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quinta-feira, 16 de novembro de 2023

“A Negação da Morte” faz 50 anos: Ernest Becker e o Projeto Imortalidade

A imortalidade — para Becker entendida como o desejo de um mundo perfeito — obriga o ser humano a planejar e executar grandes projetos e grandes aventuras, para deixar sua marca no mundo. Fazer isso inevitavelmente leva ao conflito. A maior parte do mal que fazemos a nós mesmos e à Terra resulta do conflito de projetos rivais de imortalidade. Se estivesse vivo hoje, Becker poderia notar que as tensões geradas pelo declínio da nossa civilização judaico-cristã e a ascendência pós-moderna (a nova ordem mundial e “o Grande Reset”) serviriam como um exemplo disso.
Os antigos perceberam que a consideração da nossa mortalidade é o início da sabedoria. Na 'Apologia de Sócrates', Platão enquadra a questão em termos simples:

"A morte é uma de duas coisas. Ou é a aniquilação, e os mortos têm apenas um sono sem sonhos, ou, como nos dizem, é realmente uma mudança — uma transferência da alma deste lugar para outro. Mas o que é, só Deus sabe."

A nota de rodapé pós-moderna à afirmação de Platão pode ser melhor resumida pela vida e obra do antropólogo cultural americano Ernest Becker. No seu livro 'A Negação da morte' (lançado no Brasil pela Editora Record), vencedor do Prémio Pulitzer de 1973, Becker sintetizou e expandiu uma longa tradição de filosofia existencial e psicologia humanística que identificou a morte — entendida como aniquilação — como “o verme no âmago” da psique humana. O seu livro também despertou um renovado interesse acadêmico no “medo da morte” como um motor fundamental da ação humana.

Segundo Becker, a tensão gerada pelo nosso instinto de autopreservação, por um lado, e a inevitabilidade da nossa morte, por outro, provoca uma crise profunda. Se não resolvermos esta crise e, em vez disso, reprimirmos os pensamentos de morte, o resultado será uma corrosiva “ansiedade de morte”. Esta “ansiedade da morte” leva algumas pessoas a um terror paralisante e outras a uma procura vigorosa de estratégias de sobrevivência. Neste contexto significa construir sistemas sociais cujo objetivo é superar o pavor da aniquilação pessoal, facilitando assim a nossa negação da morte.

Becker diz que buscamos uma imortalidade pessoal simbólica através de visões de mundo culturais que oferecem significado, soluções que oferecem esperança de uma existência além do aqui e agora. Estes “projetos de imortalidade” são uma forma de “lutar pelo heroísmo”, participando em atividades que nos levam a acreditar que somos algo mais do que o nosso corpo físico, alguém que não vai simplesmente desaparecer. A falha em negar a morte através de alguma conquista heróica leva a níveis debilitantes de estresse, ansiedade e, eventualmente, ao desespero. Becker escreve:

"Buscamos um substituto para a imortalidade sacrificando-nos para conquistar um império, para construir um templo, para escrever um livro, para estabelecer uma família, para acumular fortuna, para promover o progresso e a prosperidade, para criar uma sociedade da informação e um mercado livre global. Dado que a principal tarefa da vida humana é tornar-se heroico e transcender a morte, cada cultura deve fornecer aos seus membros um intrincado sistema simbólico que seja secretamente religioso. Isto significa que os conflitos ideológicos entre culturas são essencialmente batalhas entre projetos de imortalidade, guerras santas."


Já se passaram cinquenta anos desde a publicação do trabalho de Becker, e é inegável que muitos estudiosos contemporâneos construíram carreiras com base no desenvolvimento de sua premissa de que a motivação básica para o comportamento humano é a necessidade de controlar o terror que resulta da descoberta de que um dia deixará de ser.



Seis anos após a publicação de 'A Negação da Morte', o psiquiatra de Harvard Robert Jay Lifton publicou 'Broken Connections: On Death and the Continuity of Life' [Conexões perdidas: Sobre a Morte e a Continuidade da Vida, sem edição em português], sua tentativa de explorar o lugar da morte na imaginação humana. Ele descreveu seu propósito da seguinte forma:

"O espírito da obra é capturado numa parábola da reinterpretação judaica da história de Adão e Eva contada por Nahum Glatzer. De acordo com Glatzer, aquela descrição do homem e da mulher sendo expulsos do Jardim do Éden não era uma “queda”, mas uma “ascensão”. Significava “tornar-se humano”, isto é, “renunciar à imortalidade pelo conhecimento”. Pois tornar-se humano significava renunciar à ignorância da morte (o estado dos outros animais) e à expectativa de viver para sempre (uma prerrogativa exclusiva de Deus). “Conhecimento”, no nosso sentido, é a capacidade da imaginação simbolizadora de explorar a ideia de morte e relacioná-la com um princípio de continuidade da vida — isto é, a capacidade para a cultura. A parábola descreve, portanto, uma troca da imortalidade literal pela simbólica."

Este livro é o culminar do interesse acadêmico de Lifton pela morte, que começou com exames psicológicos de atos flagrantes de violência durante a Segunda Guerra Mundial — aqueles perpetrados por médicos nazistas em prisioneiros e pelo governo dos EUA na população de Hiroshima — eventualmente tentando conectar a guerra e violência com o medo subconsciente da morte. Lifton observou que uma “marca de morte” poderia ser encontrada nos sobreviventes dessas atrocidades, sugerindo que o testemunho repetido e de perto da morte e da destruição gerava imagens vívidas e indeléveis da morte em suas mentes, imagens que eles eram forçados a enfrentar a cada momento da morte. a vida deles.

O ilustre psiquiatra da Universidade de Stanford e ateu professo Irvin Yalom entendia a morte como uma obliteração existencial e a identificou como um dos quatro principais desafios que assombram a vida diária dos seres humanos. Os outros, afirmou ele, são o isolamento ou a solidão, a experiência da ausência de uma estrutura externa (uma experiência que chamou de “liberdade”) e um mundo de significado incerto. Yalom acreditava que a maior parte das doenças mentais resulta da incapacidade de gerir ou enfrentar um ou mais destes desafios, uma impotência que acabaria por levar à inação, à inautenticidade, ao medo da mudança, à estagnação e a um sentimento cada vez mais profundo de falta de sentido. Por outro lado, tentar extrair significado de uma existência terminal e sem sentido apresenta os seus próprios desafios: um beco sem saída que facilmente se transforma em niilismo e desespero.

Tal como Becker e Lifton, a psicoterapia existencial de Yalom está enraizada no trabalho dos filósofos existenciais do século XIX, Kierkegaard e Nietzsche, pais de um movimento que se rebelou contra a tradição de procurar ordem e estrutura no mundo. Eles sugeriram que, como humanos, cabe a nós encontrar significado num universo que é em grande parte sem sentido, abraçar a nossa existência sem sentido e usar a nossa vontade para escolher e cumprir o nosso próprio propósito.

