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domingo, 12 de março de 2023

Prendam o morto: parece que Bolsonaro continua no Planalto, fala-se mais dele que de Lula - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Quando o cidadão encher o tanque do carro, não vai se lembrar de joias — vai culpar o governo

Criou-se no Brasil de hoje algo que nunca existiu antes na história deste país, desde 1500, e que talvez não tenha existido em país nenhum do mundo: o governo que não acaba
Já tivemos todo o tipo de governo por aqui, inclusive alguns que não foram ruins. 
Mas não havia acontecido, até hoje, o fenômeno do governo que não acaba nunca. É o caso de Jair Bolsonaro. 
 
Daqui a pouco vai fazer três meses que o homem saiu da Presidência e foi morar nos Estados Unidos. 
Não manda em absolutamente mais nada. Boa parte do que fez em seu governo está sendo demolida. Diante da monumental artilharia de acusações destinada a impedir que ele se candidate algum dia a uma nova eleição, seu futuro político parece variar entre o nulo e o não existente.  
Só lhe parece sobrar, agora, uma missa de réquiem mas, na prática, não está sendo assim
Ao contrário: parece que Bolsonaro continua despachando todos os dias do Palácio do Planalto. Fala-se mais dele do que de qualquer outra coisa.
 
O assunto, agora, é uma prodigiosa história sobre um estojo de joias que ele deveria ter recebido do governo da Arábia Saudita, não recebeu porque a coisa ficou presa na alfândega, mas teve a intenção de receber, conforme se acusa – o que, segundo os peritos que a mídia ouviu a respeito do caso, deixa aberta uma avenida nova em folha para acusações criminais contra o ex-presidente. [lembrem-se que a CPI da Covid - merecidamente mais conhecida como 'circo parlamentár de inquérito' - tentou acusar o presidente Bolsonaro    (retiramos o EX, afinal o governo declarado eleito insiste em que o presidente anterior continue despachando no Planalto, manter o EX é desnecessário)     de prevaricação em uma compra que não ocorreu.]
 
Para um homem já acusado pelos inimigos de genocídio, rachadinha, prevaricação, ligação com milícias, rolos não concluídos na compra de vacinas, tentativa de dar um golpe de Estado nas desordens do dia 8 de janeiro em Brasília e sabe lá Deus o que mais, parece não haver necessidade nenhuma de mais pancada – se Lula, o PT e a esquerda conseguissem mesmo o que estão querendo, isso tudo seria suficiente para deixar Bolsonaro na cadeia pelos próximos 1.500 anos.  
O motivo por que ele permanece no coração da vida política e do noticiário é outro. 
A intenção, aí, é esconder as bananas de dinamite que o governo Lula, com as decisões que vem tomando desde a posse, armou para explodir em cima da população
Estão semeando vento como nenhum governo semeou antes neste país; se continuarem assim, vão colher uma tempestade perfeita.

É infantil achar que Bolsonaro vai resolver esse problema, e os demais problemas de Lula, aparecendo todo dia no Jornal Nacional. Quando o cidadão encher o tanque do carro, daqui a X tempo, e ver o preço que pagou, não vai se lembrar de joias nem achar que está diante de umasuspensão da desoneração” dos combustíveis vai culpar o governo, direto, pela conta que recebeu.  

Não adiantará nada, aí, querer que prendam o morto.

J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S.Paulo

 

quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

O governo tem que facilitar, e não complicar

Levantamento feito pela Agência Nacional de Petróleo em postos de combustíveis no Brasil inteiro encontrou uma diferença de quase R$ 3 no litro do álcool hidratado entre o Rio Grande do Sul e São Paulo. Um posto do Rio Grande do Sul está vendendo o álcool a R$ 7,80 o litro. E, em São Paulo, o preço médio nem é o preço mais baixo - o preço médio é R$ 4,90. A maior parte das refinarias de álcool estão em São Paulo. Mas quase, praticamente R$ 3, porque esse é o preço médio em São Paulo. E está mais baixo em São Paulo por que?  
Consequência de uma medida provisória do governo autorizando a venda direta da refinaria para o posto. 
Não precisa fazer uma viagem até a distribuidora, para depois voltar para o posto. Pode vender para qualquer bandeira. Liberação é isso: o governo tem que abrir, facilitar, e não prender, amarrar, complicar para ficar tudo mais caro. Para fazer passeio por aí.
 
