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sexta-feira, 5 de maio de 2023

O colosso maranhense - Augusto Nunes

Revista Oeste

Só no País do Carnaval alguém pode ser ao mesmo tempo comunista, ministro de Estado e Rei Momo


Ministro da Justiça, Flávio Dino (7/3/2023) | Foto: Ton Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo

Em 1968, em companhia de outros quatro calouros da Faculdade Nacional de Direito, fiz no Rio de Janeiro um curso intensivo de comunismo. Durante seis meses, na tarde de domingo, os alunos trocaram cortejos de biquínis no Leblon ou algum jogaço no Maracanã por quatro horas numa saleta com pouca luz. 
A monitora sobriamente trajada descobria logo no começo da aula que, de novo, nenhum de nós passara da página 30 do livro receitado uma semana antes
E o que deveria ser uma troca de ideias sobre os ensinamentos de Marx, Engels e Lenin virava um desfile de insultos à burguesia exploradora, ao capitalismo selvagem e ao imperialismo ianque. Um companheiro abandonou o curso — “Ele optou por prazeres pequeno-burgueses”, diagnosticou a professora. Eu e mais três conseguimos o diploma simbólico sem que tivéssemos lido sequer a orelha de O Capital.

Mas nenhum de nós foi liberado para gabar-se da façanha ou partir sem demora para a conversão dos inocentes úteis. “Não contem pra ninguém que vocês são comunistas”, ordenou a monitora no mesmo dia da formatura. Como assim?, estranhei. Se havíamos acabado de descobrir o paraíso aqui na Terra, por que sonegar aos demais viventes, até mesmo a pais e irmãos, o caminho que leva à Verdade e à Luz? “É cedo”, encerrou o assunto a professora. “A imensa maioria dos brasileiros não está preparada para entender o comunismo.” E ainda não ficou pronta, informa a leitura do programa do Partido Comunista do Brasil. É um buquê de vigarices, sofismas e tapeações. Fantasia? Flávio Dino, escolhido para o Ministério da Justiça | Foto: Reprodução

Na cachoeira de palavras despejadas pelos chefões do PCdoB, “comunismo” não dá as caras uma única vez. O que aparece é “comunista” — mas só no nome do partido. Não há lugar para “liberdade”, e “democracia” só é vista escoltada por “socialista”. (Democracia socialista — eis aí uma dupla perigosa. A China e a Coreia do Norte, por exemplo, têm cara de ditadura, jeito de ditadura, modos de ditadura e são ditaduras. Mas exigem o tratamento de “democracia socialista”. Democracia adulta dispensa acompanhantes.)  
Para um genuíno comunista, paraíso é o regime de partido único, sem imprensa livre e com descontentes na cadeia. Até que o povo saiba disso, a sensatez recomenda a fantasia de socialista. Foi por isso que Flávio Dino de Castro e Costa se transferiu, em 2021, do PCdoB para o PSB.

Como pode um ex-juiz apoiar com tamanha animação o projeto de lei que, a pretexto de regulamentar a internet, introduz a censura no mundo das redes sociais?

Nascido em abril de 1968, o atual ministro da Justiça e da Segurança Pública decerto foi nos anos 80 o melhor aluno de um curso semelhante ao que descrevi parágrafos acima. 
Meu noivado com a extrema esquerda durou pouco também por ter constatado que comunista mente demais. 
Flávio Dino casou-se com o PCdoB porque mente mais que respira. Transformado em devoto irrevogável da seita, serviu-a como juiz federal e deputado. 
Em 2014, sem esconder o caso de amor com o PCdoB, venceu Roseana Sarney na disputa pelo governo do Maranhão. Reeleito, provou ao longo de oito anos que o maranhense é antes e depois de tudo um forte: suporta com o mesmo entusiasmo conformado o reinado da família de um coronel de jaquetão quanto o peso do mais avantajado comunista do Brasil.

Em 2021, enfim desconfiou que o Brasil não é um Maranhão tamanho família. Caiu fora da canoa do PCdoB, embarcou na caravela do Partido Socialista do Brasil, aportou em Brasília na nau dos senadores e, como um bom comunista jura saber até a segunda parte do Credo e do Salve-Rainha, tratou de rezar para que a Divina Providência o infiltrasse no primeiro escalão do governo Lula. 

