os pronomes pessoais “ela” e “ele” têm de ser substituídos por “ile”. Já os pronomes demonstrativos “daquela” e “daquele” mudariam para “daquile”. Dir-se-ia, então: “ile é muito bonite”, em vez de “ela é muito bonita”; e “todes gostam de irmén e du amigue delu”, em vez de “todos gostam da irmã e do amigo dele”.

Cíntia Chagas, formada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais e professora de português, garante que a linguagem neutra nada tem de inclusiva. 
Segundo a especialista, três grupos acabam sendo marginalizados pelo “novo idioma”: 
1) os disléxicos, que representam parcela considerável dos estudantes;  
2) os surdos, que fazem a compreensão por meio dos sinais; 
3) e os deficientes visuais, que dependem de softwares para leitura no computador e, também, do Braille. “O ‘dialeto neutro’ inviabiliza a comunicação desses grupos”, constatou Chagas. “Trata-se de uma imposição injusta a essas pessoas, que já vivem em um contexto de limitação, pois as obriga a se submeterem a uma histeria coletiva”, acrescentou. “Em linhas gerais, o dialeto é defendido por ditadores da linguagem.”

Esse foi um dos argumentos do governo da França, que proibiu a linguagem neutra. “Ao defenderem a reforma imediata e abrangente da grafia, os promotores da escrita inclusiva violam os ritmos do desenvolvimento da linguagem de acordo com uma injunção brutal, arbitrária e descoordenada, que ignora a ecologia do verbo”, informou o Ministério da Educação francês. “Essas armadilhas artificiais são inoportunas e atrapalham os esforços dos alunos com deficiência mental admitidos no âmbito do serviço público.”

Educação
Apesar de absurda, a “novilíngua” já é realidade em escolas e universidades do Brasil e do mundo. Em setembro de 2020, circularam nas redes sociais imagens de uma aula sobre “pronomes neutros” em uma instituição particular do Recife (PE). Nos slides projetados, é possível observar neologismos como “obrigade”. O episódio foi registrado no Colégio Apoio e ocorreu em uma turma do 8º ano.

Dois meses depois, o Colégio Franco-Brasileiro, instituição particular na zona sul do Rio de Janeiro, resolveu “imitar” a concorrência e divulgou um comunicado aos pais informando que adotara estratégias para absorver a linguagem neutra nos espaços formais e informais de aprendizagem. “Renovando, diariamente, nosso compromisso com a promoção do respeito à diversidade e da valorização das diferenças no ambiente escolar, tornamos público o suporte institucional à adoção de estratégias gramaticais de neutralização de gênero em nossos espaços formais e informais de aprendizagem”, salientou a instituição.

A coisa não foi diferente na Escola St. Patrick, de Passo Fundo (RS). Os textos com comunicados sobre a volta às aulas e outras informações similares foram enviados via WhatsApp e traziam a letra “x” em vez de usar o feminino ou masculino.  
A escrita trouxe confusão e teve de ser explicada pela direção do colégio privado, que atende crianças da pré-escola ao ensino fundamental. Depois de receber uma série de reclamações, a instituição de ensino teve de divulgar uma nota explicando que “o uso dessa letra foi feito com a intenção de nos comunicarmos e, aqui, nos referimos às mães e pais de modo geral”.

Nem o ensino superior ficou blindado da prática. “Nesta segunda-feira, 3 de maio de 2020, serão iniciadas as atividades acadêmicas dos estudantes veteranes da UEMG Divinópolis. Sejam todes bem-vindes”, informou uma mensagem de boas-vindas publicada nas redes sociais da Universidade do Estado de Minas Gerais. O post ainda trazia uma imagem com os dizeres “Bem-vindes, estudantes veteranes”. Nos comentários, os internautas questionaram a atitude. Joanna Williams, em seu texto publicado nesta edição da Revista Oeste, relatou o caso de uma estudante de direito do Reino Unido que corre o risco de ser expulsa da universidade por ter dito, em um seminário de estudos de gênero, que mulheres têm vagina. “As universidades estão menos preocupadas com o ensino superior e mais com a doutrinação dos alunos na ideologia progressista”, escreveu Williams.