Na semana antes do Natal, o preço caiu muito, na maior parte dos estados. Em 19 estados o preço do litro do álcool caiu. Em Mato Grosso, chegou a cair 15% - ao passo que, no Rio Grande do Sul, esse preço em média é R$ 7, enquanto a média em São Paulo é R$ 4,90. Só para a gente registrar, comparar, na hora de abastecer. Tem muita gente, eu já ouvi muito motorista se queixar de que está vindo pela BR-101, por Santa Catarina, indo em direção ao Rio Grande do Sul, e abastece antes de entrar na divisa do Rio Grande do Sul.  
Porque no Rio Grande do Sul o imposto estadual é mais alto do que em Santa Catarina, e o preço do combustível fica mais caro, qualquer combustível.


Chuvas e inundações

Bahia sofrendo com chuvas, e também Minas Gerais, outros estados. Muita chuva neste verão. 
E o presidente Bolsonaro assinou uma medida provisória criando um crédito extraordinário de R$ 200 milhões para refazer estradas destruídas pelas chuvas, pelas inundações 
R$ 80 milhões para estradas baianas. 
Mas também vai para estradas do Pará, de São Paulo, de Minas Gerais e do Amazonas. Há mais de 20 mortos e mais de 30 mil desabrigados só na Bahia. É uma grande tragédia numa época em que a gente costuma festejar o Natal e o fim de ano.


A vitória de Alex

Quem está festejando também é o jogador que começou no Grêmio, o Alex dos Santos Gonçalves, que estava enrolado na Indonésia, não podia sair, estava sem o passaporte.                                                          E o governo brasileiro entrou nessa dando apoio diplomático e jurídico ao atleta. E o clube em que ele jogava, unilateralmente, violou o contrato reduzindo o salário dele em 75%. Aí ele se queixou para a FIFA, e a FIFA puniu o clube e mandou o clube pagar as diferenças.                                  O clube ficou furioso e retaliou, dando uma queixa na polícia, dizendo que ele já estava com o visto de trabalho vencido na Indonésia, por isso estava em situação irregular e a situação ficou difícil para ele voltar para o Brasil em festas de fim de ano, para se reunir com a família.

O governo brasileiro entrou nessa, conseguiu a liberação dele também, e ontem eu vi um tweet do presidente Bolsonaro e do ministro de Relações Exteriores, o ministro França, anunciando que ele havia passado na alfândega, na migração em Jacarta. Estava em um voo da Emirates para Dubai, ia fazer escala em Dubai, de lá iria para São Paulo, e de São Paulo ia voltar para Porto Alegre onde ele começou a carreira esportiva.

 Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


quarta-feira, 21 de abril de 2021

O lockdown da elite - Revista Oeste

J. R. Guzzo

Os governadores e prefeitos, como sempre, não levam em conta que a maioria da população brasileira é pobre. Por que iriam perceber agora, se nunca perceberam?