Deus é bom, tem o dever de recitar o agora ministro da Justiça e da Segurança Pública. Instalado na Esplanada dos Ministérios, resolveu substituir o senador Randolfe Rodrigues no posto de Primeiro Capinha de Alexandre de Moraes, o Supremo. Com o acúmulo de atribuições, passou a contabilizar mentiras por minuto.

Em São Luiz, o governador candidato à reeleição jurava não ter feito promessas que, como atestara o vídeo exibido segundos antes, berrara no primeiro discurso de posse. 
Nesta semana, em Brasília, garantiu que só o Telegram não respondera a perguntas que misturavam redes sociais e ataques a escolas. 
 A seu lado, o secretário de Defesa do Consumidor, Wadih Damous, concordava balançando o queixo. A dupla foi surpreendida pelo esclarecimento do Telegram: as respostas haviam sido encaminhadas ao ministério um dia útil depois de recebido o questionário
Quem deve esclarecimentos ao país é Flávio Dino. Ele vem gingando o corpanzil para driblar a verdade em depoimentos em comissões do Congresso. Tem tudo para pisar na bola confrontado com a marcação homem a homem prometida por integrantes da comissão de inquérito instaurada para apurar o que efetivamente aconteceu no Oito de Janeiro.

Pela jurisprudência e pelas decisões do ministro Alexandre de Moraes, as mentiras de Flávio Dino podem ser enquadradas em "flagrante perpétuo".

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Por exemplo: se foi advertido por órgãos de informação para o risco de distúrbios em Brasília, por que manteve as dez arrobas em descanso na sede do Ministério da Justiça? 
O que fora fazer no local do emprego num domingo? 
O que ficou fazendo depois de desencadeada a onda de violências? 
Como pode um ex-juiz apoiar com tamanha animação o projeto de lei que, a pretexto de regulamentar a internet, introduz a censura no mundo das redes sociais? 
Em que critério se baseou para aplicar ao Google a astronômica multa de R$ 1 milhão por hora? 
Frustrado com a derrota na Câmara, que barrou a ofensiva liberticida, Dino excitou-se com as truculências produzidas por Alexandre de Moraes para castigar as big techs. 
O ministro do STF fizera o que os defensores do projeto rejeitado pretendiam fazer, alegou. Com isso, admitiu que Moraes protagonizara mais uma invasão do território do Legislativo pelo Judiciário. 
E confirmou que o ataque togado não se amparava em lei alguma.

Passados menos de cinco meses, Dino fez o suficiente para forçar a atualização da frase famosa de Tom Jobim. O país que nunca foi para principiantes agora anda assombrando os mais tarimbados profissionais. Só no País do Carnaval alguém pode ser ao mesmo tempo comunista, ministro da Justiça, gerente-geral da Segurança Pública e Rei Momo.

Leia também “O Cara nunca existiu”

 

Augusto Nunes,   colunista -  Revista Oeste


quarta-feira, 2 de junho de 2021

O COMUNISMO, O INTELECTUAL E O PROFETA - Percival Puggina

Em seu livro “Post-Capitalist Society”, Peter Drucker sustenta a ideia de que a derrubada do credo marxista significou “o final da fé na salvação pela sociedade”. Justificadamente convergem a esse autor o reconhecimento mundial como perito em Administração e como analista de seu tempo. Na nota introdutória da referida obra, Drucker afirma:

O comunismo faliu como sistema econômico. Em lugar de criar riqueza, criou pobreza; em lugar de criar igualdade econômica, criou uma nomenclatura de funcionários que gozavam de privilégios sem precedentes. Mas foi como credo que faliu porque não criou o homem novo; em seu lugar fez aparecer e reforçou tudo que havia de pior no velho Adão: corrupção, cobiça, ânsia de poder, inveja e desconfiança mútua, mesquinha tirania e “secretismo”; a mentira, o roubo, a denúncia, e, acima de tudo, o cinismo. O comunismo, o sistema, teve seus  heróis, mas o marxismo, o credo, não teve um único santo.

