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sexta-feira, 12 de maio de 2023

Alexandre, o Supremo - Augusto Nunes

Revista Oeste

Depois de atropelar o Legislativo, o Executivo, o Ministério Público e a Constituição, Moraes assume a chefia do Judiciário 


 Alexandre de Moraes | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Premiado com a mais cobiçada das togas em março de 2017, Alexandre de Moraes teve de suportar durante longos 24 meses o semianonimato imposto a todo caçula do Supremo Tribunal Federal. Ao longo desse período, no papel de coadjuvante ou mero figurante, o único ministro indicado por Michel Temer torceu para que a mão do destino recomeçasse o desfile de acasos que acabariam por depositá-lo na Praça dos Três Poderes. No primeiro, o despejo de Dilma Rousseff instalou o vice no comando do Executivo. 
O segundo ocorreu durante a montagem do novo governo: o advogado Antonio Cláudio Mariz de Barros já caprichava na pose de ministro da Justiça quando Temer desistiu de nomear um dos mais ferozes inimigos da Operação Lava Jato. Sobrou para Alexandre de Moraes, até então secretário de Segurança Pública de Geraldo Alckmin.

Formado pela Faculdade do Largo de São Francisco
, aprovado pouco depois no concurso para ingresso no Ministério Público, o paulistano Moraes dividiu-se entre as aulas de Direito Constitucional, a publicação de livros sobre questões jurídicas e a vida de promotor de Justiça até topar com as pompas e fitas da política profissional. 
 Em duas passagens por secretarias estaduais, esforçou-se para candidatar-se ao governo de São Paulo pelo PSDB. Não deu certo. Durante a escala numa secretaria municipal, tentou entrar na disputa pela prefeitura da capital. Não funcionou
Parecia posto em sossego no Ministério da Justiça e da Segurança Pública no momento em que foi resgatado pelo imponderável: o acidente aéreo que matou Teori Zavascki abriu uma vaga no STF. E Alexandre de Moraes foi incorporado à altíssima cúpula do Poder Judiciário.  
O então governador Geraldo Alckmin, durante a apresentação do novo secretário de Segurança Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes (17/12/2014) | Foto: Edson Lopes Jr/A2

Em março de 2019, dois anos depois do desembarque, o ainda caçula do Egrégio Plenário pressentiu que enfim chegara a sua hora. 
 Sitiado por denúncias e suspeitas que envolviam tanto os titulares do Timão da Toga quanto seus parentes, o presidente Dias Toffoli resolveu escalar o colega menos experiente no comando do ataque
Sem tempo a perder com o sistema acusatório brasileiro, Toffoli mandou às favas o Ministério Público e abriu o Inquérito 4.781 por conta própria. Segundo a legislação, isso só é permitido se o fato a investigar tiver ocorrido nas dependências da Corte. Toffoli anexou à sede do STF todo o território nacional.

As normas internas ordenam que o relator de cada caso seja escolhido por sorteio. Sem consultar os demais presididos, o presidente encarregou Moraes de “investigar a existência de notícias falsas, denunciações caluniosas, ameaças e roubos de publicação, sem os devidos direitos autorais, infrações que podem configurar calúnia, injúria e difamação contra os membros da Suprema Corte e seus familiares.  
Assim nasceu o Inquérito das Fake News, vulgo Inquérito do Fim do Mundo. 
Assim deu-se o parto do aleijão jurídico que permitiria a um único ministro desempenhar simultaneamente os papéis de vítima, detetive, delegado, promotor, magistrado e juiz de recursos
Assim começou o aparentemente infinito cortejo de ilegalidades que faria de um ministro o homem mais poderoso do Brasil. Moraes virou Alexandre, o Supremo. Alexandre de Moraes foi indicado por Michel Temer para ingressar no STF | Foto: Divulgação
 