Em 1986, três psicólogos sociais americanos — Tom Pyszcznski, Sheldon Solomon e Jeff Greenberg — publicaram a sua “teoria da gestão do terrorismo” inspirada no trabalho de Becker e Yalom. Eles postularam que uma consciência reprimida da morte e o medo da aniquilação são as causas profundas da maioria dos conflitos sociais atuais. Sua teoria inspirou uma ampla corrente de pesquisa empírica nas ciências sociais e na psicologia que continua até hoje. O apoio empírico à “teoria da gestão do terrorismo” a partir de experiências realizadas durante a década de 1990 ofereceu dados concretos em apoio às ideias de Becker. Centenas de estudos e milhares de artigos foram publicados desde 1986, muitos propondo que a religião é simplesmente uma forma de adotar uma visão de mundo cultural que aspira alcançar a imortalidade simbólica. As culturas, que geralmente se baseiam em reivindicações religiosas, coletivizam o medo e a solidão individuais num exercício comunitário. O medo da “obliteração existencial” leva-nos a inventar Deus e um além como forma de lidar com o nosso inevitável desaparecimento.

Ernest Becker começou sua carreira acadêmica como ateu professo, mas não era inimigo mortal da religião. Tal como Platão, ele sugeriu que a razão e a ciência não podem dar-nos as respostas que procuramos quando confrontamos a morte. Ele concluiu 'A Negação da Morte' afirmando que por trás do anseio humano, por trás do nosso medo da aniquilação, havia uma força motriz: um mistério que não poderia ser ordenadamente ordenado e racionalizado pela ciência e pelo secularismo.

Um ano depois, em sua obra 'Spectrum of Loneliness' (sem edição no Brasil), Becker escreveu: “A existência de alguém é uma questão que deve ser respondida. E a resposta nunca pode vir de si mesmo. Uma vida só pode ser validada por algum tipo de ‘além’ que a explica e no qual está imersa.” Publicada no ano da sua morte, a obra parece pontuar o curso da transformação pessoal de Becker, de ateu a crente.

A vida de Becker terminou em 6 de março de 1974, aos 49 anos, mas não antes de ele poder dar uma entrevista no leito de morte ao filósofo e acadêmico Sam Keen para a revista Psychology Today. Becker iniciou a conversa dizendo: “Bem, agora estou no extremo e você pode ver como um filósofo morre”. Ele passou a professar explicitamente sua crença em Deus:

"Eu gostaria de insistir que meu despertar para o divino teve a ver com a perda da armadura do caráter. Para a criança, o processo de crescimento envolve um mascaramento de sentimentos e ansiedades pela criação de armaduras de caráter. Como a criança se sente impotente e muito vulnerável, ela tem de reforçar o seu poder ligando-se a outra fonte de poder. Eu vejo isso em termos de circuito elétrico. Pai, mãe ou a ideologia cultural tornam-se sua fonte de poder inconsciente. Todos nós vivemos por poderes delegados. Somos totalmente dependentes de outras pessoas. No colapso da personalidade, o que se revela à pessoa é que ela não é ela mesma."

Trinta e dois anos depois da entrevista com Becker, Keen reconheceu o poderoso impacto que essa conversa no leito de morte teve sobre ele. “Nunca deixei de me emocionar com isso(...) Ele era um homem que pensava com tudo dentro dele, tudo dentro dele. Não havia nada de diletante nele, não havia nada de jogador acadêmico”, lembrou. “Ele pensou com a vida.”

Assim, parece que para Becker — e esperamos que para todos nós — o fim da vida pode envolver uma verdadeira iluminação: uma percepção clara de que a morte pode não ser o fim e, na verdade, pode ser o começo. A experiência de morte de Becker envolveu uma recuperação da inocência perdida, um “crescimento” para se tornar uma criança. Ele descobriu que a inocência é recuperada ao abandonarmos a armadura protetora que criamos para nós mesmos através do medo e da ansiedade, provocada, talvez, por uma incapacidade de reconhecer a nossa vulnerabilidade radical e a dependência total dos outros.

Ao aceitar o fato de que não pertencemos a nós mesmos, que não somos “nossa própria pessoa”, podemos descobrir que a responsabilidade pela nossa dignidade, tanto na vida como na morte, pertence a Deus e aos outros, tal como acontece com as nossas próprias escolhas. O reconhecimento da vulnerabilidade e da dependência humanas pode muito bem ser o antídoto para o medo e a ansiedade que estão na origem da negação moderna da morte.

  “O fim da vida pode envolver uma verdadeira iluminação: uma percepção clara de que a morte pode não ser o fim e, na verdade, pode ser o começo.

Jose A. Bufill é um médico oncologista com 30 anos de experiência cuidando de pacientes com câncer e educando profissionais médicos em níveis de graduação e pós-graduação. Seu interesse de pesquisa é em genética clínica do câncer. Seus artigos de opinião apareceram em meios de comunicação americanos e internacionais, incluindo o USA Today, o Chicago Tribune, o Philadelphia Inquirer e outros. Bufill é o fundador e presidente da Bur Oak Foundation, uma iniciativa educacional que apoia a Universidade de Michigan por meio de bolsas interdisciplinares que exploram o que significa ser humano.

Jose A. Bufill, médico oncologista - Gazeta do Povo - Ideias 



sábado, 11 de novembro de 2023

A doutrinação do Enem - Carlos Alberto Sardenberg

O Globo

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) tem prova de interpretação de texto. Em tese, não importa o conteúdo do texto apresentado aos alunos, pois eles não são chamados a concordar ou discordar. 
Apenas a entender o que o autor quis dizer.

A prova seria neutra, portanto. Mas, sendo assim, parece razoável que os testes, principalmente quando tratam de política, sociologia, economia ou História, tragam diferentes visões teóricas. Dupla neutralidade. Não é o que se viu no último Enem. Todos os textos revelam clara orientação de esquerda, não raro de uma esquerda velha.

A questão 61 da prova branca apresenta um texto de Michel Foucault, filósofo francês, sofisticado pensador de sucesso nos anos 1970 e 1980. Difícil leitura, mesmo para universitários. Mas a frase do Enem não é das mais complicadas. Afirma que o capitalismo introduz ilegalidades em todas as camadas da sociedade. Mas as classes privilegiadas desfrutam ilegalidades mais proveitosas, digamos assim. De qualquer modo, capitalismo é igual a ilegalidade.

Seguem-se questões com base em textos de outros dois filósofos franceses do século passado, Sartre e Merleau-Ponty. Foram pensadores de esquerda, mas na prova do Enem as frases não têm contexto político direto. A questão 46, do filósofo marxista alemão Theodor Adorno, também do século passado, não deixa dúvidas sobre a orientação. Sustenta que, no capitalismo, a diversão é o prolongamento do trabalho. E, se o trabalho é explorado pelo capital, como entender a diversão?

