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quinta-feira, 9 de abril de 2020

Tentativa e erro – Editorial - Folha de S. Paulo

Sem estudos, países tateiam na intensidade das restrições contra o coronavírus

Ainda não se dispõe de resposta auspiciosa para os que perguntam quando o pesadelo da pandemia do coronavírus estará superado e a vida voltará ao normal.  Países que pareciam estar lidando bem com a crise, mantendo a curva epidemiológica sob relativo controle sem sacrificar demais a circulação de pessoas e a economia, como Singapura, Japão e Suécia, já se preocupam com as estatísticas mais recentes e anunciam medidas de restrição mais drásticas.

A própria China, que começa a relaxar o cerco sobre as áreas mais atingidas, age com extrema cautela. O receio é que o vírus volte a ter transmissão sustentada, dando início a um segundo surto epidêmico. Os europeus Áustria, Dinamarca, Noruega, República Tcheca e Bélgica previram retomadas graduais de atividades após a Páscoa, e a Eslováquia reabriu parte do comércio. Mesmo nessas nações, cujos sistemas de saúde não ficaram sobrecarregados, a cautela predomina.
Não é simples conter uma pandemia. A melhor forma de fazê-lo consiste em desenvolver uma vacina, e alguns dos melhores cientistas do mundo trabalham nisso. Não há garantia, porém, de que conseguirão achá-la rapidamente e produzi-la em escala comercial.

Sem isso, epidemias de grande porte tendem a só acabar depois que determinada parcela da população já tiver sido infectada e desenvolvido imunidade contra o patógeno. À medida que a proporção de imunes aumenta, diminui a probabilidade de uma pessoa infectada encontrar uma suscetível para transmitir-lhe a doença. A certa altura, chega-se à chamada imunidade de rebanho. Não sabemos, porém, quando a teremos.  Faltam bons estudos epidemiológicos sobre o Sars-CoV-2. A quantidade de pessoas que um doente típico infecta —a informação mais importante a ser obtida— foi inicialmente estimada em algo entre 1,4 e 3,9, mas trabalhos mais recentes sugerem números mais elevados.

Também se desconhece a proporção de pacientes assintomáticos para cada infectado que identificamos. Se elevada, como sugeriu um modelo de pesquisadores da Universidade Oxford, a distância para a imunidade de rebanho cai.  A boa notícia é que estão em curso trabalhos que prometem oferecer algumas dessas respostas, indispensáveis para um bom planejamento tanto das necessidades hospitalares como de um eventual relaxamento das restrições.  Alguns desses estudos, como o conduzido em Heinsberg, na Alemanha, devem trazer resultados preliminares já nos próximos dias.  Até o devido conhecimento, resta aos governos de todo o mundo guiarem-se por prudência e flexibilidade para rever orientações a partir da experiência acumulada.

Editorial  - Folha de S. Paulo




terça-feira, 20 de março de 2018

Tentativa e erro


O estranho caso das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44 que querem rever a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de prisão após decisão da segunda instância judicial revela bem as manobras de bastidores que, alegando tratarem de questões genéricas, objetivam realmente impedir que o ex-presidente Lula vá preso.


O histórico da decisão mostra bem os caminhos tortuosos trilhados dentro do STF e, sobretudo, a falta de urgência da matéria. O julgamento do habeas corpus que gerou, por maioria, a volta à jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância foi feito em fevereiro de 2016, e em outubro as liminares das ADCs  impetradas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pela OAB foram julgadas em plenário, que confirmou a decisão original.  O relator foi o ministro Marco Aurélio Mello, que as colocou à disposição da pauta  para votação do mérito com seu voto no dia 7 de dezembro de 2017, isto é, mais de um ano depois.  Descobriu-se agora, de repente, um ano e cinco meses depois da decisão, que não havia sido publicado o acórdão daquele julgamento.

Isto quer dizer que o ministro Marco Aurélio não poderia ter liberado o caso para julgamento
, pois ele estava incompleto. Mas a descoberta extemporânea propiciou ao Instituto Ibero Americano de Direito Público, amicus curiae na ação, entrar com embargos de declaração com efeitos infringentes para tentar modificar a decisão da Corte. Ao mesmo tempo, também do nada, uma Associação de Advogados do Ceará entrou com um habeas corpus coletivo “contra ato omissivo da Excelentíssima Senhora Ministra Presidente, por não pautar, uma vez disponibilizados os feitos pelo Ministro Relator, desde o dia 05/12/2017, para julgamento pelo plenário do mérito das ADCs 43 e 44”.

O habeas corpus coletivo foi baseado, segundo alegam, na decisão da Segunda Turma do STF que o concedeu a todas as presas grávidas e com filhos pequenos, permitindo que ficassem em prisão domiciliar. Não há, na verdade, nenhuma relação de um caso com o outro, mas a maneira jurídica como a questão está sendo tratada leva a curiosas situaçõesO ministro Gilmar Mendes foi agraciado pelo algoritmo do STF com a relatoria do caso, e como ele considera que a decisão do STF apenas aceita a prisão em segunda instância, mas não a torna obrigatória, entendeu que não cabe um habeas corpus coletivo para um tema que tem que ser decidido caso a caso, ao contrário das presas grávidas, que já são contempladas pela legislação pela gravidez em si. [o ministro Gilmar Mendes já negou o pedido e com isso desligou os holofotes sobre a tal AACE.]

Outro fato interessante é que como o habeas corpus da Associação dos Advogados do Ceará é contra uma decisão da presidente do Supremo, o regimento diz que só pode ser julgado no plenário, afastando a possibilidade de julgamento na Segunda Turma, onde a maioria dos ministros é contra a prisão em segunda instância, inclusive Gilmar Mendes, que mudou de posição e hoje tende a aprovar a tese de Dias Toffoli de que a prisão seria autorizada após a chamada terceira instância, isto é, o Superior Tribunal de Justiça. Alguns juristas, por sinal, consideram a tese do ministro Toffoli discutível, pois pretende dar efeito suspensivo ao recurso especial, de competência do STJ, e não ao extraordinário, da alçada do STF. Ambos os recursos não se destinam à apreciação de provas, se boas ou ruins. No recurso especial, de competência do STJ, discute-se eventual ofensa à legislação federal ou a tratados internacionais, ao passo que no extraordinário, de competência do STF, debate-se ofensa ao texto constitucional.O debate acerca da legalidade ganharia mais relevância do que uma questão constitucional.

Hoje no Supremo há uma expectativa de reunião entre os ministros, que pode ou não ter a presença da presidente Cármen Lúcia, para tentar um consenso que dificilmente será alcançável. Se houver disposição de algum dos ministros, o tema deve ser levado à discussão em plenário na reunião de amanhã. Uma coisa está certa: não há nenhuma urgência no tratamento da questão, a não ser a premência de uma solução antes da decretação do início do cumprimento da pena pelo ex-presidente Lula, que provavelmente ocorrerá na sessão do TRF-4 marcada para o dia 26.

Merval Pereira - O Globo