A política escolhida um ano atrás pelas “autoridades locais” para tratar da covid, caso se possa chamar de “política” o aglomerado de decisões tomadas ao acaso, no pânico e com uma burrice difícil de encontrar mesmo no secular histórico de incompetência do poder público no Brasil, é um hino à elite deste país. 
Talvez nada resuma de modo tão perfeito essa opção de enfrentar uma epidemia mortal pensando o tempo todo na porção mais rica, mais privilegiada e mais protegida da sociedade brasileira do que a oração suprema da “gestão” da covid: “Fique em casa”. É o Padre-Nosso e a Ave-Maria do “distanciamento social”, a única ideia que passou até agora pela cabeça dos que foram encarregados pelo STF de combater a covid — e que conseguiram, até agora, somar mais de 350 mil mortos (170 mil apenas neste ano), destruir a economia brasileira e arruinar milhões de vidas.
“Fique em casa”? Como alguém que precisa trabalhar todos os dias para sustentar a si ou à sua família pode “ficar em casa”? É um dos grandes clássicos de todos os tempos em matéria de atitude elitista diante da vida: “Vamos adotar a regra que seja melhor para nós; fora do nosso mundinho não existe nada, nem ninguém, que possa interessar.”  
É a convicção religiosa, arrogante e autoritária de quem se dá ao direito de decidir sobre a vida social no Brasil de hoje — com o apoio quase integral da mídia, das classes intelectuais e de tudo o que descreve a si próprio como “campo progressista”.  
 
Mas as pessoas que não pertencem à elite, essa elite que já está com a vida ganha, simplesmente não podem ficar em casa: não podem, ponto-final. 
São obrigadas a utilizar diariamente o transporte público; só em São Paulo, e só no sistema de metrô e de trens metropolitanos, são cerca de 8 milhões de passageiros por dia. Precisam abrir seus negócios para sobreviver, para pagar aos funcionários e para pagar as verbas rescisórias quando são obrigados a demitir esses funcionários. Precisam, em resumo, ir ao trabalho — inclusive para fornecer à minoria que tem o privilégio de fazer “distanciamento social” a alimentação, os remédios, os serviços de água encanada, luz elétrica e gás de cozinha, o delivery e tudo o mais que a elite confinada precisa e deseja 24 horas por dia.
Desde o primeiro decreto que os governadores e prefeitos, mais os seus secretários, médicos-burocratas e gerentes de marketing, baixaram na sua tentativa de “gerir” a covid, tudo foi feito para a minoria que forma a elite. 
Você sabe muito bem quem são eles — os ricos em geral e a classe média alta das cidades, em primeiro lugar. 
A maioria dos 12 milhões de funcionários públicos.  
(Os policiais, enfermeiros ou agentes da alfândega, por exemplo, continuam pegando no pesado todos os dias; para eles, e muitos outros, não há os luxos do home office.) 
Executivos de multinacionais, de bancos e de grandes empresas. Professores públicos e particulares. 
Cem por cento dos intelectuais, políticos e magistrados. Em suma: todos os que não precisam comparecer diariamente ao local de trabalho para ganhar salário ou prover a própria renda. 
É neles, e só neles, que as “autoridades locais” pensam dia e noite; são eles o público-alvo, e único, das entrevistas coletivas quase diárias que os governadores, os prefeitos e os seus “cientistas” dão em seu cenário de máscaras fashion e adereços variados de propaganda — tudo pago com o dinheiro da maioria, por sinal. (Só o governador João Doria, até agora, deu 200 entrevistas sobre o assunto; São Paulo, com 85 mil mortes, é o maior cemitério da covid em todo o Brasil, até porque é o Estado mais populoso.)
Para a elite que vai de luva ao supermercado e está preocupada em pegar covid no botão do elevador, as “autoridades locais” garantem que estão cortando o transporte público, para ver se forçam a pobrada a viajar menos; em São Paulo, já conseguiram eliminar 40% da frota de ônibus. [em Brasília,  o secretário de uma tal de mobilidade urbana, palavra que define a mobilidade que não se move, indagado pela imprensa como impedir aglomeração no transporte público, apenas respondeu: "a população deve evitar o transporte público". Lógico que o ENGANÊS, alcunha merecida do ainda governador do DF,  ,pelas promessas não cumpridas do DF, pensou em demiti-lo. Desistiu - poderia até perder o cargo...E, agora os marajás do metrô do DF, o metrô que consegue gastar o maior valor no planeta Terra para transportar passageiro x km2, criaram uma greve. 
Descobriram que tem uns horários e trechos em que os passageiros estão desobedecendo a regra primeira: fique em casa, mas sempre que possível se aglomere, especialmente no transporte coletivo.] 
Asseguram que a polícia está em cima da lojinha de bairro que pode, quem sabe, carregar o vírus até as coberturas. Os fiscais também estão ligadíssimos a tudo — aliás, esta é uma época de ouro para os fiscais, e para os chefes dos fiscais
Mandam prender, algemar e agredir quem vai à praia; querem reprimir o ar livre. Vendedor ambulante, que não tem onde cair morto? Nem pensar. Cogitam em cortar a venda de carvão para impedir o churrascão na laje — e, com isso, evitar que o vírus viaje até os bairros bons. Proíbem a venda de vassouras, panos de prato e raladores de queijo nos supermercados, e dizem que assim haverá menos gente disputando espaço nos corredores com a turma do “trabalho a distância”. Vetam a entrada do povo nas cidades: para eles, só quem tem casa de praia e de campo precisa ir do ponto “A” ao ponto “B” e, neste período em que a elite consciente, a favor da vida e socialmente responsável está evitando “deslocar-se” (ou permanece trancada nos lugares para os quais se mudou), o povão não tem nada de ficar andando de um lugar para o outro. As escolas têm de continuar fechadas para proteger a saúde dos professores e funcionários. E por aí vamos, até o infinito.