Essa exata descrição da realidade foi escrita três anos após os fatos de 1989, quando a abertura do Muro de Berlim suscitou o vendaval que pôs por terra todo o castelo de cartas a que estava reduzido o imperialismo soviético após quatro décadas de muita propaganda e ainda maiores e mais numerosas frustrações.

O que me chama atenção como leitor de Drucker é a semelhança existente entre essas considerações de seu livro e o que, cem anos antes, escrevera Leão XIII, em 1891, na Encíclica Rerum Novarum. Naquele pequeno documento, destinado à reflexão dos povos e dos governos da Terra, o admirável pontífice profetizara sobre o que aconteceria onde o comunismo viesse a ser implantado. Note-se que esse regime só teria testes de campo a partir de 1917, ou seja, um quarto de século após a publicação da encíclica. Vicenzo Gioachino Pecci, esse era o nome de batismo do sábio profeta, não pode ver em vida a perfeição de suas previsões, pois faleceu em 1903. É impossível lê-lo, porém, sem ser impactado pela lucidez com que abriu o véu do futuro e anteviu, no emaranhado de ciências sociais envolvidas, o desastroso produto final daquele regime. Eis suas palavras sobre o comunismo, escritas, repito, em 1889:

Mais além da injustiça de seu sistema, veem-se bem todas as suas funestas consequências, a perturbação de todas as classes da sociedade, uma odiosa e insuportável servidão para todos os cidadãos, porta aberta a todas as invejas, a todos os descontentamentos, a todas as discórdias; o talento e a habilidade privados de seus estímulos, e, como consequência necessária, as riquezas estancadas na sua fonte; enfim, em lugar da igualdade tão sonhada, a igualdade na nudez, na indigência e na miséria.

Cem anos inteiros separaram o consagrado analista Peter Drucker do profético Vicenzo Gioacchino Pecci (Leão XIII). Deste último, ninguém sabe o nome e poucos, muito poucos, têm notícia da admirável previsão disponibilizada por ele à humanidade que muito, dela, se poderia ter beneficiado.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

A tal cristofobia - Folha de S. Paulo

Opinião 

Perseguição a cristãos não é questão na América Latina, assombrada por populismo

Um grupelho de vândalos ateou fogo a duas igrejas católicas, no domingo (18), em Santiago do Chile, durante ato político pelo primeiro aniversário dos protestos contra a desigualdade. Embora as manifestações naquele país ao longo do último ano tenham sido marcadas por episódios de violência, a religião nunca fora um alvoAlheio a esse contexto, um destrambelhado presidente Jair Bolsonaro aproveitou o incidente para voltar a falar em cristofobia, como já fizera em seu discurso nas Nações Unidas no mês passado. Trata-se, obviamente, de mais uma bandeira destinada a inflamar um setor caro ao bolsonarismo. [é um absurdo que a perseguição aos cristãos, que começa com o incêndio de duas Igrejas Católicas, seja considerado apenas um incidente.

Foi um atentado terrorista à liberdade religiosa e precisa ser combatido com rigor, com o uso da força necessária - seja no Chile, em qualquer país das Américas, no mundo e especialmente no Brasil.

A Igreja Católica Apostólica Romana é uma seguidora e difusora da PAZ - mas os valores cristãos precisam ser preservados.

Vejam que os vândalos, os hereges, os ateus, os esquerdistas usamos mais insignificantes pretextos para atacarem objetivos de maior importância do que os que dizem estar comemorando.]

A perseguição a grupos cristãos é uma realidade em outras partes do mundo, mas não no Ocidente e, muito menos, na América Latina. Em países islâmicos, principalmente, mas também em partes da Ásia registra-se violência contra minorias cristãs. [No Brasil os cristãos, especialmente os da FÉ CATÓLICA, não são minoria.] Mais até, há um ambiente institucional contrário ao cristianismo —e, diga-se, a qualquer outra fé que busque converter adeptos do credo majoritário.

Nas sociedades que seguem a lei islâmica mais ao pé da letra, a apostasia —isto é, o abandono da fé por alguém  nascido em família muçulmana— é considerada um crime, punível com a morteO mesmo não se dá, entretanto, nesta parte do mundo, onde o cristianismo se mostra na prática soberano. Verdade que a proporção de católicos no continente caiu ao longo das últimas décadas; entretanto as igrejas que ganharam espaço no período também são de matriz cristã, mais especificamente evangélicas neopentecostais.