A questão 60 traz um texto que ataca a “mágica do Google Assistant” e sua inteligência artificial. 
Diz que seus trabalhadores são obrigados a tarefas repetitivas, sem poder expressar criatividade, forçados a horas extras sem remuneração e que ganham muito mal
Escravos dos algoritmos. O Google, gente? 
Quem já frequentou alguma das sedes da empresa vê exatamente o contrário: pessoas criativas, gerando programas e aplicações num ambiente de conhecimento e cultura. E ganham bem. Mais do que os trabalhadores das indústrias antigas, como uma montadora de carros. O futuro está nessa tecnologia, na inteligência artificial.

De novo, sei que não se pede ao aluno que concorde com o texto. Mas certamente deixa o estudante embaraçado topar com algo tão distante da realidade. Dificulta responder se conhece o ambiente da tecnologia ou se pretende trabalhar nele.

A campeã de esquerdismo velho é a questão 89, cujo texto sustenta que o agronegócio no Cerrado comete vários pecados, como a introdução da mecanização. 
É sério — a mecanização, base de ganhos de produtividade, é um mal. Tem mais: o agronegócio privatizou a “a água, as sementes, os minerais e as terras”. E levou à “pragatização dos seres humanos e não humanos”. E tudo isso para acabar com a vida dos camponeses.

A menção a camponeses chamou a atenção. Mesmo no pensamento de esquerda, não se usa mais esse conceito. Fala-se de trabalhador rural, pequeno produtor familiar. A fonte é um ensaio publicado na Revista de Geografia da UEG, que começa pela discussão do conceito de camponês. Baseado em teorias de Marx e Lênin!

Para entender o agronegócio do século XXI.

O aluno não é obrigado a concordar. Mas imaginem o desconforto de um jovem que more numa das tantas áreas do Brasil onde o agronegócio gera riquezas e intensa atividade econômica. Ele lê aquele texto e vai procurar onde está a pegadinha. Imagine o desconforto de um aluno que pretende frequentar alguma escola de agronomia, pois vê no noticiário que o Brasil sabe produzir alimentos para o mundo.

Há também questões que comentam positivamente a agricultura urbana no Rio. As hortas de apartamento no lugar da enorme produção do agro? A orientação da prova se mostra também pelo que não traz. Nada sobre democracia, liberdade de imprensa, direito de voto, valores individuais.

 Programa de governo? Bobagem 
 
Trata-se de um sutil truque de doutrinação. As questões estão num banco de dados do Inep, alimentado constantemente. Há de vários tipos. A escolha revela a orientação da prova. E essa orientação determina o que as escolas ensinarão. Trágico.


terça-feira, 27 de junho de 2023

Mais impostos à vista - Revista Oeste

Carlo Cauti

O principal problema do arcabouço fiscal é simples: a conta não fecha. E isso segundo os próprios cálculos apresentados pelo governo

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrega do projeto do novo arcabouço fiscal para o Congresso (18/4/2023) | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

“O novo arcabouço fiscal [na prática será um calabouço fiscal] demandará um aumento permanente e bastante alto da carga tributária.” Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica e ex-presidente do Insper, não poderia ser mais claro em comentar os efeitos da nova regra das contas públicas que substituirá o atual Teto de Gastos.

O economista discursou no dia 23 de maio durante um almoço com a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE). O alerta sobre mais impostos à vista para os cidadãos brasileiros, todavia, não adiantou. Poucas horas depois o texto-base do arcabouço fiscal foi aprovado pelos representantes do povo na Câmara dos Deputados com 372 votos a favor e 180 contra.  
Uma maioria esmagadora. Entre eles, muitos deputados da própria FPE, como Greyce Elias (Avante/MG), Keniston Braga (MDB/PA) e Augusto Coutinho (Republicanos/PE). Até mesmo 30% dos deputados do Partido Liberal (PL), ao qual é filiado o ex-presidente Jair Bolsonaro, votaram a favor do arcabouço. A orientação explícita do partido para votar contra foi sumariamente ignorada.publicidade

Duas opiniões unem quase todos os economistas do Brasil em relação ao arcabouço fiscal. A primeira é a falta de clareza nas complicadas regras que redigirão o orçamento federal. A segunda é justamente o alerta feito por economistas como Lisboa: o risco de aumentar ainda mais o peso dos tributos na vida dos já sobrecarregados cidadãos brasileiros.

O principal problema do arcabouço fiscal é simples
: a conta não fecha. E isso segundo os próprios cálculos apresentados pelo governo.  

Os gastos públicos previstos para os próximos anos são de tal magnitude que apenas um brutal incremento de impostos poderá encontrar os recursos necessários para financiar tamanho esbanjo. “Esse arcabouço está completamente desequilibrado em relação aos gastos e não racionaliza as receitas”, disse à Revista Oeste Raul Velloso, consultor, especialista em contas públicas e presidente do Fórum Nacional Inae. “O foco não está sendo nos gastos. E seria necessário olhar os gastos, entender o que ocorreu com eles no passado e inseri-los em um sistema de controle eficaz.”

O economista explica como o arcabouço fiscal permite um aumento das despesas acima da inflação, entre 0,6% e 2,5%, ao contrário do Teto de Gastos, que previa um aumento no máximo igual à inflação do ano anterior. 

O Senado furou o arcabouço fiscal
A prova disso foi a aprovação do texto no Senado Federal na quarta-feira, 21, no qual os senadores fizeram quatro principais mudanças em relação ao texto aprovado pelos deputados. Foram retirados dos limites fiscais o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o Fundo Constitucional do Distrito Federal, e despesas com ciência, tecnologia e inovação.

A mudança não foi negociada com o deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), relator do texto na Câmara, e vai impor o retorno para a votação dos deputados. Além disso, o maior problema dessa mudança é a ausência de critérios sobre o que seriam despesas com ciência, tecnologia e inovação. Em tese, o governo poderá incluir qualquer despesa dentro dessas rubricas, burlando o limite de gastos. Sem contar que essas despesas poderão crescer sem qualquer restrição, levando ao caos na contabilidade federal.

O texto que chegou ao Senado, na verdade, já era muito melhor em relação ao que tinha sido enviado à Câmara pelo governo
Cláudio Cajado incluiu uma série de gatilhos automáticos para conter o esbanjamento de gastos públicos em caso de excesso de despesas. 
Por exemplo, proibindo a criação de novos cargos públicos, realização de concursos, alteração de carreiras, aumento salarial de servidores, concessão de benefícios fiscais, entre outros.
 
A inclusão desses “freios de emergência” no documento animou o mercado. Exatamente por isso, no dia da aprovação do arcabouço, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, fechou em alta de mais de 1%. “O mercado ficou mais tranquilo com esse documento”, explicou Tiago Sbardelotto, economista da XP. “As incertezas sobre a disciplina fiscal diminuíram. Não é uma regra perfeita, mas melhor uma regra que estar sem regras.” Não por acaso, após a aprovação do arcabouço, o Ibovespa acumulou uma série de pregões positivos, registrando uma valorização de mais de 10% no mês de junho.
 