O estado da arte em matéria de incompreensão sobre como vive o Brasil real é a obsessão dos governadores, dos prefeitos e de seus comissários pelo “trabalho remoto”. Todas as vezes em que falam da epidemia, insistem na necessidade de valorizar o “escritório virtual” e de trabalhar “em casa”; não conseguem mudar de ideia nem de assunto. Não lhes ocorreu até agora, com um ano e tanto de covid, que a imensa maioria da população brasileira simplesmente não pode fazer home office tem de guiar ônibus, pendurar-se no poste de luz, carregar batata para o mercado, atracar navios no cais do porto e um milhão de outras coisas. Ou se faz isso, ou o país morre. Não entendem, de jeito nenhum, que o Brasil não é a Holanda; não admitem que é impossível fazer aqui exatamente o que se faz lá.

Nas periferias, não há entrevista com “cientista” nem editoriais contra o “genocídio”
É extraordinário que o comissário-chefe da covid em São Paulo tenha dito, na frente de todo mundo, que não estava “satisfeito” com a conduta dos cidadãos em matéria de transporte público — disse, com todas as letras, que há gente “demais” no metrô. Estão de tal forma fanatizados pelo “distanciamento social” que nem percebem mais quanto o seu discurso está ficando elitista, irreal ou apenas estúpido quando falam na epidemia. Tanto não percebem que deram, ultimamente, para jogar em cima da população a culpa por ficar doente
As pessoas não deveriam se aglomerar. Teriam de ficar mais “em casa”. Deveriam usar duas máscaras ao mesmo tempo, uma em cima da outra.
Após mais de 350 mil mortos e com taxas de infecção cada vez mais altas, as “autoridades locais” continuam convencidas, desesperadamente, de que o confinamento radical e o “fecha tudo” são as respostas mais corretas para a covid; quanto mais os seus métodos dão errado, mais elas insistem em continuar repetindo o que fazem. Como pode dar certo, se aplicam métodos iguais na esperança de obter resultados diferentes? 
O ciclo é aquilo que os norte-americanos chamam de no win situation. Fecham cada vez mais. Morre cada vez mais gente. Fecham mais ainda. É, também, a melhor tradição da elite brasileira a mesma que faz o país combater a seca com um Departamento Nacional de Obras contra a Seca, ou tratar o desastre mortal da educação pública dando cada vez mais dinheiro às universidades. É muito simples: veja, em todas as soluções preferidas pelos governos, quem ganha e quem perde. Só ganham os ricos, os aproveitadores do atraso e os ladrões de dinheiro público. A “gestão” da covid não é nem um pouco diferente.
O “distanciamento social” em São Paulo, para ficar na calamidade número 1 da epidemia no Brasil, só dá certo nos Jardins, em Higienópolis e no Itaim. Funciona também no Morumbi, é verdade, mas atenção — só na parte boa do Morumbi. A 100 metros das casas e dos apartamentos da classe média alta (e dali para cima), entre os 100 mil cidadãos que se aglomeram na favela de Paraisópolis uma das concentrações demográficas mais altas do Brasil o pau canta. 
 