Como fracassou a tentativa de punir com censura e multas uma revista digital que publicara uma reportagem sobre Toffoli, poucos levaram a sério o pontapé inicial na Constituição. 
O fiasco inaugural, sabe-se agora, camuflava o ovo da serpente. 
Além dos sentidos mais primitivos do artilheiro, os erros da primeira ofensiva contra a liberdade de expressão acordaram o antigo promotor e o especialista em segurança pública. 
Esses dois Moraes sempre flexionaram com fluência e animação os verbos prediletos dos semeadores do medo, como punir, acusar, prender, castigar ou intimidar. Passados quatro anos, o balanço é perturbador. 
O inquérito inicial desdobrou-se em sete, ou oito, ou dez. 
Ninguém consegue informar com precisão porque todos correm em sigilo. Alguns são tão sigilosos que talvez nem mesmo Moraes saiba direito de onde vieram e para onde vão.

“O Brasil não é uma terra sem lei”, vive declamando o Protetor do Estado de Direito. A lei sou eu, falta avisar. Só ele sabe o que é verdade e o que é mentira. Só ele conhece a diferença entre informar e desinformar

Nenhum dos Poderes escapou. Em 2020, ao interditar a nomeação do delegado Alexandre Ramagem para a Superintendência da Polícia Federal, implodiu a norma legal que atribui exclusivamente ao chefe do Executivo a escolha do ocupante do cargo. Em 2021, atropelou o Legislativo, aposentou a Constituição, suspendeu a imunidade parlamentar e inventou o flagrante perpétuo — tudo para prender o deputado federal Daniel Silveira por delitos enquadrados desde sempre no trecho do Código Penal reservado aos crimes contra a honra. 
Em abril de 2022, Moraes liderou o STF no julgamento que condenou o ainda deputado a quase nove anos de prisão. No dia seguinte, Jair Bolsonaro contemplou Silveira com a graça presidencial — um indulto individual que só o presidente da República pode conceder.

“A graça de que trata este decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória”, ressaltou um trecho do documento. “Essa é uma atribuição do presidente da República, gostemos ou não”, concorda o vídeo em que o ministro ensina que ninguém tem o direito de fazer o que vem fazendo obsessivamente na perseguição a um dos seus alvos preferenciais. Um dia depois de encerrado o mandato, o xerife Moraes atropelou o professor Moraes para prender Silveira de novo. Silveira já não podia invocar a imunidade parlamentar. Mas o ministro perdera o direito de julgá-lo: um ex-deputado não tem foro especial. “O Brasil não é uma terra sem lei”, vive declamando o Protetor do Estado de Direito. A lei sou eu, falta avisar. Só ele sabe o que é verdade e o que é mentira. Só ele conhece a diferença entre informar e desinformar. Só ele conhece a fórmula que livrará a pátria em perigo dos fascistas, dos golpistas, das usinas de fake news, dos atos antidemocráticos e do gabinete do ódio.      O ministro Moraes decide, todos os outros dizem amém. Ou quase todos.
"Alexandre de Moraes defendeu indulto presidencial no STF, em 2018"
 
Os responsáveis por esse “quase” que se cuidem, informou o desempenho de Moraes na sessão do STF que anulou o perdão presidencial e manteve Silveira na cadeia. Primeira a votar, a presidente Rosa Weber endossou a eternização do castigo. Moraes mostrou quem manda por lá no começo do segundo voto, enunciado pelo dissidente André Mendonça. O ministro indicado por Bolsonaro registrou que, depois da condenação de Silveira, “surgiram várias vozes na sociedade dizendo que a pena teria sido excessiva”. Moraes revidou com um olhar de grosso calibre.

Eu cito neste sentido… é… entrevista dada ao… Es… ao jornal O Estado de S. Paulo… pelo… por Fernando Abrucio, a… em matéria publicada no dia 28 de abril de 2022 — gaguejou Mendonça. — Diz a chamada da matéria: “Pena de Daniel Silveira foi um pouco exagerada e Congresso não deu suporte ao STF, diz pesquisador”.

— Permite uma pergunta, ministro André?
— interrompeu a voz abaritonada, ajustando o timbre de feitor.

— Permito.

