ISTOÉ examinou as 820
páginas de processo em poder do STF. Os documentos incluídos como provas
por João Santana e Mônica Moura mostram que a petista teve despesas
pagas com dinheiro da corrupção, atuou dentro do Palácio do Planalto
para obstruir a Justiça e participou do petrolão
A ex-presidente Dilma Rousseff nunca deu ouvidos para aquilo que o
filósofo espanhol José Ortega y Gasset chamava de fundo insubornável do
ser. Ou seja, o mais íntimo pensamento naquela hora em que o indivíduo
encara o seu reflexo no espelho e tenta reconhecer a própria face. Para
alcançar o poder e nele se manter a todo custo, repetindo uma prática de
seu antecessor, Dilma sustentou uma imagem que nunca lhe pertenceu: a
de uma mandatária pudica e incorruptível.
Mesmo depois do impeachment,
ela insistia em se apresentar, em andanças pelo País e palestras
além-mar, como uma espécie de vestal desprovida de mácula, vítima das
circunstâncias. Não é possível mais manter a retórica de pé. ISTOÉ teve
acesso às 820 páginas que compõem o processo de colaboração premiada dos
marqueteiros João Santana e de sua mulher, Mônica Moura. Os documentos
anexados como provas vão além da delação – e a liquidam de vez.
Desmontam a tese, alardeada nos últimos dias por Dilma, de que aquele
que atuou durante anos como o seu principal conselheiro político, bem
como sua esposa, mentiram à Justiça em troca da liberdade.
Agenda entregue à Lava Jato por Mônica
Moura com o registro “reunião pessoal tia” e bilhetes de viagem (trecho
Nova York-Brasília) ajudam a comprovar encontro mantido entre a
publicitária e a então presidente Dilma Rousseff em novembro de 2014.
Na reunião, Dilma disse que estava preocupada que a Lava Jato chegasse à
conta na Suíça, que recebeu depósitos de propinas da Odebrecht
A militância costuma preferir narrativas a provas, para dourá-las ao
sabor de suas conveniências. Não é o caso aqui. Reportagem de ISTOÉ tira
o véu da “ex-presidenta inocenta”. A papelada comprova que Dilma
incorreu em toda sorte de crimes ao ter: 1. Despesas pessoais pagas com
dinheiro de corrupção desviado da Petrobras, mesmo quando não estava em
campanha; 2. Atuado dentro do Palácio da Alvorada no sentido de tentar
obstruir a Justiça; 3. Orientado a ocultação de recursos ilícitos no
exterior e 4. Determinado a transferência de dinheiro sabidamente ilegal
para os cofres de sua campanha, por meio de integrantes do primeiro
escalão do governo. Em suma, os documentos atestam que a ex-presidente
da República, durante o exercício do cargo, participou ativa, direta e
pessoalmente do esquema do Petrolão.
(...)
A petista demonstra que sempre desprezou as lições políticas de
Maquiavel. A principal delas: “quando um governante deixa tudo por conta
da sorte, do acaso, ele se arruína logo que ela muda”. Dilma contou
muito com a sorte, até ser bafejada por ventos desfavoráveis. Depois de
apeada do Planalto, a ex-presidente foi citada em 38 fatos de
irregularidades na delação da Odebrecht, muitos dos quais se configuram
crimes, como o uso de dinheiro sujo da corrupção na Petrobras. Por isso,
a petista deverá responder a vários inquéritos por corrupção quando as
delações chegarem ao juiz Sergio Moro, como já decidiu o ministro do
STF, Edson Fachin. Hoje, ela já responde a um inquérito criminal por
obstrução de Justiça ao tentar nomear Lula ministro da Casa Civil.
Coragem
Juristas ouvidos por ISTOÉ destacam que o material encalacra Dilma.
Criminalista com 20 anos de experiência e especialista em direito penal
pela Fundação Getúlio Vargas e Universidade Coimbra, Jair Jaloreto
destaca que os fatos narrados indicam embaraço às investigações. “Em
tese, qualquer pessoa que saiba que vai haver diligência e faz algo para
impedir que essa ação seja exitosa, pratica obstrução da Justiça. Vinga
o princípio de que todos são inocentes até que se prove o contrário,
mas, se há provas suficientes, ela pode ser investigada, processada e
condenada.” Professor de direito penal da Universidade Estácio de Sá,
Rafael Faria diz que as delações e os documentos são fortes o suficiente
para embasar o indiciamento da ex-presidente. Já o professor de direito
e de temas anticorrupção na Universidade de Brasília, Thiago Sombra,
destaca que as provas, em seu conjunto, formam um cenário devastador
para a petista. “Isoladamente, seriam provas indiciárias, mas, quando
consideradas no todo, têm um grau de consistência elevado”, avalia.
Em discurso de posse da primeira eleição em 2010, Dilma invocou um
trecho da obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. “O correr da
vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí
afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é
coragem”. Não faltou coragem para Dilma. De fato é preciso coragem para,
na condição de presidente da República, bolar dentro das fronteiras do
Palácio da Alvorada uma estratégia sorrateira de comunicação eletrônica,
a partir da criação de um email secreto, a fim de alertar subordinados
sobre a iminência de suas prisões – o que configura obstrução clara e
manifesta de Justiça. Do mesmo modo, é preciso muita coragem para
ordenar, do alto do cargo de presidente da República, que terceiros
bancassem suas despesas pessoais – e com o dinheiro sujo da corrupção.
Como também são necessárias doses cavalares de coragem, além da certeza
da impunidade, para sugerir a transferência de uma conta-paralela da
Suíça para Cingapura destinada a acobertar ilegalidades das quais foi
cúmplice. Para Dilma, o excesso de coragem pode sair caro. A
ex-presidente quebrou um País, atentou contra os preceitos republicanos,
e, se não roubou, foi no mínimo conivente. As barras da Justiça a
aguardam.
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