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sábado, 9 de novembro de 2019

Festa e fúria no solo do Brasil - Míriam Leitão



O bonito da democracia é que ela nunca está terminada, como a vida, na linda definição de Guimarães Rosa. Os petistas que choraram de tristeza no dia 7 de abril de 2018 ontem choravam de alegria com a saída de Lula da prisão, depois de longos 580 dias. Os antipetistas que gritaram “mito” para o atual presidente tiveram ontem um dia de fúria. Mas não há só dois lados na política. E o correr da vida é que vai definir a dimensão dos acontecimentos intensos desta semana.

[o BRASIL das PESSOAS DE BEM, deseja um Lula radical, com sangue nos olhos, acusador, implacável,  jararaca,  venenoso - em conduta típica de um CONDENADO, temporariamente, em liberdade e deve sempre ser lembrado que a liberdade, temporária, do petista NÃO ANULOU OS CRIMES QUE ELE COMETEU.

comentário decorrente da falta do notório saber jurídico:  
A suprema decisão se aplicou à esfera penal, a Lei de Ficha Limpa não foi modificada e Lula teve sua condenação confirmada por órgão colegiado]

A expectativa é exatamente qual será o caminho que Lula vai escolher. A parte enraivecida da militância quer que ele continue naquele tom da fala inicial, atacando “o lado podre da Justiça, o lado podre do Ministério Público, o lado podre da Polícia Federal e o lado podre da Receita Federal” que, segundo ele, “trabalharam para tentar criminalizar a esquerda, criminalizar o PT, criminalizar o Lula.” O desabafo era previsível. Mas, em uma conversa longa que tive com um dos políticos petistas esta semana ouvi frequentemente a expressão “frente ampla”. Haverá, como sempre, os raivosos e os que vão sugerir que ele amplie o diálogo para além do partido. Hoje parece preponderante a ala radical, que é representada pela presidente do PT, Gleisi Hoffmann. Ao mesmo tempo, Lula, que já se definiu como “uma metamorfose ambulante”, pode ir pelo caminho que indicou ao afirmar:
— Eu saio daqui sem ódio. Aos 74 anos meu coração só tem espaço para amor porque é o amor que vai vencer neste país — afirmou, depois de dizer que correrá o Brasil.

A operação Lava-Jato produziu tantos eventos concretos, tanto dinheiro de volta para os cofres públicos, tantas confissões, que seria preciso fechar os olhos completamente para achar que não houve uma epidemia de corrupção nos governos petistas.
Por outro lado, a partir do momento em que o juiz Sergio Moro, que o condenou, foi para o governo Bolsonaro, ele derrubou o muro que deveria separar o judiciário da política, ainda mais quando decisões judiciais interferem tão diretamente no xadrez da política. Lula responde a vários processos, mas o que o levou à prisão foi por ser supostamente dono de um apartamento no qual nunca morou. Este fato e tudo o que veio depois enfraquecem a confiança na sentença, até porque ela parece excessiva: nove anos, na primeira instância, que foi elevada para 12 anos na segunda. [(sic)]

O fato de ele ter saído após a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) dá a ele uma força maior. Se ele tivesse sido libertado após o pedido do MP para que se observasse a progressão da pena, o quadro seria outro. Pareceria concessão dos mesmos que o acusaram. Isso sem falar no risco do constrangimento de uma tornozeleira. Ele saiu mais forte. Mas a história não está terminada. [não pode ser olvidado que o condenado petista saiu por força de uma decisão do plenário do Supremo, integrado por onze ministros, proferida por seis ministros - cinco ministros confirmaram a constitucionalidade do entendimento de que criminoso condenado em segunda instância deve ser preso imediatamente após a confirmação da sentença em segundo grau.] 