Caio Perozzo, especialista em linguagem e professor de literatura do Instituto Borborema, associação cultural sediada em Campina Grande (PB), acredita que as coisas chegaram a esse ponto devido a uma “crise da inteligência”. De acordo com ele, a linguagem foi submetida à ideologia e ao relativismo, que esvaziaram da fala e da escrita o propósito de descrição da realidade como ela é. “Há pessoas que percebem algo, mas se recusam a utilizar o termo adequado para representar aquilo porque viola um conjunto verbal e ideológico que ela já tem. A ideologia deixa sua inteligência deficiente”, observou o acadêmico.

Empresas
Além da educação, a linguagem neutra contaminou a iniciativa privada. A rede de fast-food Burger King fez uma postagem no Twitter em alusão ao Dia Internacional da Luta contra a Homofobia e a Transfobia (17 de maio): “Bandeiras de Todes”. No post, a empresa mostrou coroas e imagens que representam diversas orientações sexuais. Depois de receber críticas, a companhia tirou a publicação do ar. Contudo, emitiu uma nota, que dizia: “Acreditamos que todas as pessoas são bem-vindas e fazemos questão de reforçar a necessidade e a importância de assuntos como esse para a sociedade. Consideramos e absorvemos todas as manifestações e agradecemos por elas. Quanto mais conhecemos e discutimos, mais aprendemos e mais informados estamos para lutar contra a LGBTfobia”.

Na mesma linha do Burger King, o aplicativo iFood decidiu “cancelar” nomes considerados preconceituosos. O novo termo de uso da plataforma vetou pratos clássicos de restaurantes, como “batatas ao murro”, considerado violento e machista. O mesmo ocorreu com “punheta de bacalhau”, iguaria tradicional portuguesa, por ser fálica demais. Os chefs reclamaram, sem sucesso. Observa-se com os casos descritos que o objetivo declarado de grupos como o que promove a linguagem neutra é um só: purificar radicalmente o discurso de qualquer palavra que possa ofender a alguém. Quando se abre a possibilidade de qualquer um reinventar o idioma, reescrever obras artísticas e policiar a cultura a pretexto de defender os direitos das minorias, entra-se num terreno perigoso.

No livro 1984, escrito pelo jornalista inglês George Orwell, o protagonista Winston Smith trabalha no Ministério da Verdade. Contudo, sua função é adulterar registros históricos com a finalidade de moldar o passado à luz dos interesses de um presente tirânico que se impõe com a ajuda da chamada Polícia das Ideias. A entidade decide o que você deve pensar, escrever, falar e até como agir. Orwell descreve o drama dos personagens, que envolve a opressão física e, sobretudo, a mental. No desenrolar da história, é possível identificar uma das estratégias do Estado totalitário representado na obra: a mudança na linguagem mediante a manipulação do significado das palavras. Qualquer semelhança não pode ser interpretada como mera coincidência.

Leia também “Rumo à utopix socialistx intersecionxl!”

 Revista Oeste - Cristyan Costa


domingo, 24 de fevereiro de 2019

Carnaval azul e rosa

Primeiro carnaval da era Bolsonaro vai desafiar a pauta conservadora 

O primeiro carnaval da era Bolsonaro vai desafiar a pauta de costumes conservadora do novo governo. Não resta dúvida de que a bagunça organizada prevalecerá nos milhares de blocos que vão entupir as ruas das cidades. E nela, nem sempre meninos vão usar azul e meninas tampouco vestirão apenas rosa. Vai ser o de sempre, mas um pouco mais abusado, até como forma de responder à nova ordem. [os abusos precisam ser contidos, se necessário com a retirada dos que estiverem abusando e com o uso da força policial;
a bagunça tradicional, essa temos que conviver - já estamos acostumados e alguns milhares de otários pagam para ver o que pudemos desfrutar de graça.
Virou uma fonte de renda e o acesso é sempre controlado. 

Sabem aquela verdade: quem gosta muito de ver é porque não pratica, valendo o mesmo para os que só falam sobre.
 
