Quadrilha que age na região exigiu R$ 35 mil da
empreiteira contratada pelo Dnit
Começou
com a cobrança de taxas de segurança e a exploração de serviços como transporte
alternativo, venda de gás e sinal clandestino de TV a cabo. Já passou por
negócios como areais, terraplanagem e a construção de prédios. Mas em Seropédica,
na Baixada Fluminense, a milícia avançou mais alguns passos para ter o
município sob suas ordens. Denúncias de moradores apontam que as obras de
duplicação de uma ponte na BR-465, a antiga Rio-São Paulo, perto do Centro da
cidade, foram paralisadas, semana passada, porque a quadrilha que age na região
exigiu R$ 35 mil da empreiteira contratada pelo Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes (Dnit).
A
extorsão é apenas uma das faces da ação do bando na cidade que abriga a
Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Os criminosos chegam até
mesmo a cobrar taxas de quem resolve fazer uma festa dentro de casa. As
interferências no dia a dia da população são tantas que o Disque-Denúncia
recebeu, somente este ano, 51 relatos sobre a atuação desses bandos na região.
RISCO
PARA CICLISTAS
O
“pedágio” instituído pelo grupo de milícia pode inviabilizar ou no mínimo
atrasar obras em outras quatro pontes na mesma estrada, no trecho entre
Seropédica, Nova Iguaçu e o limite com a cidade do Rio, perto de Campo Grande.
Juntas, as intervenções nas cinco pontes — uma delas passa sobre o Rio Guandu,
que abastece 9 milhões de pessoas na Região Metropolitana — estão orçadas em R$
12,189 milhões. Elas começaram há cerca de 40 dias perto do acesso principal à
Universidade Federal Rural, no quilômetro 7 da rodovia. Nesse ponto, além de
melhorar o trânsito, a duplicação traria mais segurança a cerca de 1.500
pessoas, grande parte estudantes, que, diariamente, precisam atravessar a
passagem sobre uma linha férrea a pé ou de bicicleta. O ponto é o único em que
uma ciclovia, construída no início dos anos 2000 pela universidade, entre seu
campus e o Centro da cidade, é interrompida. Pedestres e ciclistas acabam sendo
obrigados a se arriscar no asfalto por 38 metros, espremidos ao lado de um
tráfego pesado de carros, caminhões e ônibus.
Na última
semana, sumiram os operários, as máquinas e qualquer sinal de que as
intervenções pudessem ter sido apenas temporariamente suspensas. — Para
não colocar seus empregados em risco, os relatos são de que a empreiteira
resolveu parar as obras. Como uma milícia tem o poder de paralisar uma obra
pública com recursos da União? Eles avançaram a um nível de atrevimento que
demonstra a falência do estado na região, na periferia da Baixada Fluminense,
com baixo índice de desenvolvimento humano e um pequeno efetivo da Polícia
Militar — afirma um morador de Seropédica, lembrando que, até meados de maio de
2015, existia ali uma segunda ponte, metálica, por onde seguia a ciclovia, mas que
desabou.
Na última
quarta-feira, enquanto a reportagem do GLOBO checava as denúncias de que as
obras tinham parado por interferência da milícia, um rapaz se desequilibrou da
bicicleta e quase caiu, no momento em que um reboque carregando um ônibus cruzava
a ponte. — É muito
perigoso esse trecho. Os caminhões tiram um fino da gente. E, a todo instante,
as pessoas passam por aqui de bicicleta. São, na maioria, alunos da Rural, já que
a universidade fica a aproximadamente 15 minutos do Centro de Seropédica, onde
muitos deles moram — afirmava um estudante que costuma percorrer o trajeto
pedalando.
Quando
começaram, as obras, a cargo da empresa Preserva Engenharia, de Cotia, São
Paulo, foram motivo de comemoração. Um otimismo que cedeu à medida que
paramilitares foram avançando em territórios da região. A previsão era que a
primeira ponte ficasse pronta em abril de 2018. Mas, segundo o próprio Dnit,
pelo andamento dos trabalhos, a inauguração poderia ser antecipada. Procurada
pela reportagem do GLOBO desde terça-feira, a Preserva Engenharia não retornou
os contatos. Já a Superintendência do Dnit no Rio confirmou já ter recebido
informações de que o motivo da paralisação das obras poderia ser a intimidação
da milícia. Mas, até agora, não recebeu um comunicado oficial da empresa
justificando a interrupção dos trabalhos. O departamento, no entanto, ressaltou
o histórico de obras entregues pela empreiteira. E disse que apurará por que os
serviços foram abandonados. Se a suspensão tiver relação comprovada com a
intervenção dos grupos criminosos, o órgão afirma que acionará a Polícia
Rodoviária Federal e a Polícia Federal.
Mas, para
moradores e comerciantes de Seropédica, o poder da milícia não surpreende.