Ali não há governo. Não há entrevista com “cientista” nem editoriais contra o “genocídio”. O “distanciamento social”, tão precioso na hamburgueria da Faria Lima, é equivalente a três vezes zero. 
É assim ali e é assim nas quebradas da São Paulo real, onde vivem 70% dos 12 milhões de habitantes do município e onde os sermões sanitários, morais e cívicos do comissariado de vigilância da quarentena não querem dizer nada
A título de ilustração, sugere-se uma visita ao Rodoanel, um favelaço contínuo e a olho nu que se estende, quase sem interrupção, por mais de 130 quilômetros nos dois sentidos da estrada — através de 16 municípios da área metropolitana, nos três trechos que foram construídos até agora. É lá que está a São Paulo de verdade — não a São Paulo de Doria, dos seus gerentes de covid e dos seus especialistas em comunicação social.
Os governadores e prefeitos, como sempre, não levam em conta ao baixarem as suas ordens que a maioria absoluta da população brasileira é pobre. Por que iriam perceber agora, se nunca perceberam? Receberam todo tipo de poder possível para combater a epidemia — inclusive o direito de expropriar imóveis, o de suprimir as liberdades de reunião, de ir e vir e de comércio, o direito de fechar igrejas e o de fazer compras sem licitação
Não foram incomodados, nem por um minuto, pela mídia ou pelo Ministério Público nos escândalos de corrupção que pipocam sem parar desde que receberam do STF a autonomia completa no trato da covid, sem nenhuma interferência do governo federal. Há mais de um ano, aliás, esse governo só serve para liberar verbas — que podem ser gastas sem prestação de contas pelas “autoridades locais”. Por que elas iriam querer outra vida?
É justamente nisso, por sinal — comando total, responsabilidade zero —, que está uma das marcas mais agressivas do elitismo radical que torna a vida pública no Brasil a calamidade que ela é
Plenos poderes para os governos estaduais e municipais quer dizer, na prática, plenos poderes para a elite. 
O que existe de mais elitista no Brasil do que uma “autoridade local”? Pense dois minutos no governador Doria, naquele outro que escolhe o que a população pode comprar no supermercado, ou nos senhores de engenho que governam os Estados do Nordeste
Mais elite que isso? 
Ou, fazendo outra pergunta: quanto, exatamente, você confia nessa gente? Acha, mesmo, que eles têm competência para tomar decisões que podem arrasar com a sua vida?
O fato, impossível de ser negado em qualquer sistema lógico de pensamento, é que a covid foi a primeira ameaça real, direta e imediata que a elite brasileira viveu em seus 520 anos de história
Saúde pública, até então, era problema do povão, só dele — portanto, que se danem o problema e o povão, como ficou provado pelo estado lamentável apresentado no início da pandemia pelos hospitais que se destinam a atender 90% da população do Brasil. Saúde pública? 
O que a elite protegida por planos médicos privados tem a ver com isso? E, se a elite nunca deu a mínima para a questão, por que raios algum governo, local, nacional ou universal, haveria de dar? 
O resultado é que, ao tornar-se um problema para os ricos e para a classe média, a covid passou a ser tratada como prioridade sacrossanta — e com soluções voltadas unicamente para o interesse das elites. Os demais que se arranjem — e os que não conseguem se arranjar, na cabeça dos “gestores” da epidemia, podem ir para o diabo que os carregue. É o Brasil da covid. É o Brasil de sempre.
[duas notas: surpresas podem surgir onde menos são esperadas. A CPI da covid, criada por determinação expedida por um ministro do STF mandando o presidente de um dos Poderes da República, tinha um alvo. 
Só que se esse alvo escorregar e outros forem alcançados? 
Quanto a conceder poderes totais as autoridades locais para combater à covid, é a porta principal para compras sem licitações, contratações de 'institutos' para gerir o combate à pandemia = ainda que metade dos gastos totais seja apenas para gerir os tais institutos.
E qual a razão de na metade do fim da 'primeira onda' da covid-19, começarem à desativação dos 'hospitais de campanha'?agora, estão sendo montados com o dobro do tempo e de custos.
Pessoal, tudo isso pode ser investigado e muitas vezes uma CGI custa menos e é mais rápida que uma CPI.]

