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domingo, 11 de novembro de 2018

O príncipe da magistocracia

Moro cruza fronteiras da ética institucional e compromete a independência e a imagem de imparcialidade do Judiciário

O juiz Sérgio Moro foi alçado, por nossa conta e risco, a um patamar acima do bem e do mal. Suas ações e palavras passaram a ser lidas pelo signo da virtude, sobretudo da coragem, da honestidade e do heroísmo. Manias de sacralização não terminam bem na história democrática, nem à esquerda nem à direita; nem para o sacralizado e muito menos para o sacralizador. A aclamação deixa a visão nublada, interdita a crítica e confere uma licença para agir que escapa aos canais ordinários de prestação de contas. Permitimos que Moro preste contas apenas a sua consciência, não às instituições de controle. E ele soube se valer dessa onda redentora que lhe vestiu o manto da infalibilidade.

O Judiciário e parte da sociedade têm conferido aos atos de Moro um selo de integridade presumida. Questão de caráter, não de legalidade. Quando liberou sigilo de interceptações telefônicas de modo ilegal; quando ordenou condução coercitiva espetaculosa de modo ilegal; quando se insubordinou a decisão de desembargador e, num domingo de férias, telefonou para a Polícia Federal, articulou com o presidente do tribunal e emitiu despacho à distância; ou quando liberou delação premiada de nenhum valor probatório, mas de grande octanagem política dias antes da eleição, atos com tempo bem calculado, engolimos suas explicações professorais de bolso. [quando orForam variações da explicação ao STF, a quem pediu “respeitosas escusas”: “Não teve por objetivo gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos”.

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segunda-feira, 2 de abril de 2018

Magistocracia, a “gran famiglia” judicial brasileira


“Governo de juízes” é expressão hiperbólica que aponta usurpações de poder pelo Judiciário na separação de Poderes. “Ativismo judicial” é equivalente 

A democracia brasileira depositou no Poder Judiciário parte das esperanças de transformação social trazidas pela Constituição de 1988. A aposta aliou um catálogo de direitos a um repertório de ferramentas processuais de efetivação. Essa espetacular missão, contudo, caiu no colo de magistocratas. A magistocracia é mais nociva do que o temido “governo de juízes”. Magistocratas não querem tanto o ônus de governar e responder por seus atos, pois preferem o gozo discreto de seus privilégios materiais e de status. Não ser incomodados em seu condomínio lhes basta: realizam-se no exercício de seus micropoderes privados, fora dos holofotes. Ali está sua concepção de vida boa.

>> Outras colunas de Conrado Hübner

A promessa de 1988 fracassou e a corporação judicial tem sua fração de responsabilidade. Permaneceu refratária à incorporação de princípios de controle e de transparência a sua estrutura e sua prática institucionais e ampliou modestamente o acesso à Justiça e o grau de pluralidade demográfica dos juízes de primeira instância. Resistiu quanto pôde às mais simples formas de abertura e prestação de contas.

Magistocratas vivem num mundo à parte. O processo de assimilação à corporação passa por uma eficiente anestesia ética: 
- poucos têm tamanho contato, desde o andar de cima, com as mazelas do andar de baixo da sociedade brasileira; 
- poucas instituições têm tamanha capilaridade e oportunidade de proteger os mais vulneráveis contra abuso do poder político e econômico; 
- não há quem melhor pratique seu poder corporativo para pleitear gratificações nos métodos da baixa política. 
Pouco importa qualquer valor republicano ou ponderação de justiça desabonadores.

“Governo de juízes” é expressão hiperbólica que aponta usurpações de poder pelo Judiciário na separação de Poderes. “Ativismo judicial” é equivalente.

A magistocracia é distinta: corrói a cultura democrática e sua pretensão igualitária
(...) 

A magistocracia tem cinco atributos: é autoritária, autocrática, autárquica, rentista e dinástica. Autoritária porque viola direitos ...
(...)

autárquica porque repele a prestação de contas (e sequestra o orçamento público a título de “autonomia financeira”);

A batalha pelo aumento salarial fantasiado de auxílio-moradia (com isenção tributária) é exemplo menor de uma patologia profunda. O líder momentâneo da causa é um magistocrata de raiz, o ministro Luiz Fux. Quatro anos e mais de R$ 5 bilhões — depois, retirou o caso da pauta do STF e afirmou que a Câmara de Conciliação do governo federal vai buscar “saída de consenso” entre as partes. 

Pretexto malandro, pois não há partes a ser conciliadas diante de situação ilegal. A desfaçatez é a de sempre. Foi o mesmo ministro que, ao fazer lobby pela nomeação de sua filha de 35 anos de idade a desembargadora do Rio de Janeiro, dizia: “É o sonho dela. É tudo o que posso deixar para ela” (revista Piauí, abril de 2016). Deu certo. A família, claro, agradece. [a filha do ministro Fux, desembargadora Mariana Fux, mora e trabalha no Rio de Janeiro,  e mesmo sendo proprietária de dois apartamentos no Leblon recebe auxílio-moradia.]

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