Segundo eles, que preferem não se identificar por medo de sofrer represálias,
os criminosos interferem em tudo, de festas familiares a negócios, sendo mais
agressivos em relação ao comércio. Além de exigir dinheiro de proprietários de
lojas, os grupos passaram a cobrar propina até de ambulantes, e todo mundo sabe
que, hoje, até para instalar uma barraquinha de comida na rua, é preciso pagar
entre R$ 20 e R$ 120 por semana, valor que fica a critério dos bandidos. Nem
dentro de casa, o morador do município está livre de sofrer extorsões. Quem
quer fazer uma festa, por exemplo, é instado a pagar uma taxa aos milicianos,
que, dependendo da quantidade de convidados, pode chegar a mil reais. — Eles
chegam dizendo que são da milícia e que, se não pagarmos, a festa para — conta
um morador, com medo.
Os
achaques já aconteceram, inclusive, em eventos de estudantes da Rural em
espaços fora da universidade. Os alunos preferiram não pagar e interromperam a
comemoração. Agora, para tentar driblar o problema, têm planejado festas dentro
do campus, esbarrando em outra questão: a reitoria não permite o consumo de
bebidas alcoólicas no local. As
queixas recebidas pelo Disque-Denúncia mostram que a maior parte dos milicianos
age no Centro e no bairro Campo Lindo, onde fica a 48ª DP (Seropédica). Já em
Itaguaí, município vizinho, as denúncias indicam a presença dos criminosos
sobretudo nos bairros Chaperó, Jardim América, Brisamar, Coroa Grande, Itimirim
e Vila Geni.
A atuação dos milicianos, independentemente da região, é sempre a
mesma: cobrança de taxas de segurança dos moradores e comerciantes; oferta de
serviços de TV a cabo e internet clandestina; e expulsão de moradores que não
seguem as regras impostas pelo bando. “Há também a informação de que, em Coroa
Grande, milicianos vendem lotes e terrenos com documentação irregulares ou
falsificadas”, afirma o Disque-Denúncia. A Polícia
Civil diz que há inquéritos em andamento na 48ª DP (Seropédica), em conjunto
com a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), para identificar e
prender envolvidos em milícia na região. A Delegacia de Repressão às Ações
Criminosas Organizadas (Draco) também apura o avanço dos paramilitares em
Seropédica.
As
investigações apontam que, em 2015, a maior milícia do Rio, fincada na Zona
Oeste do Rio há cerca de 20 anos, começou uma expansão de suas atividades
criminosas tanto para Seropédica e Itaguaí, quanto para Nova Iguaçu, em bairros
como o Cabuçu. A invasão de bairros de Seropédica e Itaguaí ocorreu entre
janeiro e setembro daquele ano e, na época, por causa da disputa de território
com o tráfico, deixou um rastro de mortes. Mas os homicídios continuaram e, na
eleições do ano passado, houve casos associados à milícia. Um deles foi o do
policial militar Júlio César Fraga Reis, candidato a vereador de Seropédica
pelo PCdoB. Ele foi morto em 20 de agosto de 2016, no bairro Boa Esperança, no
próprio município, quando saía de uma festa.
CONTABILIDADE
APREENDIDA
No fim de
2015, PMs do 24º BPM (Queimados) prenderam dois homens, em Seropédica, com
parte da contabilidade da milícia. Nela, havia anotações sobre taxas semanais
cobradas de comerciantes, que expunham extorsões de donos de farmácia a
vendedores de churrasquinho. Recentemente, como mostrou o jornal Extra, a
ascensão de Wellington da Silva Braga, o Ecko, ao comando da maior milícia do
Rio — cargo que assumiu após a morte de seu irmão, Carlos Alexandre Braga, o
Carlinhos Três Pontes — provocou uma guerra de facções. Entre os insatisfeitos
com o novo chefe, estariam os milicianos de Seropédica.
O
município, de 84.416 habitantes, segundo a estimativa do IBGE para 2017, é um
dos mais novos do estado e surgiu de um desmembramento de Itaguaí, em 1997. O
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com base nos dados do censo do IBGE de
2010, é 0,713 (quanto mais perto de 1 melhor), sendo o 41º entre os 92
municípios do Rio. Em 2015, segundo IBGE, a cidade possuía um PIB per capita de
R$ 27.823,49, o 32º mais alto do estado, e um rendimento médio mensal dos
trabalhadores de 3,9 salários mínimos.
No entanto, naquele mesmo ano, 37,4% da
população vivia com rendimento nominal mensal per capita de até meio salário
mínimo. É uma cidade de contrastes. Perto do acanhado Centro, fica a
universidade, que teve seu principal campus transferido para a região em 1948,
em imponentes construções que abrigam, hoje, cerca de oito mil estudantes. Com
muitos deles vindos de outros municípios, grande parte dos alunos opta por
morar no alojamento da instituição, assim com há um contingente considerável de
alunos que aluga casas e apartamentos na área urbana de Seropédica.
O Globo