Rombo pela frente
Mas o maior empecilho para fechar as contas públicas se origina nas políticas do PT.  
Um dos cavalos de batalha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre foi o aumento real do salário mínimo, política implementada durante seus primeiros dois mandatos, e que ele quer propor novamente na terceira passagem pelo Palácio do Planalto. 
Só que um aumento real do mínimo provoca uma indexação em cascata, principalmente em gastos da Previdência Social. 
Além disso, outras propostas do governo são o reajuste real do salário dos servidores públicos e a indexação dos custos de saúde e educação à receita corrente.

Uma desenfreada ciranda de despesas públicas que relembra os trágicos mandatos da ex-presidente Dilma Rousseff. Ela pode ter sofrido impeachment, mas sua máxima “gasto público é vida” evidentemente ainda circula vigorosa pelos gabinetes de Brasília. Gerando o mesmo resultado: desequilíbrio fiscal. Para financiar todos esses passivos o governo precisará de, pelo menos, R$ 150 bilhões por ano. O equivalente ao orçamento total do Bolsa Família para 2023.

Para o economista Marcos José Mendes, pesquisador associado do Insper, as novas regras previstas no arcabouço fiscal “são incompatíveis” com essas políticas de aumento maciço de gastos públicos. “Vai ser preciso aumentar a receita em um valor maior do que a União recebe hoje de imposto de renda líquido. Isso não se faz só acabando com subsídios tributários, “jabutis” e lacunas da legislação fiscal. Isso exigirá um aumento muito forte de carga tributária, que é bastante prejudicial ao crescimento econômico”, disse ele.

A gastança já começou

A gastança, na verdade, já começou antes mesmo da aprovação do arcabouço. Um dia antes da votação do texto, os Ministérios do Planejamento e da Fazenda pioraram a previsão de déficit primário para 2023, passando de R$ 107,6 bilhões para R$ 136,2 bilhões, o equivalente a 1,3% do PIB. Contando os juros da dívida pública, o orçamento deste ano vai fechar com um déficit de R$ 228,1 bilhões. Um valor superior ao rombo registrado em 2016, último ano do governo de Dilma, quando o vermelho foi de R$ 155,7 bilhões.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu diminuir essa voragem de dinheiro público com medidas que definiu como “recomposição de receitas”. Em bom português, aumento de impostos. Os membros do Executivo insistem no malabarismo intelectual de que seria possível “aumentar a arrecadação sem aumentar a carga tributária”. Isso, dizem, seria possível graças a um aumento simultâneo do PIB, que diluiria o efeito da maior retirada de recursos da população por parte do Leão. Para eles seria possível aumentar a receita sem criar novos impostos ou pesar em alíquotas de impostos já existentes. Basicamente, o PT diz ter descoberto a fórmula do moto-contínuo nas finanças públicas.

Obviamente, isso não vai ocorrer. Mas a bulimia fiscal do governo persiste
. Por isso, Haddad já está preparando um revogaço de benefícios fiscais concedidos no passado, principalmente, para empresas. Por sinal, concedidos em grande parte durante governos do próprio PT, como forma de alavancar o PIB. Só que eles entregaram a pior crise econômica da história do Brasil.

Com o revogaço dos benefícios fiscais, a Fazenda estima uma receita extra de R$ 300 bilhões. Para a maioria dos analistas, se chegar no máximo à metade desse valor, poderá ser considerado um sucesso. Nesse bolão estão, por exemplo, o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus. Vacas sagradas intocáveis até pelo governo Lula
Sem contar que muitas empresas só aceitaram se instalar no Brasil por causa desses incentivos, os quais compensam, em parte, a baixa competitividade do sistema Brasil. Sem esses descontos nos impostos, essas empresas simplesmente fechariam as portas. Com aumento consequente do desemprego e redução ulterior da receita tributária.

“Sem esses recursos, a conta não vai fechar”, afirma Tiago Sbardelotto. “Há um grande caminho pela frente. Tanto que o governo já anunciou que imediatamente na sequência da aprovação do arcabouço vai propor novas medidas de arrecadação tributária. O secretário da Receita foi muito firme em dizer que há um plano A, B, C e D para aumentar a arrecadação. No final teremos um aumento de carga tributária.”

Caça à receita e “estratégia do salame”
Durante uma entrevista concedida em abril, o próprio Haddad admitiu que precisa de R$ 110 milhões a R$ 150 bilhões de incremento permanente de receita para viabilizar o arcabouço. Se não conseguir arrecadar esse valor, a nova regra fiscal não vai parar de pé. Por isso, logo que o Executivo tomou posse, começou em Brasília uma verdadeira “caça à receita”, com a invenção de novas modalidades de prelevo de recursos do bolso dos brasileiros.

O governo está sendo forçado a recorrer à “estratégia do salame”. Cada dia um imposto novo. Porém pequeno. Pouco visível. Que afete somente partes da sociedade, sem que seja percebido por toda a população

“Com um arcabouço com esse, a ênfase se torna a arrecadação. Só que desse jeito o país perde ulteriormente a competitividade. Já somos o país emergente com a maior carga tributária do mundo. É difícil até imaginar o que o governo tem em mente. E o brasileiro não aguenta mais impostos”,
explica Velloso.

Uma das soluções mais rápidas seria cobrar imposto de renda sobre lucros e dividendos, atualmente isentos. Sozinha, essa medida garantiria uma arrecadação de pelo menos R$ 54 bilhões de reais. Mas provocaria furor e indignação na Faria Lima, onde há muitos figurões do mercado financeiro que votaram em Lula em 2022. Em um momento de fuga das pessoas físicas da Bolsa de Valores, a criação de um ônus dessa proporção seria a pá de cal na compra de ações por parte delas. Sem esse fluxo comprador, muitas corretoras e casas de análise não teriam mais razão de existir.

Por isso, o governo está sendo forçado a recorrer à “estratégia do salame”. Cada dia um imposto novo. Porém pequeno. Pouco visível. Que afete somente partes da sociedade, sem que seja percebido por toda a população. Entre outras, é o caso da taxação das apostas eletrônicas, que tinha como objetivo inicial arrecadar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões por ano. Ou a taxação das compras on-line de produtos do exterior, as famosas “blusinhas da Shein”, que mira obter de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões. Ou, ainda, a criação de um novo imposto sobre a exportação de petróleo bruto, que deveria garantir aos cofres públicos cerca de R$ 6,6 bilhões.

Nenhuma dessas soluções é definitiva. São apenas paliativos, que mostram o quanto o governo está desesperado em busca de dinheiro.

Mas o problema maior é que nenhuma dessas soluções conseguiu se concretizar. No caso da Shein, sendo acusada por Haddad de “contrabando”, o governo deu marcha à ré por ordem explícita de Janja, que percebeu a avalanche de críticas nas redes sociais. A desaprovação veio principalmente do eleitorado tradicional do PT, as classes menos abastadas, que mais se beneficiam com o baixo preço das roupas compradas pela plataforma chinesa. Resultado: arrecadação zero.