Há decerto alguma animosidade entre elas, que já foi até maior no passado. Hoje, católicos e evangélicos frequentemente se aliam em torno da pauta de costumes. Daí não decorre, obviamente, que inexista violência religiosa no Brasil. Seus níveis são, isso sim, relativamente baixos na comparação com os do restante do mundo, e as religiões de matriz africana constituem as vítimas preferenciais. Estas, segundo os registros de um serviço de denúncia de violações de direitos humanos, responderam por 30% das queixas de discriminação religiosa em 2018 —embora tenham peso de apenas 0,3% na demografia brasileira. A América Latina se vê hoje, portanto, poupada do pior em termos de violência religiosa. Em contrapartida, foi amaldiçoada com pragas como o populismo, do qual Bolsonaro é representante de elite. [irônico é que o tema é religioso, o presidente Bolsonaro sendo cristão - não seguidor da FÉ CATÓLICA - é criticado por apontar a cristofobia claramente demonstrada nos atentados contra os cristãos e seus valores.

A imprecisão na identificação de qual ramo evangélico o presidente é vinculado, se deve a existência de 'trocentas' denominações evangélicas.]

Opinião - Folha de S. Paulo


sexta-feira, 8 de maio de 2020

Deslealdade - Editorial - O Estado de S. Paulo

Jair Bolsonaro, que tanto diz prezar a lealdade, foi absolutamente desleal com o presidente do STF. 
O objetivo foi somente usar Dias Toffoli para sua propaganda política desvairada

O presidente Jair Bolsonaro, que tanto diz prezar a lealdade, foi absolutamente desleal com o presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli. Praticamente sem aviso prévio, como fazem os que não tiveram educação em casa, Bolsonaro foi ao Supremo acompanhado de uma comitiva de empresários e assessores para cobrar do ministro Toffoli providências para levantar as medidas restritivas impostas nos Estados para enfrentar a pandemia de covid-19.

[Negativo - o presidente Bolsonaro como é seu estilo foi extremamente sincero, leal e objetivo.
Fosse desleal, teria facilmente destacado junto ao empresariado a influência imensa da decisão do STF em autorizar governadores e prefeitos a terem total controle sobre medidas de ISOLAMENTO SOCIAL, DISTANCIAMENTO, LOCKDOWN e outras.

Em nome da lealdade, que lhe é peculiar, optou por levar os convidados à sede do Supremo Tribunal Federal e lá, de forma incontestável, na presença do presidente da Suprema Corte, mostrar a todos que os governadores e prefeitos são os responsáveis por todas as medidas restritivas à economia e para tanto contaram com o aval do STF.

Medidas que apesar de danosas à economia seriam aceitáveis, desejadas e aprovadas - bem como seus autores - se tivesse contribuído para o controle da Pandemia. Infelizmente, estão se revelando infrutíferas - os estados que mais exorbitaram nas restrições, são os que apresentam maior número de casos de contaminação e de mortes pelo Covid-19.]


A deselegância da visita sem convite nem foi o pior aspecto desse episódio vergonhoso. Para começar, o presidente Bolsonaro providenciou uma equipe de filmagem para registrar o momento e transmitir as imagens em suas redes sociais, com o objetivo evidente de fazer do embaraçoso encontro um evento eleitoreiro. Na encenação mequetrefe que protagonizou, e para a qual arrastou o chefe do Poder Judiciário, o presidente Bolsonaro pretendia afetar preocupação com a economia do País, duramente prejudicada pela pandemia. Na verdade, sua única preocupação, como sempre, era com a manutenção de
seu capital eleitoral, que míngua à medida que a inédita crise avança.

No seu afã de parecer um herói do setor produtivo, demandou que as restrições acabem “o mais rápido possível”, para aliviar as “aflições” dos empresários, pois “a economia também é vida” – isso no dia em que o País ficou sabendo, por meio da Confederação Nacional de Saúde, que o sistema hospitalar privado de seis Estados já não tem mais UTIs disponíveis em razão do colapso do sistema público.

