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terça-feira, 22 de maio de 2018

A aula do golpe



Quatro semanas no curso que analisa o impeachment de Dilma Rousseff 

Uma centena de pessoas tentava se acomodar em uma das salas para assistir à primeira aula do curso “O golpe de 2016 no Brasil e o futuro da democracia” numa manhã de abril, na única universidade pública da Baixada Fluminense. A centenária Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) é uma das mais de 15 instituições acadêmicas em todo o país que abriram suas portas para discutir — de forma engajada — como o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff entrará para os livros de história.

O perfil dos ouvintes do “curso do golpe” grande parte negros e pardos, de origem socioeconômica das camadas mais baixas e simpáticos a partidos de esquerda — reflete a política de admissão de universitários da Rural, como é conhecida. A instituição oferece mais da metade das 2 mil vagas anuais a alunos cotistas, parcela crescente de seus 20 mil alunos. Sediada em Seropédica, um dos municípios mais pobres do Grande Rio, o campus principal da Rural tem 30.000 quilômetros quadrados cinco vezes o tamanho de Brasília. É o maior da América Latina. Desde o nome, a Rural zela pelo espírito bucólico em seu campus. Os alunos caminham tranquilos por espaços amplos, exibindo ritmo próprio, mais lento e despreocupado que a correria das grandes cidades. Nos dias normalmente ensolarados e quentes, calças compridas estão em extinção, substituídas por bermudas e chinelos, no caso dos homens, ou shorts jeans e vestidos acompanhados por rasteirinhas, no das mulheres.

O prédio principal é uma construção de estilo neocolonial de três andares, originalmente erguido como sede de uma fazenda imperial, adornado por um jardim interno florido e um lago artificial. A imponência do prédio contrasta com a dificuldade de manutenção do campus. Alunos dizem que alguns institutos estão sem aulas devido à má conservação dos prédios. Reclamam de paredes e vigas com rachaduras, aparelhos de ar condicionado sem funcionamento, caminhos mal iluminados e segurança falha dentro do campus.

Temas como educação pública, movimento negro, militarização e violência dominaram aulas do curso do golpe, com referências limitadas à queda da ex-presidente Dilma e à prisão de Lula, ocorrida em abril

Nesse ambiente decadente, com queixas frequentes de asfixia administrativa por parte da administração de Michel Temer, a existência do curso do golpe aglutinou opositores diversos do governo mais impopular da história. Foi inspirado no curso oferecido pela Universidade de Brasília (UnB) que provocou críticas exaltadas de Mendonça Filho (DEM-PE), então ministro da Educação. A reação desastrada do governo gerou uma onda de solidariedade, propagando a ideia para várias das mais importantes instituições acadêmicas do país — entre elas UFRJ, UFF, Uerj e Unicamp. 





 

sexta-feira, 22 de dezembro de 2017

Milícia cobra ‘pedágio’ para liberar obra federal e até para festas dentro de casa em Seropédica




Quadrilha que age na região exigiu R$ 35 mil da empreiteira contratada pelo Dnit

Começou com a cobrança de taxas de segurança e a exploração de serviços como transporte alternativo, venda de gás e sinal clandestino de TV a cabo. Já passou por negócios como areais, terraplanagem e a construção de prédios. Mas em Seropédica, na Baixada Fluminense, a milícia avançou mais alguns passos para ter o município sob suas ordens. Denúncias de moradores apontam que as obras de duplicação de uma ponte na BR-465, a antiga Rio-São Paulo, perto do Centro da cidade, foram paralisadas, semana passada, porque a quadrilha que age na região exigiu R$ 35 mil da empreiteira contratada pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit).


A extorsão é apenas uma das faces da ação do bando na cidade que abriga a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Os criminosos chegam até mesmo a cobrar taxas de quem resolve fazer uma festa dentro de casa. As interferências no dia a dia da população são tantas que o Disque-Denúncia recebeu, somente este ano, 51 relatos sobre a atuação desses bandos na região.