No caso da taxação das apostas eletrônicas, a cobrança é quase impossível, já que a maioria dessas empresas estão sediadas fora do Brasil, em paraísos fiscais como Aruba ou em países onde existem tratados de não bitributação. Resultado: dos R$ 15 bilhões previstos inicialmente, o governo espera obter no máximo R$ 2 bilhões.

No caso do imposto sobre a exportação de petróleo,
criado por meio de uma brecha legal que permite não passar pelo Congresso Nacional, a frustração foi retumbante. Resultado: o governo arrecadou nos primeiros 60 dias somente R$ 21 milhões. Apenas 0,3% do esperado. E a vigência do imposto terminará, em tese, após 120 dias.

Tudo isso sem passar sequer pela aprovação do Congresso Nacional, onde a ausência de uma base aliada transformaria a aprovação de novos impostos em um verdadeiro Vietnã político.

Para evitar esse pântano, o governo chegou a renunciar a algumas medidas arrecadatórias.  
Por exemplo, a Medida Provisória nº 1.160/2023, editada imediatamente após a posse de Lula, em janeiro, mudando as regras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o órgão que decide sobre as disputas envolvendo impostos e tributos. Com a nova MP, os conselheiros voltariam a ter os chamados “votos de qualidade”, eliminados no governo Bolsonaro. Ou seja, se o consumidor contestasse algum imposto na frente do Carf, o governo teria sempre a maioria dos votos, ganhando sistematicamente todos os processos e obtendo assim mais recursos. Em junho a MP caducou, e o Ministério da Fazenda não ousou propor a conversão em lei no Congresso Nacional. Mesmo significando a perda de bilhões de reais.

Pedido de socorro ao STF
Ao governo não sobrou outra alternativa senão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Que, claro, prontamente o socorreu por meio de uma série de decisões que geraram rapidamente novas, e vultuosas, receitas. Mesmo que isso tenha significado atropelar princípios de civilização jurídica, como o conceito de “coisa julgada’.

Foi o caso dos Temas 881 e 885, em que os ministros concluíram, por unanimidade, que decisões judiciais tomadas de forma definitiva a favor dos contribuintes devem ser anuladas se, em seguida, o STF tiver entendimento diferente sobre o tema. 
Mesmo se o próprio STF já tiver julgado o caso. Com essa decisão, retroativa até 2007 — ainda que cobranças de tributos caduquem após cinco anos —, a União obteve o direito de receber bilhões de reais de empresas brasileiras. 
Uma avalanche de dinheiro que sequer o próprio governo soube quantificar. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que “não há como calcular, a priori, o impacto econômico do julgamento”. Nada adiantou a indignação do mundo empresarial e de advogados de todo o Brasil, que alertaram sobre o risco de uma enorme insegurança jurídica. “Quem não pagou fez uma aposta”, respondeu o ministro Barroso. O mesmo autor do eterno “perdeu, mané, não amola”. 
 
Mas a verdadeira bomba nuclear fiscal foi a decisão do STF que enquadrou os bancos na cobrança de PIS e Cofins sobre receitas financeiras. 
Também nesse caso, foi incluído um retroativo entre 2000 e 2014. Somente essa decisão deveria gerar uma receita extraordinária de R$ 115 bilhões. Curiosamente, exatamente o valor necessário para o governo conseguir fechar as contas públicas. É obvio que o recurso ao STF, além de um claro perfil de ilegitimidade jurídica, é um expediente momentâneo, que não garante a estabilidade das contas públicas. 
Com esse arcabouço fiscal o Brasil vai conviver com déficits maiores, que levarão a maiores necessidades de receitas, ou seja, mais impostos. 
Reduzindo o crescimento futuro do Brasil e deixando o país menos competitivo. 
Sem contar a perene tentação que o governo terá de financiar esses gastos com a impressão de mais dinheiro. [= aumento da inflação]
A independência do Banco Central do Brasil (BCB) impede essa deriva. Por enquanto. Não por acaso, ele se tornou o alvo favorito dos ataques petistas. Mas isso seria o passo definitivo em direção a uma argentinização da economia brasileira. Ou, pior, uma venezuelização.

 
Leia também “Nuvens carregadas no horizonte econômico”

Carlo Cauti, colunista - Revista Oeste

 

sábado, 25 de fevereiro de 2023

Que filhos deixaremos para este mundo? - Raul Jafet


       A frase parece trocada, mas infelizmente é o retrato que vejo hoje, mundo afora, sobre os filhos que estamos deixando nos substituir, para viver e participar do mundo futuro já presente.

Jamais pensei que seria saudosista, afinal, procuro estar sempre atualizado, principalmente na tecnologia, um sonho que acompanho se tornar realidade a cada instante.

Recentemente uma frase que li, me inspirou a escrever esse artigo:

"Os filhos de hoje sabem o preço de tudo, mas o valor de nada!"

Cada vez mais afastados da religião, da família,  os valores éticos e morais que nos foram transmitidos durante gerações,  vão se perdendo a olhos vistos, substituídos pelo "importante é ser feliz, custe o que custar" . Os fins justificam os meios...pelo sucesso e poder, se abatem uns aos outros, se afundam em bebidas e outras drogas, vivem o hoje....o futuro, e a provisão estão longe de suas prioridades.

Os adolescentes, por sua habilidade na tecnologia, desprezam os pais - heróis em nosso tempo - considerando-os apenas provedores de seus Iphones, roupas, games, baladas...

Por isso, em pouco tempo, apareceram 54 tipos de gênero  - antes só o masculino e feminino - pela dificuldade em se situar em algum deles, e  vão nos obrigando - graças aos poderosos que estão por trás disso - a modificar a linguagem que aprendemos nos bancos escolares, para não ferir as suscetibilidades das frágeis e confusas cabecinhas, que após terem passado da adolescência e juventude, ainda não decidiram o que são e como se situam nesse mundo....

Durante o último período eleitoral brasileiro,  exacerbaram-se rancores entre pais e filhos...esses, incapazes de aceitar a experiência e vivência dos mais velhos, respondiam com desprezo e descaso às considerações dos familiares....ouvi de muitos pais, que seus filhos pareciam inimigos dentro de casa....

A competitividade, a luta por espaços cada vez mais reduzidos, a falta de estrutura familiar,  somados a fenômenos climáticos cada vez mais devastadores, os conflitos entre nações que continuam fazendo milhões de vítimas, experiências atômicas e biológicas, estranhas pandemias e suas ainda mais estranhas vacinas...uma decadência acentuada do mundo Ocidental,  propõe rapidamente, severas e trágicas modificações do mundo como o conhecemos.....cabe a reflexão de onde é que erramos, continuamos errando... como sucumbimos às irremediáveis mudanças e não demos os alicerces necessários, como nossos filhos irão enfrentar o que está porvir e de que forma transformarão o mundo? ????

Raul Jafet, autor do artigo, é engenheiro, jornalista e empresário.