A deslealdade de Bolsonaro, portanto, não foi somente em relação ao ministro Toffoli, mas também com os brasileiros que já morreram e com os moribundos. O presidente explora o padecimento de seus concidadãos para minar a imagem dos que considera seus adversários – isto é, todos os que não lhe dizem amém – e fugir de suas responsabilidades como chefe de governo. Assim, o improviso de Bolsonaro foi perfeitamente calculado. Formado na velha política, o presidente sabe farejar oportunidades para exercitar seu populismo reacionário. Enquanto governadores de Estado lutam para convencer seus governados a ficarem em casa, pois esta é a única maneira de enfrentar o coronavírus, o presidente surge impetuoso no Supremo como o destemido defensor do povo que “quer trabalhar”. E os empresários que acompanharam Bolsonaro deram seu aval a esse engodo, que é mais um vexame que o País está a passar graças à leviandade bolsonarista.

Mas há outra razão, não tão evidente e talvez mais importante, que levou Bolsonaro a tentar envolver o ministro Dias Toffoli em sua contradança macabra. O presidente quis causar constrangimento ao Poder que ora tolhe seus movimentos autoritários e amofina o clã Bolsonaro. Seguidas derrotas no Supremo transformaram os ministros togados em inimigos do bolsonarismo, a ponto de o próprio presidente, há alguns dias, ter feito um comício em que invocou as Forças Armadas vituperando contra as interferências do Judiciário em suas decisões. Mais golpista, impossível.

Mas o presidente do Supremo não se deixou intimidar. Primeiro, disse a Bolsonaro que, para enfrentar a pandemia e seus efeitos sociais e econômicos, “é fundamental uma coordenação (do governo federal) com Estados e municípios”, cobrando do presidente a formação de um gabinete de crise efetivamente nacional, que nunca existiu. Em seguida, o ministro Toffoli lembrou ao chefe do Executivo que “a Constituição garante competências específicas para os entes” (União, Estados e municípios) e, por isso, o Supremo já definiu que governadores e prefeitos têm a prerrogativa de adotar medidas de isolamento. Logo, se Bolsonaro pretendia arrancar do ministro Toffoli algum compromisso com sua estratégia destrambelhada de enfrentamento da pandemia, deve ter saído frustrado do encontro.

Mas não nos deixemos enganar. O objetivo de Bolsonaro não era converter o ministro Toffoli a seu credo sinistro, e sim somente usá-lo para sua propaganda política desvairada. Para os inocentes úteis que ainda enxergam em Bolsonaro um chefe de Estado, e não um oportunista, ele certamente foi bem-sucedido.

Editorial -  O Estado de S. Paulo


domingo, 18 de agosto de 2019

Bolsonaro Intervém na PF - O presidente e as bananas - O Globo



Bernardo Mello Franco

O presidente e as bananas

Jair Bolsonaro não prima pela discrição. Na quinta-feira, o presidente atropelou a Polícia Federal e anunciou a remoção do superintendente no Rio. Na manhã seguinte, bateu no peito e confirmou a interferência política: “Quem manda sou eu, vou deixar bem claro. Eu dou liberdade para os ministros todos, mas quem manda sou eu”. O mandonismo presidencial já fez vítimas em diversas áreas do governo — do fiscal do Ibama que o multou ao diretor do Inpe que não aceitou esconder os números do desmatamento. Agora chegou a vez dos órgãos de combate à corrupção e ao crime organizado. Segundo Bolsonaro, o delegado Ricardo Saadi deixaria o posto por problemas de “gestão e produtividade”. A declaração irritou o diretor-geral da PF, Maurício Valeixo, que desmentiu o presidente em nota oficial. O episódio esvaziou ainda mais o ministro Sergio Moro, a quem a polícia está subordinada.