Lula falou algumas vezes ontem que Fernando Haddad foi roubado na eleição. Não há qualquer evidência disso. Mas, quando ele compara o ministro da educação que Haddad foi e o atual, fica difícil não concordar com ele. O problema do governo Bolsonaro é que algumas pessoas são mais do que ruins para os cargos que exercem, chegam a ser bizarras. É o caso do atual ocupante do Ministério da Educação. [fosse o Poder Judiciário do Brasil cioso de sua preservação, Lula teria sido preso ontem mesmo, visto que ao dizer que Haddad foi roubado, acusou toda a Justiça Eleitoral.
Percebam que Lula tem acusado o Poder Judiciário várias vezes e sempre procurando manchar a imagem de um dos Poderes da República = Lula já chamou o Supremo Tribunal Federal de corte acovardada e agora insinua claramente que a Justiça Eleitoral foi conivente com uma eleição 'roubada'.]
Lula escolheu definir Bolsonaro como “mentiroso”. E diante das muitas fake news, uma delas esta semana sobre três empresas saindo da Argentina, fica difícil discordar dele.

Um Lula radical facilitará a polarização que ajudará Bolsonaro. Ele ganhou a eleição em parte encarnando o antiLula. Um Lula que tente construir pontes terá mais força. O ex-presidente saiu da prisão depois de ter mostrado uma resiliência impressionante. Nestes 580 dias perdeu irmão, amigos e um neto. Viu seu partido perder a eleição seguindo a estratégia que ele definiu, que eclipsou o próprio candidato. Foi acompanhado por uma militância fiel, mas aprisionou o partido em seu destino. O PT não conseguiu ter uma cara, um projeto que não fosse esperar pela saída de seu líder.

A longa discussão no STF mostra que a questão de quando começar o cumprimento da pena divide o país e o próprio Supremo. Os votos sustentaram argumentos opostos diante da mesma lei. O presidente Dias Toffoli deu um voto de minerva jogando o assunto para o Congresso.  Uma das mais belas frases de “Grande Sertão Veredas” é que “o mais importante e bonito do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas — mas que elas estão sempre mudando. Afinam e desafinam”. Democracia é assim.

Blog da Míriam Leitão, jornalista  - Coluna no GLOBO  - com Alvaro Gribel, de São Paulo

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Os papéis que desconstroem Dilma

ISTOÉ examinou as 820 páginas de processo em poder do STF. Os documentos incluídos como provas por João Santana e Mônica Moura mostram que a petista teve despesas pagas com dinheiro da corrupção, atuou dentro do Palácio do Planalto para obstruir a Justiça e participou do petrolão

A ex-presidente Dilma Rousseff nunca deu ouvidos para aquilo que o filósofo espanhol José Ortega y Gasset chamava de fundo insubornável do ser. Ou seja, o mais íntimo pensamento naquela hora em que o indivíduo encara o seu reflexo no espelho e tenta reconhecer a própria face. Para alcançar o poder e nele se manter a todo custo, repetindo uma prática de seu antecessor, Dilma sustentou uma imagem que nunca lhe pertenceu: a de uma mandatária pudica e incorruptível. 

Mesmo depois do impeachment, ela insistia em se apresentar, em andanças pelo País e palestras além-mar, como uma espécie de vestal desprovida de mácula, vítima das circunstâncias. Não é possível mais manter a retórica de pé. ISTOÉ teve acesso às 820 páginas que compõem o processo de colaboração premiada dos marqueteiros João Santana e de sua mulher, Mônica Moura. Os documentos anexados como provas vão além da delação – e a liquidam de vez. Desmontam a tese, alardeada nos últimos dias por Dilma, de que aquele que atuou durante anos como o seu principal conselheiro político, bem como sua esposa, mentiram à Justiça em troca da liberdade.