RISCO PARA CICLISTAS
O “pedágio” instituído pelo grupo de milícia pode inviabilizar ou no mínimo atrasar obras em outras quatro pontes na mesma estrada, no trecho entre Seropédica, Nova Iguaçu e o limite com a cidade do Rio, perto de Campo Grande. Juntas, as intervenções nas cinco pontes — uma delas passa sobre o Rio Guandu, que abastece 9 milhões de pessoas na Região Metropolitana — estão orçadas em R$ 12,189 milhões. Elas começaram há cerca de 40 dias perto do acesso principal à Universidade Federal Rural, no quilômetro 7 da rodovia. Nesse ponto, além de melhorar o trânsito, a duplicação traria mais segurança a cerca de 1.500 pessoas, grande parte estudantes, que, diariamente, precisam atravessar a passagem sobre uma linha férrea a pé ou de bicicleta. O ponto é o único em que uma ciclovia, construída no início dos anos 2000 pela universidade, entre seu campus e o Centro da cidade, é interrompida. Pedestres e ciclistas acabam sendo obrigados a se arriscar no asfalto por 38 metros, espremidos ao lado de um tráfego pesado de carros, caminhões e ônibus.

Na última semana, sumiram os operários, as máquinas e qualquer sinal de que as intervenções pudessem ter sido apenas temporariamente suspensas.  — Para não colocar seus empregados em risco, os relatos são de que a empreiteira resolveu parar as obras. Como uma milícia tem o poder de paralisar uma obra pública com recursos da União? Eles avançaram a um nível de atrevimento que demonstra a falência do estado na região, na periferia da Baixada Fluminense, com baixo índice de desenvolvimento humano e um pequeno efetivo da Polícia Militar — afirma um morador de Seropédica, lembrando que, até meados de maio de 2015, existia ali uma segunda ponte, metálica, por onde seguia a ciclovia, mas que desabou.

Na última quarta-feira, enquanto a reportagem do GLOBO checava as denúncias de que as obras tinham parado por interferência da milícia, um rapaz se desequilibrou da bicicleta e quase caiu, no momento em que um reboque carregando um ônibus cruzava a ponte. — É muito perigoso esse trecho. Os caminhões tiram um fino da gente. E, a todo instante, as pessoas passam por aqui de bicicleta. São, na maioria, alunos da Rural, já que a universidade fica a aproximadamente 15 minutos do Centro de Seropédica, onde muitos deles moram — afirmava um estudante que costuma percorrer o trajeto pedalando.

Quando começaram, as obras, a cargo da empresa Preserva Engenharia, de Cotia, São Paulo, foram motivo de comemoração. Um otimismo que cedeu à medida que paramilitares foram avançando em territórios da região. A previsão era que a primeira ponte ficasse pronta em abril de 2018. Mas, segundo o próprio Dnit, pelo andamento dos trabalhos, a inauguração poderia ser antecipada. Procurada pela reportagem do GLOBO desde terça-feira, a Preserva Engenharia não retornou os contatos. Já a Superintendência do Dnit no Rio confirmou já ter recebido informações de que o motivo da paralisação das obras poderia ser a intimidação da milícia. Mas, até agora, não recebeu um comunicado oficial da empresa justificando a interrupção dos trabalhos. O departamento, no entanto, ressaltou o histórico de obras entregues pela empreiteira. E disse que apurará por que os serviços foram abandonados. Se a suspensão tiver relação comprovada com a intervenção dos grupos criminosos, o órgão afirma que acionará a Polícia Rodoviária Federal e a Polícia Federal.

Mas, para moradores e comerciantes de Seropédica, o poder da milícia não surpreende. Segundo eles, que preferem não se identificar por medo de sofrer represálias, os criminosos interferem em tudo, de festas familiares a negócios, sendo mais agressivos em relação ao comércio. Além de exigir dinheiro de proprietários de lojas, os grupos passaram a cobrar propina até de ambulantes, e todo mundo sabe que, hoje, até para instalar uma barraquinha de comida na rua, é preciso pagar entre R$ 20 e R$ 120 por semana, valor que fica a critério dos bandidos. Nem dentro de casa, o morador do município está livre de sofrer extorsões. Quem quer fazer uma festa, por exemplo, é instado a pagar uma taxa aos milicianos, que, dependendo da quantidade de convidados, pode chegar a mil reais.  — Eles chegam dizendo que são da milícia e que, se não pagarmos, a festa para — conta um morador, com medo.