 

sábado, 26 de novembro de 2022

Entenda a PEC da transição e por que ela prejudica a sua vida - Gazeta do Povo

VOZES - Deltan Dallagnol

Justiça, política e fé

Lula quer uma PEC de transição que lhe garanta a possibilidade de furar o teto de gastos em 198 bilhões de reais por ano, violando regras básicas de responsabilidade fiscal, sem correr risco de impeachment.

Para colocar a opinião pública a favor da PEC, Lula afirmou há uma semana que o teto de gastos suprime recursos da saúde, educação, ciência, tecnologia e cultura para entregá-los a banqueiros. Para ele, o teto impediria o investimento social. É mais um engodo de Lula. 
Toda pessoa responsável por um orçamento familiar ou empresarial entende que precisa, como regra, gastar menos do que ganha. 
Se gastar mais, vai se endividar com empréstimos e gastos no cartão. Conforme sua dívida cresce, os bancos cobrarão taxas de juros maiores porque o risco de um calote se torna maior.

A cada mês, um valor maior do orçamento doméstico precisará ser separado para pagar os empréstimos, que crescerão com o volume da dívida e a taxa de juros. Se a dívida crescer demais, chegará a um ponto em que se tornará impagável. A família ou empresa se tornará insolvente, quebrará.

É para evitar essa bola de neve de crescimento da dívida do país que foi criada em 2016 a regra do teto de gastos, que estabelece uma limitação para as despesas do governo, que não podem superar aquelas do ano anterior, reajustadas pela inflação.

Essa regra de “responsabilidade fiscal”, controle fiscal ou controle de contas foi inserida na Constituição por meio da Emenda 95 e seu descumprimento acarreta crime de responsabilidade do Presidente da República, que pode resultar no seu impeachment. Por isso, Lula busca autorização do Congresso, por meio de uma nova emenda à Constituição, para realizar despesas acima do teto. Contudo, mesmo que a PEC seja aprovada, permitindo um gasto maior do que a receita, ela não inventa o dinheiro.

O problema, muito mais do que jurídico, é econômico. De onde virão os recursos?

Há três soluções possíveis: o aumento irresponsável da dívida que gera recessão econômica; a impressão de dinheiro que acarreta inflação e pode encontrar óbice na autonomia do Banco Central estabelecida recentemente por lei; e o aumento de uma carga tributária já bastante alta que dependeria do Congresso.

A solução que está nas mãos do presidente é o aumento da dívida, aquela mesma solução já conhecida da família ou empresa que se endivida. Contudo, essa solução não funciona quando as contas não comportam mais endividamento.

O governo toma empréstimos por meio da emissão e venda de títulos da dívida pública, que são comprados por investidores nacionais e estrangeiros, diretamente ou indiretamente quando fazem aplicações em fundos de investimento nos bancos.

O empréstimo será honrado na data e forma estabelecida no título. O governo pode pagar o empréstimo com recursos oriundos dos tributos, ou rolar a dívida emitindo novos títulos da dívida pública. Se a dívida ficar muito elevada ou houver um descontrole das contas públicas, aumenta a desconfiança dos investidores de que o país não terá condições de honrar a sua dívida.  
Países que deram calote, como Argentina, Rússia e Grécia, sofreram consequências gravíssimas na economia como perda do poder de compra da moeda, descontrole inflacionário, desvalorização do câmbio, desemprego e diminuição do padrão de vida da população.

O volume da dívida brasileira é hoje de cerca de 77% do PIB, o que é bastante alto em comparação com outros países emergentes. Por conta da PEC da transição de Lula, que promete um impacto de 800 bilhões mais juros ao longo de quatro anos, economistas têm projetado um crescimento da dívida pública de cerca de 10 a 20 pontos até o fim do próximo governo, aproximando-se do valor do próprio PIB.

O teto de gastos foi criado justamente num contexto de descontrole do aumento da dívida pública, logo após o governo Dilma, para dar confiança de que o país honraria a sua dívida e, assim, favorecer a venda dos títulos e a rolagem da dívida. O teto dá sustentabilidade à dívida e tem previsão de durar 20 anos. A violação do teto de gastos, fora de circunstâncias extraordinárias, destrói a regra e a confiança de que a dívida será honrada. Com isso, a venda dos títulos só ocorrerá mediante a sua oferta pelo governo com uma taxa de juros maior.

Essa taxa de juros paga pelo governo, atrelada aos mencionados títulos, acaba balizando a taxa de juros de toda a economia. De fato, instituições financeiras só emprestarão para pessoas como eu e você se cobrarem de nós uma taxa de juros maior do que aquela que receberão se comprarem títulos do governo, pois o risco de emprestar ao governo é menor.

Assim, se os juros da dívida pública subirem, também subirão os juros que instituições financeiras cobram de empreendedores, agricultores, industriais e consumidores, desacelerando a atividade econômica, porque ela depende em grande medida de financiamentos.

Além disso, uma alta taxa de juros desestimula o empreendedorismo e a geração de riqueza. Pessoas preferirão comprar títulos públicos que lhes rendam altos juros do que investir em empreendimentos econômicos que exigem tempo e energia e implicam riscos.

Assim, o descontrole fiscal prejudica o crescimento do Brasil, a renda e o emprego. É o que o governo promoverá ao extrapolar o teto de gastos, exatamente o contrário do desenvolvimento econômico e social que afirma buscar.

Some-se que aumentar dívida para financiar despesas ordinárias, como quer o PT, viola a regra de ouro fiscal de que só se aumenta dívida para fazer investimentos, porque eles aumentam a riqueza produzida e a capacidade do país de pagar a dívida feita. Ampliar a dívida sem ampliar a riqueza significa transferir injustamente às gerações futuras o encargo de pagar as contas da geração atual.

A PEC da transição pode trazer um benefício instantâneo, de curto prazo, mas trará prejuízos significativos no médio e longo prazo. 
Por suas consequências desastrosas, a PEC da transição já foi apelidada de PEC do estouro, da gastança, do apocalipse ou da Argentina. Com ela, Lula descumpre sua promessa de campanha de responsabilidade fiscal.

Ampliar a dívida sem ampliar a riqueza significa transferir injustamente às gerações futuras o encargo de pagar as contas da geração atual

Nesse cenário, é natural que o índice da bolsa de valores caia. Não é uma conspiração do mercado. As ações da bolsa representam o valor das empresas e, num cenário de recessão e perda de renda e emprego, elas crescerão menos, o que as desvaloriza.

Por tudo isso, é enganosa a narrativa de que o teto favorece banqueiros em prejuízo dos brasileiros. É o contrário: investidores rentistas ganham mais quando os juros sobem. Na verdade, o teto protege a saúde das contas que é condição para a prosperidade de todos.

É também mentirosa a alegação de que o teto impediria o gasto social. A responsabilidade fiscal é condição necessária para a social. Além disso, recursos para os investimentos sociais, que são bastante importantes, podem e devem ser obtidos mediante remanejamento e não aumento de despesas.

Dentre os 30 países com maior carga tributária do mundo, o Brasil é o que menos retorna os recursos arrecadados para a população na forma de serviços públicos essenciais. Não se trata de gastar mais, mas de gastar melhor, reduzindo a ineficiência e o desvio do dinheiro público, no que os governos do PT foram pródigos.

