Fábio Matos
Ex-ministro dos governos
Lula e Dilma Rousseff, ele afirma que ONGs usam a questão indígena com o
objetivo de atingir o agronegócio brasileiro
Ido Rebelo | Foto: Felipe Barra/MD Poucas
lideranças políticas no Brasil têm a autoridade do ex-deputado Aldo
Rebelo para tratar de um dos assuntos que vêm mobilizando o Supremo
Tribunal Federal (STF) nesta semana: o marco temporal sobre as terras
indígenas no país. Autor do livro Raposa Serra do Sol: o Índio e a Questão Nacional,
coletânea de artigos publicada em 2010, Rebelo vai na contramão da
narrativa fomentada por setores da esquerda — e difundida por ONGs
internacionais — de que os indígenas seriam vítimas de produtores
rurais, que supostamente teriam “roubado” terras pertencentes aos
chamados “povos originários”. [o ex-deputado não se alinha entre os que gozam da nossa simpatia - além de comunista, serviu aos (des)governos petistas - mas por uma questão de integridade temos que reconhecer que o que nos leva a antipatiza-lo, nos obriga a tornar insuspeita sua opinião sobre o tema.]
Nas
discussões em torno do marco temporal, os ministros do STF terão de
interpretar o que parece já muito claro na Constituição: que os
indígenas têm direito à propriedade dos territórios que ocupavam na data
da promulgação do texto constitucional (5 de outubro de 1988), e não
antes disso. “Veja que o constituinte pôs o verbo no presente para
evitar reivindicações sobre terras ocupadas no passado, o que traria
grande confusão e insegurança jurídica para índios e não índios”,
afirmou Rebelo.
Ex-ministro
dos governos Lula e Dilma Rousseff, ex-presidente da Câmara e relator
do Código Florestal, Rebelo avalia que deveria caber ao Congresso
Nacional, e não ao STF, a definição sobre o marco temporal. “Na Câmara
dos Deputados todos seriam ouvidos, principalmente os indígenas,
geralmente excluídos de qualquer opinião, como foi o caso que
testemunhei da demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol”, contou.
Em
março de 2009, o STF decidiu pela demarcação contínua da reserva
indígena localizada em Roraima (na fronteira do Brasil com a Guiana e a
Venezuela), alvo de uma disputa entre indígenas e produtores de arroz,
que acabaram expulsos do local. A tese foi apoiada por dez dos 11
ministros da Corte — o único voto contrário foi o de Marco Aurélio
Mello. Na época, Rebelo escreveu: “Se prosperar esta doutrina de que os
índios têm direito à autodeterminação em seu território, como parece
estar prosperando, amplia-se uma vulnerabilidade que expõe larga faixa
do território brasileiro à influência de organismos internacionais e ao
manejo de organizações estrangeiras”.
Mais de uma década depois, a questão indígena retorna à pauta da mais alta Corte do país — e com direito ao pacote completo: lobby
de ONGs, gritaria da esquerda e demonização do agro. A seguir, Aldo
Rebelo destrincha o que está por trás desse intrincado tabuleiro
geopolítico, econômico e social.
Leia os principais trechos da entrevista.
A derrubada do marco temporal pelo STF poderia trazer insegurança jurídica para o país?O marco temporal já está na Constituição, no Artigo 231, que determina à União a proteção da organização social das línguas, tradições e direitos dos indígenas às terras que tradicionalmente
ocupam. O constituinte pôs o verbo no presente para evitar reivindicações sobre terras ocupadas no passado, o que traria confusão e insegurança jurídica para índios e não índios.
Houve um caso que acompanhei no Maranhão em que indígenas reivindicaram a demarcação de pequenas propriedades de outros índios e seus descendentes, gerando um processo de litígio e violência entre conhecidos e familiares.
São Paulo, a maior cidade do Brasil, era, na sua origem, formada por aldeias indígenas cujos nomes permanecem nos bairros da cidade. Morumbi, Ibirapuera, Itaquera, Guaianases, Jabaquara, Tietê e Tucuruvi são denominações dadas a essas localidades pelos contemporâneos do cacique Tibiriçá, cujos descendentes ainda vivem hoje na cidade de São Paulo. Sem o marco temporal, nada impediria, por exemplo, que eles reivindicassem as posses de seus antepassados.
Há entidades nacionais e internacionais atuando pela derrubada do marco temporal. Qual é o papel das ONGs nesse processo? Há uma ameaça à soberania nacional?
O Brasil sofre do que os especialistas chamam de “guerra híbrida”, e o alvo, além do pré-sal, é o nosso próspero agronegócio, que retira mercado dos concorrentes europeus e norte-americanos.
Além disso, o agro reduz o lucro da concorrência pela queda do preço internacional dos produtos e obriga o Tesouro dos Estados Unidos e dos países europeus a subsidiar cada vez mais sua agricultura quase estatal e de produtores que são praticamente funcionários públicos, pelo volume de dinheiro do Estado que recebem.
É claro que eles financiam essas ONGs para criar uma espécie de barreira não tarifária para os agricultores brasileiros. Se isso constitui uma ameaça à nossa soberania? Talvez seja um exagero afirmar que sim, a não ser no caso da Amazônia, onde há o objetivo de bloqueio das ações da sociedade brasileira e do Estado nacional na região.
O senhor entende, então, que há grupos econômicos ou mesmo governos estrangeiros interessados em atingir o agronegócio brasileiro?Quem tiver dúvida sobre os interesses internacionais na agricultura brasileira que vá à internet e consulte o documento “Farms here, forests there” (“Fazendas aqui, florestas lá”, em tradução livre), sobre fazendeiros norte-americanos. Ali se comprova que, se há uma teoria da conspiração sobre esse assunto, ela não surgiu por acaso.
Todas as negociações nos organismos multilaterais envolvendo o Brasil e a União Europeia encontram o seu ponto máximo de tensão na agenda da agricultura.
Partiu dos agricultores europeus a pressão para inviabilizar o acordo celebrado entre a União Europeia e o Mercosul exatamente pelo temor da competitividade dos agricultores e criadores brasileiros e argentinos. Lembremos que, na Segunda Guerra Mundial, a primeira grande batalha naval ocorreu entre as Marinhas da Inglaterra e da Alemanha no Atlântico Sul, quando os alemães tentavam evitar que navios mercantes ingleses abastecessem Londres com carne e trigo da Argentina e do Uruguai. (.........)
O STF é o foro adequado para definir a questão do marco temporal?A solução mais adequada seria o Supremo Tribunal Federal deixar a decisão da matéria controversa para o Congresso Nacional. Na Câmara dos Deputados todos seriam ouvidos, principalmente os indígenas, geralmente excluídos de qualquer opinião, como foi o caso que testemunhei da demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol.
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