Leia também “Loquidau, a hipnose”

J. R. Guzzo, jornalista - Coluna na Revista Oeste

 

domingo, 18 de agosto de 2019

Bolsonaro Intervém na PF - O presidente e as bananas - O Globo



Bernardo Mello Franco

O presidente e as bananas

Jair Bolsonaro não prima pela discrição. Na quinta-feira, o presidente atropelou a Polícia Federal e anunciou a remoção do superintendente no Rio. Na manhã seguinte, bateu no peito e confirmou a interferência política: “Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu”. O mandonismo presidencial já fez vítimas em diversas áreas do governo — do fiscal do Ibama que o multou ao diretor do Inpe que não aceitou esconder os números do desmatamento. Agora chegou a vez dos órgãos de combate à corrupção e ao crime organizado. Segundo Bolsonaro, o delegado Ricardo Saadi deixaria o posto por problemas de “gestão e produtividade”. A declaração irritou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, que desmentiu o presidente em nota oficial. O episódio esvaziou ainda mais o ministro Sergio Moro, a quem a polícia está subordinada.

A troca de Saadi foi antecipada por outro motivo: sob o comando dele, correm investigações sensíveis ao clã presidencial. O delegado despacha na Praça Mauá, mas coordena casos com potencial para abalar o Planalto. Um deles envolve o senador Flávio Bolsonaro, suspeito de ocultar bens nas eleições de 2014. Na época, o faz-tudo Fabrício Queiroz já assinava cheques em seu gabinete na Alerj.  Também corre na PF fluminense o inquérito sobre a trama montada para encobrir os assassinos da vereadora Marielle Franco. O crime ocorreu há 522 dias, mas os mandantes ainda não foram identificados. [há suspeitos pelo assassinato presos, - sendo a prisão preventiva, portanto, sem julgamento.
Destaque-se que os suspeitos estão presos pela participação em outros crimes.] O que se sabe até aqui aponta para a participação das milícias.

A Polícia não é o único órgão de controle sob pressão. A interferência de Bolsonaro também ameaça a Receita Federal. Nos últimos dias, o superintendente do Rio, Mario Dehon, foi posto na frigideira. Auditor de carreira, ele resiste a entregar as cabeças de dois subordinados: o chefe da Alfândega de Itaguaí [a Receita alega que o chefe da Alfândega é insubstituível - quanto a chefe de atendimento, ao que sabemos,  está na matéria como Pilatos está no Credo.] e a chefe de atendimento na Barra da Tijuca, bairro onde vive a família do presidente. O Porto de Itaguaí é alvo de cobiça das milícias que atuam na Zona Oeste do Rio. A corregedoria da Receita já afastou auditores suspeitos de colaborar com as quadrilhas. Hoje a Alfândega é comandada por José Alex Nóbrega, um servidor respeitado na carreira.