— O Abrucio é jurista?

— Não, mas…

— Só pra que conste dos anais.


— Não, mas… mas cito também Fernando Capez, consultor jurídico, que foi colega de Vossa Excelência…

— E à época também deputado… candidato a deputado pelo partido do presidente.

— E cito Valdo Cruz. Aqui ele não faz referência a nenhum jurista…

— E também não é jurista.


— Não, não é… mas ele diz o seguinte… salvo que a gente vá dizer que é fake news. Podemos até dizer.

— Levando em conta quem tá sendo julgado, é até possível — encerrou Moraes.

Que “eminente ministro”, que nada. Que “Vossa Excelência”, que nada. Quem prende ou solta quem quer agora dispensa aos colegas o tratamento que lhe der na telha. Um “ministro André” já está de bom tamanho. É excesso de gentileza para quem, onisciente desde os tempos do berçário e onipresente depois dos distúrbios de 8 de janeiro, merece esbanjar onipotência.  
Não é para qualquer vivente prender mais de 1.500 de uma vez só, ressuscitar o exilado sem julgamento e o preso político, conceber a prisão preventiva sem prazo para terminar, manter advogados longe dos autos, engaiolar sem condenação transitada em julgado um indígena, um tenente-coronel e um ex-ministro da Justiça, lotar celas imundas com mulheres idosas ou jovens mães, interferir em votações no Congresso, deformar projetos de lei com emendas da própria lavra, confiscar passaportes por atacado, lacrar contas bancárias, negar a empresários o acesso a redes sociais, impor multas calculadas em milhões e seguir ampliando em ritmo de Fórmula 1 a produção de tornozeleiras eletrônicas — fora o resto. Tudo em defesa do sistema democrático.

Paciência tem limite, avisam os sinais de cansaço emitidos pela imprensa convencional ou por aliados de Lula. 
Um artigo publicado no Estadão por um grupo de juristas que inclui Antonio Cláudio Mariz de Oliveira, por exemplo, protestou contra as restrições impostas aos advogados de brasileiros presos em Brasília desde 9 de janeiro deste ano. “Foi impossível exercitar o direito de defesa”, diz um trecho. “Foram apresentadas denúncias contra centenas de pessoas, embora os textos dessas petições iniciais não contenham descrições pormenorizadas das condutas de cada um dos acusados. São peças genéricas, em que se repetem as mesmas frases, mudando apenas o nome do cidadão ou da cidadã a quem se imputam crimes a mancheias. Quase não se julgam mais habeas corpus nas turmas do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça. A regra é a prolação de julgamento monocrático.”

Também neste início de maio, o mesmo jornal vergastou em editorial a mais recente ofensiva de Moraes contra as empresas Brasil Paralelo e Spotify. Há graves erros na decisão de Alexandre de Moraes. Em primeiro lugar, ela se baseia em uma profunda incompreensão do papel do Judiciário no Estado Democrático de Direito. Nenhum juiz é árbitro do debate público no País, menos ainda com decisões de ofício, menos ainda sobre projetos de lei em tramitação no Congresso Nacional. Absolutamente descabido, o papel de tutor arvorado pelo ministro do STF agride profundamente a liberdade de expressão e o exercício da cidadania. (…) A decisão tem também sérias deficiências de fundamentação. Não basta dizer, por exemplo, que ‘a liberdade de expressão não é liberdade de agressão’, ou que ‘as redes sociais não são terra sem lei’. Mesmo que dispusesse de atribuição jurisdicional para atuar assim, o magistrado teria, no mínimo, de indicar onde os conteúdos que precisam ser removidos agridem terceiros ou desrespeitam a lei.” Editorial do jornal Estado de S. Paulo (4/5/2023) | Foto: Reprodução

“É preciso cassar, com urgência, a decisão de Alexandre de Moraes”, recomenda o editorial. É preciso mais que isso. 
O Brasil real, o Brasil que pensa e presta, esse precisa livrar-se da pandemia de medo, compreender que todo o poder emana do povo, aprender que não existem homens providenciais e decretar o encerramento da Ópera do Prepotente. Democracias dispensam tutores — pouco importa se apareçam fardados, de terno ou de toga.