Agenda entregue à Lava Jato por Mônica Moura com o registro “reunião pessoal tia” e bilhetes de viagem (trecho Nova York-Brasília) ajudam a comprovar encontro mantido entre a publicitária e a então presidente Dilma Rousseff  em novembro de 2014. Na reunião, Dilma disse que estava preocupada que a Lava Jato chegasse à conta na Suíça, que recebeu depósitos de propinas da Odebrecht

A militância costuma preferir narrativas a provas, para dourá-las ao sabor de suas conveniências. Não é o caso aqui. Reportagem de ISTOÉ tira o véu da “ex-presidenta inocenta”. A papelada comprova que Dilma incorreu em toda sorte de crimes ao ter: 1. Despesas pessoais pagas com dinheiro de corrupção desviado da Petrobras, mesmo quando não estava em campanha; 2. Atuado dentro do Palácio da Alvorada no sentido de tentar obstruir a Justiça; 3. Orientado a ocultação de recursos ilícitos no exterior e 4. Determinado a transferência de dinheiro sabidamente ilegal para os cofres de sua campanha, por meio de integrantes do primeiro escalão do governo. Em suma, os documentos atestam que a ex-presidente da República, durante o exercício do cargo, participou ativa, direta e pessoalmente do esquema do Petrolão.


(...) 

A petista demonstra que sempre desprezou as lições políticas de Maquiavel. A principal delas: “quando um governante deixa tudo por conta da sorte, do acaso, ele se arruína logo que ela muda”. Dilma contou muito com a sorte, até ser bafejada por ventos desfavoráveis. Depois de apeada do Planalto, a ex-presidente foi citada em 38 fatos de irregularidades na delação da Odebrecht, muitos dos quais se configuram crimes, como o uso de dinheiro sujo da corrupção na Petrobras. Por isso, a petista deverá responder a vários inquéritos por corrupção quando as delações chegarem ao juiz Sergio Moro, como já decidiu o ministro do STF, Edson Fachin. Hoje, ela já responde a um inquérito criminal por obstrução de Justiça ao tentar nomear Lula ministro da Casa Civil.
 
Coragem
Juristas ouvidos por ISTOÉ destacam que o material encalacra Dilma. Criminalista com 20 anos de experiência e especialista em direito penal pela Fundação Getúlio Vargas e Universidade Coimbra, Jair Jaloreto destaca que os fatos narrados indicam embaraço às investigações. “Em tese, qualquer pessoa que saiba que vai haver diligência e faz algo para impedir que essa ação seja exitosa, pratica obstrução da Justiça. Vinga o princípio de que todos são inocentes até que se prove o contrário, mas, se há provas suficientes, ela pode ser investigada, processada e condenada.” Professor de direito penal da Universidade Estácio de Sá, Rafael Faria diz que as delações e os documentos são fortes o suficiente para embasar o indiciamento da ex-presidente. Já o professor de direito e de temas anticorrupção na Universidade de Brasília, Thiago Sombra, destaca que as provas, em seu conjunto, formam um cenário devastador para a petista. “Isoladamente, seriam provas indiciárias, mas, quando consideradas no todo, têm um grau de consistência elevado”, avalia.


Em discurso de posse da primeira eleição em 2010, Dilma invocou um trecho da obra de Guimarães Rosa, Grande Sertão: Veredas. “O correr da vida embrulha tudo. A vida é assim: esquenta e esfria, aperta e daí afrouxa, sossega e depois desinquieta. O que ela quer da gente é coragem”. Não faltou coragem para Dilma. De fato é preciso coragem para, na condição de presidente da República, bolar dentro das fronteiras do Palácio da Alvorada uma estratégia sorrateira de comunicação eletrônica, a partir da criação de um email secreto, a fim de alertar subordinados sobre a iminência de suas prisões – o que configura obstrução clara e manifesta de Justiça. Do mesmo modo, é preciso muita coragem para ordenar, do alto do cargo de presidente da República, que terceiros bancassem suas despesas pessoais – e com o dinheiro sujo da corrupção. Como também são necessárias doses cavalares de coragem, além da certeza da impunidade, para sugerir a transferência de uma conta-paralela da Suíça para Cingapura destinada a acobertar ilegalidades das quais foi cúmplice. Para Dilma, o excesso de coragem pode sair caro. A ex-presidente quebrou um País, atentou contra os preceitos republicanos, e, se não roubou, foi no mínimo conivente. As barras da Justiça a aguardam.

MATÉRIA COMPLETA em ISTOÉ