Triste vai ser para os pais que tem vergonha, ver o filho ou filha se valer do pretexto de ser carnaval, para dar vazão a troca de sexo - inerente aos portadores do homossexualismo. ]
No Rio, 509 blocos vão sair ao longo desta e da próxima semana. Em São Paulo, serão 516 blocos. O PIB do carnaval paulista será de R$ 1,9 bilhão contra R$ 2,1 bilhões do Rio. Quer dizer, ninguém fará economia na folia, embora no Rio a prefeitura do bispo Crivella se afaste cada vez mais dos foliões. Dá para antecipar que a irreverência não vai poupar Bolsonaro, Witzel, Doria ou quem quer que seja. Vai sobrar para todo mundo. [já existe legislação, faz alguns anos,  que permite p enquadramento penal dos que exagerarem na irreverência contra autoridades legalmente constituídas.] Essa é a grandeza do Brasil. Não importa quem está no comando, o país segue seu destino com seu jeito debochado. Foi assim sob FH, Lula, Dilma e Temer. Foi assim durante a ditadura. Seguirá assim com Bolsonaro. O Brasil é muito grande, é difícil encontrar um buraco que o engula. E, quando dá, faz pouco caso de quem acha que pode tudo. No carnaval é sempre assim.
E aí, muita gente aproveita a onda para tirar uma casquinha, posicionando-se contra o conservadorismo da nova turma. A campanha publicitária de carnaval da rede de fast-food Burger King é muito eficiente na comunicação,embora use argumentos que devem escandalizar a ministra Damares. Na peça que está no ar e é chamada de “Poliamor”, a menina Bá come dois sanduíches ao lado de seus dois namorados, Gui e Vini. E pergunta por que escolher um se ela pode ficar com os dois. [aceitável que a mulher se apresente com dois ou três namorados - ela tem condições de 'atender' aos três simultaneamente - digamos que pode ser uma 'pouca vergonha', mas. se tratando de carnaval é preferível uma mulher x 3 machos,  do que dois indivíduos do gênero masculino, ou feminino, se beijando na boca, em público.
Mas, com certeza existe um excesso:
- de tesão da mulher ou de falta de tesão do homem, visto precisar ser auxiliado por mais dois.]
Há também quem credite ao novo governo o resultado comercial positivo do carnaval deste ano. Para o inventor do Camarote Número 1, o empresário José Victor Oliva, que está investindo R$ 10 milhões na Sapucaí este ano, a mudança do clima político no Brasil e no Rio vai ajudar o carnaval. Para Oliva, o sucesso é maior ou menor se o Rio e o Brasil estiverem mais confiantes. “A receita do camarote vem a reboque do que acontece na cidade e no país, e este ano já dá para ver que está muito melhor”. Do ponto de vista de Oliva, que aposta em Bolsonaro, o Brasil estava “muito largado; perdemos muito tempo com besteira e bobagem, com o politicamente correto, enquanto a bandidagem ria e agia”.

Ter a casa em ordem é importante, sem dúvida, sobretudo em grandes eventos. Embora no carnaval, como no réveillon de Copacabana, a segurança nunca tenha sido um problema —“há uma comunhão espiritual em torno da festa que reduz a violência”, na visão de Oliva —, quem vem de fora não sabe disso. Por essa razão, sinais em favor da segurança, segundo ele, são eficientes e estimulam o turismo. Mesmo sendo berço de irreverência quase juvenil, o carnaval não tem idade nem nacionalidade. Para a Sapucaí vem gente de todos os estados do Brasil. Do exterior vêm principalmente os que gostam de Ibiza e outros destinos que conjugam sol e balada. Para eles, o carnaval do Rio é “perfeito”, diz José Victor Oliva. “Trata-se da maior festa do mundo realizada no verão da cidade mais bonita do planeta”.
É assim que a banda toca. O carnaval deste ano vai atender a todos os gostos.
 
Ascânio Seleme -  O Globo

 

 

domingo, 17 de dezembro de 2017

O dilema da carne suína

A ONG Mercy For Animals denuncia caso de maus tratos a animais na Aurora Alimentos e lança campanha contra os métodos de produção da indústria brasileira de porcos

