Paes sempre ardeu na tocha das vaidades.
Pelo bem do Brasil e dos atletas, desejo toda a sorte a ele
O sapato furado do prefeito Eduardo Paes, flagrado na entrevista ao jornal O Globo,
mostra que ele vem gastando muita sola nas ruas. O prefeito hiperativo
do Rio olímpico estava de terno sem gravata, como de hábito, disse estar
dormindo só três horas por noite, e pediu trégua. “Não para mim, mas
para a cidade.”
A trégua será automática se a Olimpíada
transcorrer em relativa paz e com poucas falhas de organização. Não há
implicância pessoal com o Rio de Janeiro. Ao contrário. Existe até
benevolência. Se fizer sol, então, o carioca e o turista aproveitarão
cada minuto de luz, beleza e festa nesse cenário de águas e montanhas.
Já é assim no Porto Maravilha, na Praça Mauá, no Museu do Amanhã, no VLT
(Veículo Leve sobre Trilhos). São legados positivos de um prefeito que
às vezes lembra o comediante Peter Sellers, no filme Um convidado bem trapalhão (The party).
Paes
espera ser vaiado na festa de encerramento da Olimpíada 2016. Foi o que
disse ao presidente interino, Michel Temer: “Fique tranquilo que o
senhor receberá a vaia da largada, e eu recebo a da saída”. Por que tudo
mudou tão rápido? Em 2012, Paes foi reeleito no primeiro turno com
votação recorde: 64,60% dos votos válidos. Mais de 2 milhões de
eleitores renovaram a confiança nele. Era um dos prefeitos mais
populares do Brasil.
Elogiado pela capacidade de trabalho, pelo amor ao
Rio, pela visão de administrador. “Vou trabalhar muito. Dar a cara
a tapa, sem receio de voltar atrás caso tome alguma atitude errada”,
disse ao ser reeleito. Trabalhou muito – ninguém nega – e hoje leva
tapas a torto e a direito. Pede desculpas a toda hora pela verborragia e
por “imprevistos”. A queda da ciclovia, o ápice dessa onda negativa,
ele chama de “a cereja ruim do bolo”. Paes foi atropelado pela crise
nacional. Seus maiores parceiros eram o “padrinho” Sérgio Cabral e a
“presidenta” Dilma Rousseff. Ambos caíram em desgraça, ele ficou sem pai
nem mãe.
Paes não cumpriu uma série de promessas de campanha, da
habitação popular à educação e saúde públicas. As Clínicas da Família e
as UPAs carecem de eficiência, nada de ensino integral, cadê as 50 mil
novas casas populares? A plataforma de Paes era incrível! Cultura, lixo,
esgoto, produções culturais, UPP social, asfalto liso, iluminação. Não
deu. Ele dirá que deu e apresentará números verdadeiros e fantasiosos.
Mas
Paes teve a coragem de derrubar aquele viaduto horrendo, o Elevado da
Perimetral, e revitalizar a zona portuária – a decadência daquele lugar
lindo não fazia jus ao Rio. Nenhum outro prefeito teria peitado a
enxurrada de críticas que se seguiu. Nenhum. E hoje fica todo mundo
maravilhado com o novo espaço. O BRT – corredor exclusivo dos ônibus –
era uma necessidade óbvia e antiga para o transporte no Rio. Óbvia, mas
quem fez foi Paes. Então, não dá para achar que tudo foi obra divina.
Sempre
foi falastrão e presepeiro. Em 2016 se superou. Seu diálogo gravado com
Lula, dizendo que o ex-presidente tinha “alma de pobre” por ter sítio e
barquinhos em Atibaia, menosprezando a cidade fluminense de Maricá
naquela linguagem de falso malandro carioca, foi uma mancha indelével.
Brincadeira de mau gosto, disse. Pediu desculpas, envergonhado. Mas não
parou de ser Paes.
Já na pré-Olimpíada, disse que ia botar um
canguru pulando para a delegação australiana se sentir em casa. Reagia
com uma piadinha inadequada à justa queixa do mau estado dos
apartamentos da Vila dos Atletas. Pediu desculpas, deu a chave da cidade
para a delegação. Ganhou um canguruzinho de presente. Disse agora
que o Rio “não pode pagar conta de caviar para os outros” – os
integrantes do Comitê Olímpico Internacional. O presidente do COI,
Thomas Bach, ficou irritado. Brincadeira. Paes ainda não pediu
desculpas. Para a surpresa de todos, o prefeito pegou a tocha olímpica e
saiu correndo com ela, quebrando a regra internacional que proíbe esse
privilégio a políticos no cargo.
Paes sempre ardeu na tocha das
vaidades. Durante a campanha de reeleição, em julho de 2012, ao
inaugurar a primeira fase das obras da zona portuária, ele chegou a
pensar em se fantasiar de Pereira Passos, prefeito do Rio entre 1902 e
1906, responsável pela maior reforma urbana da cidade. Assessores
convenceram Paes a desistir da pataquada. Um ator representou Pereira
Passos.
Além de vaidoso, teimoso. Talvez pague pela insistência em
apoiar Pedro Paulo como seu sucessor na prefeitura do Rio. Não há como
engolir toda a história cabulosa das agressões do deputado à ex-mulher.
Não engulo. Desejo a Paes toda a sorte do mundo na Olimpíada. Pelo
bem do Rio, do Brasil, dos atletas e dos amantes dos Jogos. O prefeito
já disse o que fará depois. “Vou tomar um porre. Vou ouvir samba e beber cerveja.” Cuidado com a ressaca.
Fonte: Ruth de Aquino - Época