O presidente do Sindifisco, Kleber Cabral, afirma que o afastamento de Dehon pode desencadear uma crise de grandes proporções. “A Receita não pode sofrer interferência política. Se isso se confirmar, a reação interna será grande”, avisa. Na quinta-feira, Bolsonaro disse que não quer ser “um presidente banana”. Ao intervir em órgãos de Estado, ele ameaça bananizar a República.  

Saber mais, clique aqui. 

Bernardo Mello Franco - Publicado em  O Globo


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quarta-feira, 19 de junho de 2019

O capitão prometeu uma alegria


Bolsonaro quer baixar imposto de importação de computadores 

Atraso domina mercado tecnológico

Num de seus últimos tuítes, o presidente Bolsonaro anunciou: “Para estimular a competitividade e inovação tecnológica, o governo estuda (...) a possibilidade de reduzir de 16% para 4% os impostos sobre importação de produtos de tecnologia da informação, como computadores e celulares.” É o caso de se sentir o alívio da diretora de futebol da seleção feminina da Tailândia, que chorou ao ver o gol de seu time depois de tomar 13 x 0 contra os Estados Unidos e de ralar um 5 x 1 contra a Suécia.

Tomara que o capitão emplaque essa. Como seus tuítes fazem parte de uma realidade paralela, ficaria de bom tamanho se passasse a revelar todos (repetindo, todos) os obstáculos que aparecerão no caminho. Os computadores, bem como os tablets e os celulares, custam caro no Brasil. A inovação tecnológica da indústria é desprezível, e esse mercado é dirigido pela mão invisível do atraso. Em 1975, quando a China vivia as trevas da Revolução Cultural que descambou até para casos de canibalismo, em Pindorama uma aliança de militares e burocratas começou a erguer barreiras contra a importação de computadores. Nascia assim uma das maiores ruínas produzida pela ditadura, a chamada reserva de mercado da informática. Era mais fácil trazer um quilo de cocaína do que passar pela Alfândega com um computador. A ideia era criar uma tecnologia nacional, copiando patentes estrangeiras.

Em 1984, quando o Congresso sacramentou a maluquice, um grupo de engenheiros chineses fundou a empresa Lenovo. Ela ralou, mas hoje é a maior vendedora de computadores do mundo. É a China que monta os iPhones, e seus celulares estão entre os melhores. Os chineses disputam com os americanos a dianteira na tecnologia da informática. Os campeões nacionais brasileiros atolaram. Deve-se ao então presidente Fernando Collor a quebra do monopólio do sonho, ao qual juntaram-se grandes bancos e empresários. A reserva de mercado acabou, mas a mão invisível continuou agindo no escurinho de Brasília. Reciclou-se, beneficiando-se de incentivos fiscais, franquias de importação y otras cositas más. O resultado desse contorcionismo está aí: os celulares e os tablets são caros, e os computadores competem graças ao imposto de importação de 16%.

O tuíte de Bolsonaro poderá ser uma baforada, como foi o “peso real”. Se ele contar, passo a passo, por que a ideia não vier a avançar, prestará um grande serviço. As guildas empresariais já anunciam que uma redução do imposto provocará a fuga de indústrias. Nesse caso, um dos motivos que mantêm essas empresas em funcionamento é a barreira tarifária. Restará discutir se ela faz sentido. Sempre será bom lembrar que a Abolição da Escravatura destruiria a produção do café. Era lorota.

No final do século passado, quando o Brasil começou a abrir sua economia, a indústria fortificou-se na defesa de sua proteção. Isso para não se falar na venda de ilu$ões, como o plano de construção naval. Noves fora alguns trogloditas, a agricultura e a pecuária tomaram o caminho inverso, modernizando-se. Surgiram dezenas de centros de pesquisas agrícolas, e hoje o agronegócio empurra a economia. Enquanto isso, as guildas industriais continuam dando jantares para autoridades. Uma indústria pode crescer protegendo-se dos concorrentes, mas definha quando se protege dos consumidores.