A troca de Saadi foi antecipada por outro motivo: sob o comando dele, correm investigações sensíveis ao clã presidencial. O delegado despacha na Praça Mauá, mas coordena casos com potencial para abalar o Planalto. Um deles envolve o senador Flávio Bolsonaro, suspeito de ocultar bens nas eleições de 2014. Na época, o faz-tudo Fabrício Queiroz já assinava cheques em seu gabinete na Alerj.  Também corre na PF fluminense o inquérito sobre a trama montada para encobrir os assassinos da vereadora Marielle Franco. O crime ocorreu há 522 dias, mas os mandantes ainda não foram identificados. [há suspeitos pelo assassinato presos, - sendo a prisão preventiva, portanto, sem julgamento.
Destaque-se que os suspeitos estão presos pela participação em outros crimes.] O que se sabe até aqui aponta para a participação das milícias.

A Polícia não é o único órgão de controle sob pressão. A interferência de Bolsonaro também ameaça a Receita Federal. Nos últimos dias, o superintendente do Rio, Mario Dehon, foi posto na frigideira. Auditor de carreira, ele resiste a entregar as cabeças de dois subordinados: o chefe da Alfândega de Itaguaí [a Receita alega que o chefe da Alfândega é insubstituível - quanto a chefe de atendimento, ao que sabemos,  está na matéria como Pilatos está no Credo.] e a chefe de atendimento na Barra da Tijuca, bairro onde vive a família do presidente. O Porto de Itaguaí é alvo de cobiça das milícias que atuam na Zona Oeste do Rio. A corregedoria da Receita já afastou auditores suspeitos de colaborar com as quadrilhas. Hoje a Alfândega é comandada por José Alex Nóbrega, um servidor respeitado na carreira.

O presidente do Sindifisco, Kleber Cabral, afirma que o afastamento de Dehon pode desencadear uma crise de grandes proporções. “A Receita não pode sofrer interferência política. Se isso se confirmar, a reação interna será grande”, avisa. Na quinta-feira, Bolsonaro disse que não quer ser “um presidente banana”. Ao intervir em órgãos de Estado, ele ameaça bananizar a República.  

Saber mais, clique aqui. 

Bernardo Mello Franco - Publicado em  O Globo


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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Quem foi eleito, o Jair ou os filhos?

Com o cenário que se criou, o que fica aparente aos olhos de todos é que o presidente da República Jair Bolsonaro só é o mandatário do País formalmente, mas quem exerce o poder de fato são seus rebentos. As relações intestinas familiares explicam por que a autoridade máxima do Brasil encontra dificuldades para conter as diatribes de “01”, “02” e “03” 

 “O GOVERNO É NOSSO” Filhos do presidente, Carluxo, Eduardo e Flávio (da esq. à dir.) participam institucionalmente da vida política do País (Crédito: Divulgação)

Não se pode fazer política com fígado, conservando o rancor e ressentimentos na geladeira. A Pátria não é capanga de idiossincrasias pessoais. É indecoroso fazer política uterina, em benefício de filhos, irmãos e cunhados. "O bom político costuma ser mau parente”. A frase-alerta de Ulysses Guimarães se ajusta com perfeição ao atual momento do País. Contrariando o “Doutor Diretas”, Jair Bolsonaro resolveu arriscar o governo, ao menos neste início, para se tornar um bom parente.

Claro que não tinha como dar certo. Pela primeira vez, a família de um presidente participa institucionalmente da vida política do País. Nem a oposição consegue tisnar a imagem do governo de maneira tão evidente quanto os três filhos do presidente. Não importa as intenções de cada um, mas a conduta pública deles. Hoje, com o cenário que se criou, em que questiúnculas domésticas são confundidas com questões de Estado, o que fica aparente aos olhos de todos é que o presidente da República Jair Bolsonaro só é o mandatário do País formalmente, mas quem exerce o poder de fato são seus rebentos. Quem o Brasil elegeu afinal?

Desde a posse, a relação de Bolsonaro com seus filhos Flávio, Carlos e Eduardo se tornou o principal fator de instabilidade do governo. O episódio mais rumoroso em que Carlos Bolsonaro foi o pivô da demissão de Gustavo Bebianno, ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência, é ilustrativo sobre quem é que goza de autoridade no Executivo. Com as bênçãos do presidente, Carlos não só se sobrepõe a ministros como comanda uma espécie de poder paralelo em Brasília. Não há quem o segure, e o único para quem presta continência é o pai.