Ao tomar conhecimento dos planos de Lula, Henrique Meirelles desejou boa sorte a investidores. Nós brasileiros precisaremos mais do que de boa sorte. Precisamos de uma boa atuação do Congresso para impedir a catástrofe moral e econômica que o governo do PT planeja impor aos brasileiros.

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Conteúdo editado por:Jônatas Dias Lima

Deltan Dallagnol, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

quinta-feira, 14 de outubro de 2021

Até quando o STF terá julgamentos empatados por birra de Alcolumbre - Gazeta do Povo

VOZES - Alexandre Garcia

Teve grande repercussão o corte de R$ 690 milhões no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações aprovado pelo Congresso. O ministro astronauta Marcos Pontes reclamou do caso ao presidente da República. Jair Bolsonaro se disse surpreendido, que não sabia. Foi um remanejamento do orçamento proposto pelo Ministério da Economia que prejudicou a pasta de Pontes.

Acho que agora vão ter que fazer um outro projeto de lei para devolver a verba retirada. Porque estamos falando de um órgão importantíssimo. Imagine que o presidente Bolsonaro esteve em Campinas na semana passada, vendo um acelerador de partículas e participando da 1ª Feira do Nióbio, e botam água fria nisso.

E tem mais: Ministério da Economia está pensando no orçamento deste ano ao fazer o remanejamento, só que esse ato vai ter influência lá na frente. Quando se corta verba de ciência, tecnologia, inovação, ensino e pesquisa, isso significa cortar o futuro do país. Não existe país no mundo que sobreviva no atraso, ainda mais no mundo de hoje que é altamente tecnológico.

A birra de Alcolumbre
Outra coisa que é essencial é o Supremo Tribunal Federal (STF) ter julgamentos decididos e não empatados. Já tem um julgamento em 5 a 5 só esperando a chegada do novo ministro para dar o voto de minerva. Imagine que a primeira coisa que ele vai fazer quando chegar é assumir a responsabilidade de um desempate. [o mais grave dos sucessivos empates de agora, de 5 a 5, é que as decisões do Supremo mesmo quando o lado vencedor tem ampla maioria, podem ser mudadas ao bel prazer dos ministros - vejam as sucessivas mudanças nas regras da prisão em segunda instância. 
Assim, um ministro a menos, não chega a ser razão importante para a INsegurança jurídica imposta por decisões anteriores da Suprema Corte.]

Isso só está acontecendo porque o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), que é presidente da CCJ do Senado, não quer marcar a sabatina de André Mendonça, indicado pelo presidente da República ao STF, e depois remeter o nome dele para o plenário decidir. A sabatina é para apurar o conhecimento jurídico do indicado, o que é exigido pela Constituição, mas Alcolumbre está com uma birra e não marca a data. E agora ele disse ainda que não aceita pressão, porque Bolsonaro falou que o presidente da CCJ estava saindo das quatro linhas da Constituição ao não realizar a sabatina.

Chegada das chuvas vai diminuir preço da energia

Nesta quarta-feira (13), o senador Espiridião Amin (PP-SC) sugeriu que se passe por cima da CCJ e se leve a indicação direto ao plenário do Senado para decidir isso de uma vez por todas. 
Porque o devido saber jurídico de Mendonça está mais do que comprovado pelos cargos que ocupou na Advocacia-Geral da União e no Ministério da Justiça, e pela trajetória acadêmica na Universidade de Salamanca e na produção de livros de Direito.

Enfim, está complicado. Alcolumbre chegou a alegar que as prioridades da CCJ são a retomada do crescimento, emprego e inflação. Ora, pera lá, nós temos cérebro. Isso não é argumento para uma questão específica, isso é um argumento genérico. Aí é brincadeira!

Ele disse que tem 1.748 outros temas de relevância para apreciar, só que ninguém conhece. A relevância que se sabe é não deixar o Supremo empatar julgamentos e ele está deixando isso acontecer.

Perseguição contra o Conselho de Medicina
E essa maluquice da Defensoria Pública da União cobrando do Conselho Federal de Medicina (CFM) uma indenização de R$ 60 milhões? 
Tudo por causa de uma resolução que disse o óbvio: que o médico tem autonomia para tratar o paciente e fazer o melhor possível, dentro da ética e da lei, na hora que o paciente apresenta sintomas de uma doença. 
Isso é desde Hipócrates, passando pela declaração de Helsinque, que tem a aprovação dos médicos do mundo inteiro todos os anos quando se reúnem.
 
Será que a Defensoria não sabe disso? 
Cerca de 870 advogados assinaram um manifesto tentando ensinar a Defensoria da União que quem cuida dos médicos é o CFM. 
É tudo tão óbvio, só que parece que eles entraram na mesma militância da CPI da Covid.

O senador Eduardo Girão (Podemos-CE) falou ontem que a CPI não quis ouvir os médicos. Vocês lembram que o relator Renan Calheiros (MDB-AL) se retirou da sala quando os médicos foram lá ensinar os senadores o que deve ser feito para tratar pessoas. O presidente do CFM lembrou que 22 milhões foram salvos. Cá entre nós, acho que é o dobro disso, é só perguntar por aí. O povo sabe!

Alexandre Garcia, colunista - Gazeta do Povo - VOZES 


quarta-feira, 4 de agosto de 2021

"Os que buscam atingir o governo atingem o país" - Alexandre Garcia

A divergência ideológica move os que não têm pejo de falar mal do país em que nasceram, passando por cima do princípio de patriotismo

Por que a imagem do Brasil no exterior está tão deteriorada? Essa pergunta me fizeram em uma palestra sobre Comunicação Estratégica, para oficiais superiores que irão comandar unidades do Exército pelo país. Os ministros da Agricultura e Turismo, recém-chegados de reuniões do G7 e G20 em Roma, ficaram com a impressão de que a imagem do Brasil nunca esteve tão ruim. O ministro Gilson Machado, que não leva desaforo para casa, prepara contra-ofensiva pelo bom nome do nosso país. Por que imagem negativa, se temos tantos dados positivos para mostrar ao mundo? Estaríamos escondendo o bom e mostrando o ruim?

A origem dessa propaganda negativa é política e comercial. Os que pretendem atingir o governo atingem também o país. O jejum da Lei Rouanet ajuda a turbinar a campanha; a divergência ideológica move os que não têm pejo de falar mal do país em que nasceram, passando por cima do princípio de patriotismo, em que a gente pode falar mal aqui dentro, mas lá fora defende sempre. Apátridas não se importam com isso.

A concorrência comercial é um ingrediente importante na propaganda anti-Brasil. Estamos cada vez mais importantes no comércio mundial. Carne, soja, sucos, minérios. Um em cada cinco pratos no planeta tem alimento brasileiro. 
E o alimento é o mais essencial dos combustíveis. 
A ministra Tereza Cristina teve que ir a Roma desfazer armadilhas contra nossas exportações. 
Destinos turísticos do mundo sentem o poder brasileiro no turismo de natureza.
 