Leia também “O colosso maranhense”
 
 
 

quinta-feira, 15 de agosto de 2019

O SUPREMO, SUA FUNÇÃO CONTRAMAJORITÁRIA, E ... GEORGE SOROS - Percival Puggina

Com a mesma liberdade de opinião que me permitiu escrever na legislatura anterior que aquele era o pior Congresso Nacional que conheci, afirmo agora, fazendo coro com José Nêumanne, que esse STF é o pior que já vi atuar. Não apenas porque, usando o eufemismo da moda, “flerta” com a ditadura do Judiciário e realiza proezas nunca vistas, mas porque, com ares missionários, antagoniza a nação. O que para a sociedade é Verdade e Valor, para o STF é objeto de correição. O Supremo se orgulha de agir em dissintonia com a sociedade.

Entenda-se. Um ministro da Corte, ao deliberar, não tem entre seus deveres interrogar-se sobre o que as pessoas pensam a respeito do assunto. Não está imposta a ele a obrigação de promover pesquisa de opinião ou enquete a cada voto que deva dar, muito embora, por vezes, sejam promovidas audiências públicas. Opiniões lhes chegam, de regra, via contraditório expresso pelas partes. No entanto, o problema que abordo aqui tem outra natureza e se vincula ao modo como o atual colegiado foi formado. Lula e Dilma indicaram 13 ministros, dos quais sete permanecem no cargo. Desnecessário dizer o quanto essas designações foram influenciadas pelo critério ideológico. Nos governos petistas ele era determinante, até mesmo, da escolha do jardineiro e do fornecedor de frutos do mar. Camarões de esquerda. Lagostas trotskistas. De nenhum dos quatro remanescentes se poderá dizer que tenham qualquer afinidade com o pensamento conservador, majoritário na sociedade. Bem ao contrário!

Os longos anos de petismo, resultantes de um tempo em que o ambiente cultural estava hegemonizado pelo pensamento de esquerda, dito “progressista”, viabilizaram ampla maioria na Corte. Para piorar a situação, os três ministros anteriores a esse tempo sinistro, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello, com diferenças de ritmo, batem no mesmo tambor. E o ministro subsequente, Alexandre de Moraes, já deixou claro a que veio. Na parte final dessa linha de tempo, contudo, surgiram as redes sociais, democratizando o direito de opinião, dando voz a conservadores e liberais, e revelando, para escândalo dos ditos progressistas, o perfil majoritariamente conservador da sociedade brasileira. Decisões do STF repercutem de modo muito mais intenso nas redes sociais do que nas colunas dos jornais. E o desgosto da sociedade se manifesta.

Qual a reação do Supremo, evidentemente deslocado e isolado, com pouco espaço no mundo das ideias vigentes na sociedade, indigesto e desprestigiado, perante essa situação? Como o descomunal orgulho dos senhores ministros responde à sociedade? Proclamando seu papel contramajoritário!  Eis a grande sacada na cartola dos péssimos argumentos, adulterando o sentido original do termo "contramajoritário", que significa discordar de algo aprovado pelo Parlamento e sancionado pela Presidência. Na concepção do STF, o vocábulo passou a significar a recusa aos valores dominantes na sociedade, propagandeada como se fosse virtuosa atribuição do Poder. Caberia ao STF ensinar o povo a pensar segundo o modo como os onze interpretam os princípios constitucionais. 

Os onze sabem mais do que todos, mais do que os grandes filósofos gregos, mais do que os grandes teólogos. Nenhum destes, claro, mais qualificado do que George Soros e a Nova Ordem Mundial com suas ideias “progressistas” sobre aborto, ideologia de gênero, feminismo radical, controle de armas, globalismo, imigração, "politicamente correto" e engenharia social.
Alguém, aí, abra a janela que eu preciso de ar puro.

Percival Puggina (74), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.