Os achaques já aconteceram, inclusive, em eventos de estudantes da Rural em espaços fora da universidade. Os alunos preferiram não pagar e interromperam a comemoração. Agora, para tentar driblar o problema, têm planejado festas dentro do campus, esbarrando em outra questão: a reitoria não permite o consumo de bebidas alcoólicas no local. As queixas recebidas pelo Disque-Denúncia mostram que a maior parte dos milicianos age no Centro e no bairro Campo Lindo, onde fica a 48ª DP (Seropédica). Já em Itaguaí, município vizinho, as denúncias indicam a presença dos criminosos sobretudo nos bairros Chaperó, Jardim América, Brisamar, Coroa Grande, Itimirim e Vila Geni. 

A atuação dos milicianos, independentemente da região, é sempre a mesma: cobrança de taxas de segurança dos moradores e comerciantes; oferta de serviços de TV a cabo e internet clandestina; e expulsão de moradores que não seguem as regras impostas pelo bando. “Há também a informação de que, em Coroa Grande, milicianos vendem lotes e terrenos com documentação irregulares ou falsificadas”, afirma o Disque-Denúncia. A Polícia Civil diz que há inquéritos em andamento na 48ª DP (Seropédica), em conjunto com a Delegacia de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF), para identificar e prender envolvidos em milícia na região. A Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) também apura o avanço dos paramilitares em Seropédica.

As investigações apontam que, em 2015, a maior milícia do Rio, fincada na Zona Oeste do Rio há cerca de 20 anos, começou uma expansão de suas atividades criminosas tanto para Seropédica e Itaguaí, quanto para Nova Iguaçu, em bairros como o Cabuçu. A invasão de bairros de Seropédica e Itaguaí ocorreu entre janeiro e setembro daquele ano e, na época, por causa da disputa de território com o tráfico, deixou um rastro de mortes. Mas os homicídios continuaram e, na eleições do ano passado, houve casos associados à milícia. Um deles foi o do policial militar Júlio César Fraga Reis, candidato a vereador de Seropédica pelo PCdoB. Ele foi morto em 20 de agosto de 2016, no bairro Boa Esperança, no próprio município, quando saía de uma festa.

CONTABILIDADE APREENDIDA
No fim de 2015, PMs do 24º BPM (Queimados) prenderam dois homens, em Seropédica, com parte da contabilidade da milícia. Nela, havia anotações sobre taxas semanais cobradas de comerciantes, que expunham extorsões de donos de farmácia a vendedores de churrasquinho. Recentemente, como mostrou o jornal Extra, a ascensão de Wellington da Silva Braga, o Ecko, ao comando da maior milícia do Rio — cargo que assumiu após a morte de seu irmão, Carlos Alexandre Braga, o Carlinhos Três Pontes — provocou uma guerra de facções. Entre os insatisfeitos com o novo chefe, estariam os milicianos de Seropédica.

O município, de 84.416 habitantes, segundo a estimativa do IBGE para 2017, é um dos mais novos do estado e surgiu de um desmembramento de Itaguaí, em 1997. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), com base nos dados do censo do IBGE de 2010, é 0,713 (quanto mais perto de 1 melhor), sendo o 41º entre os 92 municípios do Rio. Em 2015, segundo IBGE, a cidade possuía um PIB per capita de R$ 27.823,49, o 32º mais alto do estado, e um rendimento médio mensal dos trabalhadores de 3,9 salários mínimos.

 No entanto, naquele mesmo ano, 37,4% da população vivia com rendimento nominal mensal per capita de até meio salário mínimo. É uma cidade de contrastes. Perto do acanhado Centro, fica a universidade, que teve seu principal campus transferido para a região em 1948, em imponentes construções que abrigam, hoje, cerca de oito mil estudantes. Com muitos deles vindos de outros municípios, grande parte dos alunos opta por morar no alojamento da instituição, assim com há um contingente considerável de alunos que aluga casas e apartamentos na área urbana de Seropédica.

O Globo