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domingo, 11 de novembro de 2018

O príncipe da magistocracia

Moro cruza fronteiras da ética institucional e compromete a independência e a imagem de imparcialidade do Judiciário

O juiz Sérgio Moro foi alçado, por nossa conta e risco, a um patamar acima do bem e do mal. Suas ações e palavras passaram a ser lidas pelo signo da virtude, sobretudo da coragem, da honestidade e do heroísmo. Manias de sacralização não terminam bem na história democrática, nem à esquerda nem à direita; nem para o sacralizado e muito menos para o sacralizador. A aclamação deixa a visão nublada, interdita a crítica e confere uma licença para agir que escapa aos canais ordinários de prestação de contas. Permitimos que Moro preste contas apenas a sua consciência, não às instituições de controle. E ele soube se valer dessa onda redentora que lhe vestiu o manto da infalibilidade.

O Judiciário e parte da sociedade têm conferido aos atos de Moro um selo de integridade presumida. Questão de caráter, não de legalidade. Quando liberou sigilo de interceptações telefônicas de modo ilegal; quando ordenou condução coercitiva espetaculosa de modo ilegal; quando se insubordinou a decisão de desembargador e, num domingo de férias, telefonou para a Polícia Federal, articulou com o presidente do tribunal e emitiu despacho à distância; ou quando liberou delação premiada de nenhum valor probatório, mas de grande octanagem política dias antes da eleição, atos com tempo bem calculado, engolimos suas explicações professorais de bolso. [quando orForam variações da explicação ao STF, a quem pediu “respeitosas escusas”: “Não teve por objetivo gerar fato político-partidário, polêmicas ou conflitos”.

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Nesse regime de “respeitosas escusas”, Moro abraçou uma excêntrica ética da imparcialidade judicial, a ética da “la garantía soy yo”, ou do “acredite em mim”. Decisões que pareceriam extravagantes na caneta de muito juiz, se proferidas por Moro passam a ser percebidas como instrumentos para o bem, não importam os meios. Ao aceitar convite para ser ministro, Moro ajudou a fechar a narrativa do juiz partidário, dentro do script que ele mesmo havia imaginado, ao dizer que assumir cargo político afetaria a credibilidade de seu trabalho. Mas nos ensinou, em mais uma de suas explicações professorais, que este é um cargo “predominantemente técnico, não político”.
Não bastou a Moro aceitar o convite. Em vez de se exonerar, resolveu pedir férias que “permitirão que inicie as preparações para a transição de governo”. Lembremos que Moro de férias é um perigo: pode suspender o descanso e reativar sua jurisdição à distância em caso de urgência na Lava Jato. Mas o problema maior é outro. Não será simples ao Judiciário recuperar-se do dano que Moro lhe inflige, mas talvez a magistocracia não se preocupe com isso.
Seguiu-se um capítulo digno do Febejapá (o Festival de Barbaridades Judiciais que Assolam o País): a própria Justiça Federal organizou, em sua sede, entrevista coletiva para o juiz Moro (em férias) falar na condição do ministro Moro (do time de transição). Moro colocou-se na posição de fiador do novo governo ao declarar que, entre as razões para aceitar o convite, estava a percepção geral de que o governo não daria certo.
A necessidade de superministros com superpoderes é inversamente proporcional à confiança que Bolsonaro desperta no mercado internacional e na diplomacia ou a seu apreço pela lei. A composição do ministério parece se orientar pela redução de danos. Moro pode ajudar nessa tarefa, mas precisa aperfeiçoar sua noção de “dano”: quando declarou que “frases infelizes” de Bolsonaro não serão “políticas de governo” e que Bolsonaro “parece moderado” nas conversas, afirma que frases são inofensivas. Frases de presidente já são atos: poderia dar atenção ao que já acontece nas ruas, nas casas, nas salas de aula.
Movimentos para “mudar tudo que está aí” foram encarnados, na história brasileira, por personagens eleitos como Jânio Quadros e Fernando Collor (para não falar dos não eleitos). A aposta em líderes infames para nos salvar da infâmia coletiva não é ironia, mas tragédia. O raio higienizador, na versão engravatada ou fardada, deu no que deu, mas o fenômeno tem notável capacidade de reciclagem no tempo. Chegou a vez da versão togada, a ser conduzida pelo mais recente príncipe da magistocracia, que ignora a velha corrupção institucional sob as barbas da lei (que, entre outras, fura o teto constitucional para se manter no 0,1% mais alto da pirâmide social brasileira). Não é tragédia, mas farsa.




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