O mote é a Amazônia, embora sejamos o país que mais preserva seu solo, cerca de 60% da área nacional. Semana passada, o Ministério da Defesa demonstrou a adidos militares de 34 países o que as Forças Armadas vêm fazendo pela Amazônia. 
Na agricultura e pecuária, tecnologia e sustentabilidade são palavras de ordem no setor. No entanto, o preconceito ideológico é forte. 
E miram no governante não se importando em acertar o país, tal como aconteceu na pandemia.  
Os que adotaram o coronavírus como parceiro contra o governo, debilitaram a renda nacional, o emprego e as empresas. No exterior, para atingir o governo, sujam a imagem dos brasileiros.
 
Alexandre Garcia, jornalista - Coluna no Correio Braziliense 
 

domingo, 10 de janeiro de 2021

Esperança e cuidado – O Estado de S. Paulo

Opinião

Seria equívoco achar que cuidados e protocolos podem ser flexibilizados por 'termos vacina'. Não é hora de relaxar. Ainda é longo o caminho para vencer a pandemia. Depois de longos e ansiosos meses de espera, o País está próximo do início do processo de vacinação contra a covid-19. Na sexta-feira passada, o Instituto Butantan e a Fiocruz pediram à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) autorização para o uso emergencial de suas vacinas, a Coronavac e a AstraZeneca/Oxford.

[Somos favoráveis à vacinação - muitos dos nossos gozam de saúde perfeita,  e devem em grande parte às vacinas que receberam ainda no século passado. 
Mas, imperioso lembrar que a vacina, ou vacinas, contra a covid-19, estão em uma situação especial e apresentam particularidades que não podem ser esquecidas. 
Alguns exemplos:
- prazo de imunização: não se sabe se a imunização é por seis meses, um ano, permanente, etc - há o risco de quando alguns milhões forem imunizados, se constatar que os primeiros milhões imunizados perderam a proteção, o que tornará necessário que sejam revacinados;
- efeitos colaterais: o tempo de uso e testes do fármaco é muito breve  para garantir que não ocorrerão efeitos colaterais.
E, tem outros.]

No ofício à Anvisa, a Fiocruz solicitou autorização para importar 2 milhões de doses da vacina, bem como para produzir aqui 100 milhões de doses no primeiro semestre e mais 110 milhões no segundo semestre. No caso da Coronavac, há previsão de que ela seja utilizada para imunizar toda a população do Estado de São Paulo, segundo o Plano Estadual de Imunização. Além disso, estão em curso negociações para sua utilização em todo o País.[não há muito o que negociar, tendo em conta que o Plano Nacional de Vacinação - aplicado em  TODO o Brasil, beneficiando TODOS os brasileiros  - tem prioridade sobre qualquer plano estadual.]

As notícias sobre as vacinas são excelentes. Desde o ano passado, a covid-19 já matou mais de 1,9 milhão de pessoas e provocou enormes estragos sociais e econômicos no mundo inteiro. No Brasil, já são mais de 200 mil mortes. Os pedidos de autorização à Anvisa são, portanto, motivo de grande esperança. É especialmente alvissareiro, por exemplo, saber que os brasileiros poderão, muito em breve, ser imunizados com uma vacina com 78% de eficácia contra casos leves de covid-19 e 100% de eficácia na prevenção de casos graves, moderados ou que precisam de internação hospitalar. Essas são as taxas de eficácia da Coronavac, desenvolvida pela farmacêutica chinesa Sinovac em parceria com o Instituto Butantan.

No entanto, é preciso cuidado para que a boa notícia na verdade, a espetacular notícia – a respeito das vacinas não se transforme em uma ilusão. As vacinas não são fórmulas mágicas que fazem sumir a pandemia de covid-19. Elas não extinguem, por exemplo, a necessidade de respeitar os protocolos sanitários, tantas vezes repetidos pelas autoridades nos últimos meses. 

Vacinas são instrumentos para imunizar a população. Seu principal – e tão esperado – efeito não é uma espécie de passe livre para quem foi vacinado, autorizando um retorno imediato à “vida normal”. Seu resultado mais relevante, capaz de afastar os principais riscos advindos da covid-19, virá apenas depois da vacinação de parte expressiva da população. Vacina-se com uma seringa e agulha. Mas a vacinação de uma população não é um ato, e sim um longo processo, que deve durar vários meses. É preciso, portanto, cuidado para não confundir início da vacinação com automática imunização.

Ter vacinas aprovadas pela Anvisa é um passo importante no enfrentamento da covid-19, mas está longe de ser suficiente. Basta pensar em tantas doenças para as quais há vacinas e mesmo assim continuam ceifando vidas e causando sofrimento e limitações a muitas pessoas. Na batalha para vencer a pandemia, não basta dispor de alta tecnologia biomédica. É preciso empenho da sociedade e do poder público, nas três esferas. Medida essencial, por exemplo, é assegurar que informações claras e precisas cheguem a toda a população.

As famílias precisam estar bem orientadas a respeito da função e dos limites da vacina no combate à covid-19. O distanciamento social, as medidas de higiene e o uso de máscara continuam sendo necessários – vitais, mesmo. “Uma vacina tem papéis diferentes em situações normais e em situações pandêmicas como essa”, disse Dimas Covas, diretor do Instituto Butantan. “Temos de lembrar que estamos perdendo pessoas. Uma vacina nesse momento vem para diminuir a carga da doença, para impedir que as pessoas uma vez infectadas desenvolvam a forma grave da doença.”

Os pedidos de autorização das vacinas à Anvisa são uma excelente notícia precisamente porque a batalha contra a covid-19 é árdua. O início da vacinação é motivo de profunda esperança, mas deve ser também ocasião para relembrar a gravidade da pandemia. Vidas humanas continuam em perigo – e o cuidado de cada um continua sendo decisivo. Seria um equívoco achar que os cuidados e protocolos podem ser flexibilizados porque “temos vacina”. Não é hora de relaxar. Ainda é longo o caminho para que a pandemia seja vencida.

Opinião - O Estado de S. Paulo 

 

domingo, 20 de dezembro de 2020

As condições do governo brasileiro para a adoção do 5G chinês - Radar

Robson Bonin - Veja

Palácio do Planalto enviou recado à China sobre a escolha da tecnologia

O Planalto enviou recado à China. Para o país ter alguma chance de levar o 5G, o embaixador chinês, Yang Wanming, terá de ser substituído. Como se sabe, o representante do país no Brasil tem um histórico de atritos com o governo Bolsonaro.

Em abril, respondeu duramente às acusações de Eduardo Bolsonaro sobre a condução da pandemia na China — “o deputado deve ter contraído o vírus mental”. Na rusga mais recente, em novembro, reagiu a declarações do filho do presidente sobre o 5G chinês e falou em “consequências negativas” para o Brasil.

 Radar - Robson Bonin - VEJA