Um funcionário de uma granja raspa os dentes de um leitão, que grita sem parar. Ao seu lado, uma porca observa o procedimento, também aos gritos. Para quem não está familiarizado com os métodos de produção de carne suína, a cena é chocante. As imagens constam em um vídeo, obtido com exclusividade pela DINHEIRO, gravado pela ONG Mercy for Animals, que advoga em favor do bem estar animal – inclusive incentivando o veganismo. Ele foi produzido por um funcionário da organização, que se infiltrou entre os trabalhadores de uma cooperada da Aurora Alimentos, uma das maiores cooperativas agrícolas do Brasil, com R$ 8,5 bilhões de faturamento e 72 mil famílias associadas, na cidade de Xanxerê (SC). Em outra tomada, é possível ver as chamadas celas de gestação, onde as fêmeas são confinadas. O espaço é tão pequeno que não permite, sequer, que elas se virem para o lado. Algumas mordem as barras de ferro insistentemente. “É um sofrimento terrível”, afirma Lucas Alvarenga, vice-presidente da Mercy for Animals no Brasil. “Essas práticas não estão alinhadas com a tendência mundial, que é de acabar com as celas de gestação.”
Vídeo gravado pela ONG Mercy for Animals mostra maus tratos a animais
atenção: Este vídeo contém cenas fortes de maus tratos a animais

Na terça-feira 28, a ONG apresentará uma denúncia contra esse tipo de prática. Ao mesmo tempo, lançará uma petição solicitando ao Grupo Pão de Açúcar (GPA), maior varejista brasileiro, que se comprometa a não comprar mais carne de porco de fornecedores que utilizem as tais células. “Focamos no GPA em virtude do tamanho e da importância da empresa, mas o ideal é que todos os varejistas tenham a mesma atitude”, diz Alvarenga. Banir esse tipo de criação de porcos de suas compras é algo que grandes empresas alimentícias e cadeias de restaurantes, como Nestlé, McDonald’s e Burger King já fizeram em escala global, mas não foram acompanhadas pelas redes de varejo nacionais.

A ação da ONG acontece em um momento delicado para a indústria brasileira de proteína animal. Na semana passada, a Rússia anunciou uma restrição temporária à compra de carne suína e bovina do Brasil, em virtude da suposta presença de estimulantes de crescimento, como ractopamina, nos produtos. O país é o principal destino internacional da carne de porco brasileira, respondendo por quase 40% das exportações nacionais, que superaram os R$ 4,7 bilhões no ano passado. O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) afirma que não há estimulantes na carne exportada. No setor de bovinos, as práticas de criação já são mais adequadas no Brasil. O setor de aves também passa por uma modernização. De qualquer forma, é uma mostra de como a pressão internacional pode afetar o setor. E, ao que tudo indica, restrições do tipo poderão acontecer no caso das celas de gestação.

O uso dessas celas é polêmico. Elas começaram a ser introduzidas na indústria de suínos na década de 1950, logo após a Segunda Guerra Mundial. “As porcas grávidas, na disputa por alimentos, acabam brigando e machucando umas às outras”, afirma o professor Mateus Paranhos da Costa, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Jaboticabal. “O que, na época, não se levou em consideração são as consequências desse confinamento ao animal.” Segundo informações do Mapa, porcos são animais gregários, ou seja, tendem a formar grupos de convívio. Eles organizam seu habitat de forma natural, separando áreas de alimentação, descanso e defecação.

A não observância dessas características cria problemas de comportamento que, posteriomente, são equacionados pelos produtores com ainda mais violência, como corte de rabo, restrição de movimentos, entre outros. O professor explica que o contexto, na década de 1950, era o de produzir alimentos no pós-guerra. A questão do bem estar animal nem era levada em consideração. O assunto começou a ganhar importância a partir de 1964, quando a britânica Ruth Harrison publicou o livro “Animal Machines”, que mostrava a dura realidade da criação intensiva de animais. A partir de então, começou a surgir um forte movimento global demandando um tratamento mais adequado aos animais de abate. “Estamos entrando em um momento de conflito, no qual as ONGs pressionam cada vez mais, e os produtores tentam defender seus modelos de produção”, afirma o professor.

Esse parece ser o caso desse novo embate entre a Mercy for Animals e os suinocultores. Em nota, a Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), que representa os granjeiros, diz que “não é correto afirmar que o Brasil está atrasado em relação ao tema ” Segundo a ABPA, as maiores empresas do setor já assumiram o compromisso de extinguir a prática, dentro de um prazo pré-estabelecido. De fato, BRF, Aurora e JBS, os três maiores do País, já disseram que vão abolir as celas, até 2026. O frigorífico Frimesa estabeleceu o mesmo prazo. A ABPA afirma, ainda, que não existe legislação em nenhum país produtor sobre esta prática. “Esta é uma questão que parte da imposição de determinados grupos empresariais”, diz a nota. 

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