Uma troca de mensagens entre Bolsonaro e Eduardo revelada em 2017 esclarecem bem como se dá a relação entre o pai agora presidente e seus filhos. Eduardo Bolsonaro faltara à sessão de eleição do presidente da Câmara porque tinha viajado aos Estados Unidos para comprar uma arma. Bolsonaro ficou irritadíssimo. Afinal, tinha ele mesmo se lançado à Presidência da Câmara. Conquistou apenas quatro votos. Poderia ter tido cinco, se seu filho estivesse presente. Bolsonaro já começa a conversa num tom incomum entre um pai e seu filho: “Papel de filho da puta que você está fazendo comigo. Tens moral para falar do Renan?”, escreve ele. 

Renan, no caso, é Renan Bolsonaro, o filho caçula do presidente, que não apresenta qualquer ação política até agora. Entrou na história como Pilatos no Credo. “Compre merdas por aí. Não vou te visitar na Papuda”, continua. A reação de Eduardo revela também um grau de agressividade inusual entre pais e filhos: “Quer me dar esporro, tudo bem. Vacilo foi meu. Achei que a eleição só fosse semana que vem. Me comparar com o merda do seu filho, calma lá”.

A família na intimidade
Em algumas postagens, revela-se aí como se trata na intimidade a família Bolsonaro. Algumas pessoas que passaram a integrar a campanha e o governo e a lidar com Bolsonaro e seus filhos avaliam que há na forma como transcorre essa relação um grau perigoso de complicação. Bolsonaro já está no quarto casamento. Seus filhos são de três mulheres diferentes. O que se verifica é que tal situação gera uma relação familiar em permanente estado de ebulição, que acaba por interferir no ambiente em que vive e trabalha o presidente.

Embora seja o mais novo dos três, Carlos, conhecido na família e entre amigos como Carluxo, foi o primeiro a ingressar na política. Elegeu-se em 2000 para uma vaga na Câmara de Vereadores pouco depois de completar 18 anos. A entrada de Carlos na política já foi pivô de uma questão familiar complexa. Bolsonaro não queria que sua ex-mulher Rogéria Nantes Braga Bolsonaro se reelegesse vereadora. Empurrou Carlos para a disputa com esse objetivo. Carlos aceitou derrotar sua mãe, depois de um complicado processo em que ficara três anos sem falar com o pai por conta do divórcio litigioso. Jair Bolsonaro, assim, colocou mãe e filho como adversários na disputa eleitoral. Hoje, o presidente fez as pazes com Carlos e também com Rogéria. 

Mas quem conhece a família interpreta que o presidente sente-se em dívida com Carlos por ter aceitado tal papel. E, por essa razão, não consegue conter o temperamento daquele que ele mesmo chama de “meu pitbull”. Livre, leve e solto, Carluxo indicou para o governo Tércio Arnaud e José Sales. No Planalto, são seus olhos e ouvidos Léo “Índio”, primo que já foi 58 vezes ao local, mais até que Bolsonaro.

Se com o pai, Carlos conseguiu contornar o conflito e desenvolver um sentimento de admiração, o mesmo não ocorre com o irmão mais velho, Flávio, que é senador da República. Apesar de ser também filho de Rogéria, Carluxo não se dá bem com Flávio. Aqueles que são próximos da família afirmam que o que interfere na relação entre os irmãos é o ciúme. Carlos chegou a querer ser ele o candidato ao Senado. Mas o escolhido foi Flávio. Assim como o irmão, Flávio também tem sido fonte de dor de cabeça para o presidente. Foi dele a causa da primeira crise enfrentada por Bolsonaro assim que assumiu a Presidência. Uma investigação do Coaf, no começo do ano, detectou movimentação estranha em suas contas. Hoje o fio deste novelo é tão extenso que ninguém arrisca como se chegará ao final.

Ao contrário dos irmãos, Eduardo Bolsonaro sempre se revelou avesso à política. Quem o conhece, garante que Eduardo prefere o surfe. Em dezembro, enquanto seu pai e irmão Carluxo cuidavam da transição do governo, ele disputava a etapa carioca do campeonato com amigos na Praia da Reserva, na Zona Oeste do Rio. Mas até mesmo Eduardo parece inebriado com o poder. Ele arrisca incursões na área externa. E, como os outros dois rebentos, consegue o que quer.

Como, por exemplo, emplacar pessoas de sua confiança na assessoria especial da Presidência para assuntos internacionais, caso de Filipe G. Martins, um jovem professor de política internacional. O próprio chanceler, Ernesto Araújo, para chegar lá teve de ter o aval de Eduardo Bolsonaro. Na Apex, o 03 encaixou uma dileta amiga: Letícia Catel, cujo estilo “tiro, porrada e bomba” já rendeu demissões e bate-bocas no órgão. O pai parece aprovar. Ou não reprovar, o que na prática dá no mesmo. Durante viagem do presidente Bolsonaro a Davos, lá estava Eduardo estrategicamente acomodado na poltrona ao seu lado no avião presidencial. A ala militar do governo, que Bolsonaro segue e respeita, já deu o recado. Com filhos assim, o presidente não precisa de oposição. Urge colocá-los na linha.

Revista IstoÉ


domingo, 17 de junho de 2018

O terço de Francisco para Lula

Vivemos um tempo em que tudo nos é dado muito rapidamente. É preciso parar para pensar, e não apenas diminuir a velocidade

Deonísio da Silva
Não fosse a Copa, talvez tivesse prosseguido a polêmica do terço que o papa Francisco teria enviado ao ex-presidente Lula, ora cumprindo pena de prisão em Curitiba. Perdemos muito com a interrupção desta polêmica. Ela seria muito saudável e esclarecedora. Quem sabe o assunto volte depois da Copa.

Polêmica veio do Francês polemique, mas seu étimo remoto é o Grego polemiké, redução de polemiké tékhne, a arte da guerra. Todavia, o verbo grego polemizein tem o significado de mexer, sacudir, exercitar-se, não ficar parado. Não fiquemos, então, parados nos lugares-comuns a que nos levam as pautas da mídia, que tratou de tudo com muita superficialidade, inclusive de terço e de rosário como se fossem uma coisa só.

Logo no início do terço ou do rosário, depois de rezado o Creio em Deus Pai (em Latim, credo), havia mais um Padre-nosso, seguido de uma série inicial de três Ave-Marias, e de uma conta adicional para a pequena oração do Glória. Um padre-nosso é rezado no início de cada conjunto de dez contas, sempre finalizadas com um novo glória. No caso do rosário, perfaz um total de 169 pequenas contas. No caso do terço, este número cai para 59 contas. Conta tem dezenas de significados no Português, mas, neste caso, designa a pequena peça de madeira, de cerâmica, de vidro, de plástico ou de outro material, furada no centro para que se possa enfiar ali a corda, fio ou barbante que fará do conjunto um terço ou rosário.

O terço tinha cinquenta e três Ave-marias e seis Padre-nossos, ao final dos quais era rezada, para encerrar, a Salve Rainha (Salve Regina, em Latim). Em geral, o conjunto das contas, no terço como no rosário, traz uma cruz (ou crucifixo) e uma medalha de Nossa Senhora. Em resumo, o terço e o rosário começam com um creio em deus pai e terminam com uma Salve Rainha, nomes das orações que abrem e fecham o terço.

Bem, era assim até 2002, quando o então papa João Paulo II acrescentou mais cinquenta ave-marias e outros cinco mistérios, designando-os luminosos. Agora o terço não é mais um terço. Embora permaneça com este nome, o terço agora é um quarto. E quatro também são os conjuntos de mistérios: gozozos, dolorosos, gloriosos e luminosos.  Como se vê, há mais complexas sutilezas nos assuntos católicos. 

Mas vivemos um tempo em que tudo nos é dado muito rapidamente e, como exemplificou o artista francês Auguste Rodin, em 1904, com sua conhecida escultura O Pensador, é preciso parar para pensar, não apenas diminuir a velocidade. Afinal, o pensador que ele imaginou e representou em bronze está sentado e pensativo.

Deonísio da Silva
Diretor do Instituto da Palavra & Professor  Titular Visitante da Universidade Estácio de Sá
http://portal.estacio.br/instituto-da-palavra


Veja - Blog do Augusto Nunes