Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Páscoa. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Páscoa. Mostrar todas as postagens

terça-feira, 18 de abril de 2023

O triunfo do BEM - Revista Oeste

Ana Paula Henkel

Para a sua Páscoa e de sua família, desejo um sopro de coragem vindo não apenas de um líder religioso, mas um líder humano nato, forjado na luta contra o verdadeiro e cruel mal da humanidade

                                          Papa São João Paulo II

A essa altura, todos já devem ter visto ou lido as lamentáveis declarações do papa Francisco sobre Lula e Dilma. Se você ainda não viu, mesmo não sendo católico, como eu, tome um antiácido para ler o próximo parágrafo.

Numa entrevista para o canal de notícias argentino C5N, o papa Francisco sugeriu que o ex-presidiário Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado sem provas, apenas com indícios e sob uma Justiça que “não é justa”. De acordo com o pontífice, o pobre coitado do descondenado pelo STF, a mais alta Corte da Justiça brasileira, foi vítima de injustiça.

De acordo com o papa, o político mais corrupto de nossa história foi vítima de lawfare — termo muito usado pelos norte-americanos e que se refere ao uso indevido do sistema legal e das leis para fins políticos ou de perseguição pessoal. Tudo isso, segundo Francisco, com uma “ajuda” dos meios de comunicação — ou seja, a imprensa que noticiava o rumo das investigações e prisões da Lava Jato também perseguiu o amigo de Daniel Ortega o ditador da Nicarágua, amigo do coitado e perseguido Lula, que persegue cristãos. Não, Francisco não tocou nesse assunto.

Mas Francisco ainda falou sobre Dilma Rousseff. E não poupou elogios à ex-presidente: “Falando ainda do Brasil, o que aconteceu com Dilma Rousseff? Uma mulher de mãos limpas. Excelente mulher”, afirmou o pontífice logo depois de o jornalista argentino ter dito que “tiraram Dilma por um ato administrativo menor”. Bergoglio disse que Lula e Dilma são “inocentes condenados” e completou que o papa e os políticos têm a missão de desmascarar uma Justiça “que não é justa”. [como católicos e cumprindo o DEVER de divulgar a VERDADE, sugerimos a leitura da matéria:

  O Papa erra? Bispo explica dogma da infalibilidade papal

que explica com clareza, conhecimento, isenção e responsabilidade a diferença entre a INFALIBILIDADE PAPAL quando fala ex-cathedra e quando fala como cidadão emitindo uma OPINIÃO.  

Oportuno ter em conta que toda a matéria, deve ser lida, analisada, como uma OPINIÃO de um cidadão, portanto, passível de falhas.  Saiba mais, clicando aqui.]

Mas isso, por incrível que pareça, não foi a única bobagem dita por Francisco. O papa afirmou que se preocupa com o avanço da “ultradireita” no mundo e usou um versículo bíblico para justificar seu posicionamento social atrelado ao comunismo. Interpelado sobre qual o “antídoto” para combater a chamada ultradireita, Francisco defendeu a “justiça social”, termo usado apenas pela ultraesquerda no mundo. “Não há outro (antídoto)”, argumentou o papa. “Se você quiser discutir com um político ou com um pensador da ultradireita, fale sobre justiça social.”

A oposição de João Paulo II ao totalitarismo surgiu de sua devoção à ideia dos direitos humanos dados por Deus

O papa é constantemente bombardeado com críticas e questionamentos sobre seus posicionamentos para lá de políticos, e de sua constante sinalização com a agenda da esquerda radical e do globalismo. Quando questionado se ele é comunista, Francisco tergiversou e utilizou a passagem bíblica de Mateus 25 para justificar seu posicionamento: “Padre, você é comunista? Minha carta de identidade é Mateus 25”, disse. “Leia Mateus 25 e veja se quem escreveu não era comunista. Tive fome e me deste de comer, tive sede e me deste de beber, estive nu e me vestisse. Essa é a regra de conduta. Comunista? Comunista!”

Diante dos absurdos profanados pelo líder oficial atual da Igreja Católica, não apenas os fiéis da igreja, mas cristãos como um todo derramaram críticas na internet sobre tais declarações. Alguns católicos, que, assim como outros seguidores de outras doutrinas, adoram usar a religião para sinalizar virtude, saíram em defesa do pontífice e fecharam os olhos para o perigoso caminho tomado por Francisco. Muitos, usando a mesma bobagem que a esquerda usa para balizar qualquer discussão e manter as opiniões dissidentes fora do debate, trouxeram a carta do “lugar de fala” — se você não e católico, feche a boca.

Bem, aqui não. Aqui, não apenas não fecharemos os olhos para qualquer declaração absurda a favor de comunistas, como também temos o tal “lugar de fala”. Sou batizada, catequizada e crismada na Igreja Católica, religião que sigo desde o meu nascimento

Vou à missa todos os domingos, rezo o meu terço todo santo dia (embora não tenha a necessidade de lotar minhas redes sociais com fotos de um assunto tão privado), e meu filho, 22 anos, será crismado no Domingo de Páscoa, depois de dez meses de intensos estudos. É “lugar de fala” que querem para criticar o papa? Check.

Dito isso, seguirei com as minhas críticas ao pontífice, principalmente pela razão que sempre foi destacada pelo nosso verdadeiro líder espiritual na terra, o papa São João Paulo II, de que os pilares da justiça e da honestidade na Igreja Católica seriam sustentados pelos fiéis vigilantes, que, estando alertas, lutariam contra qualquer tribulação.

Há pontos tão incômodos, eu diria até estarrecedores, no caminho de Francisco como papa que deixam até os católicos fervorosos mais apreensivos. O fato de ver sua defesa a membros de um partido que é uma quadrilha e a um corrupto condenado “com provas sobradas” (palavras do desembargador Gebran Neto — apontado ao TRF-4 pela administração petista — na chancela da condenação de Lula) não é o que mais choca, acreditem. O absurdo maior na fala de Francisco reside no fato de que esse partido, seus membros e seu líder estão enlaçados em páginas e mais páginas de relações íntimas com comunistas pelo mundo. Essa associação não pode ser colocada fora da equação quando criticamos essa entrevista e outros indícios de que Francisco se mostra um agente político de uma agenda que vai completamente contra os preceitos da Igreja Católica, e do próprio legado de João Paulo II, que, entre imensos trabalhos importantes para nós, católicos, lutou até seu último dia de vida contra regimes totalitários e, principalmente, o comunismo.

E a vida tem umas coincidências estranhas, não é mesmo… Pouco tempo depois de fecharmos nossa trilogia sobre o comunismo e na mesma semana em que lemos essas aberrações vindas daquele que deveria zelar por sua igreja, pela verdade e por seus fiéis, passamos por mais um 2 de abril, data da morte de João Paulo II.

Foi em 2 de abril de 2005 que os católicos perderam seu mais importante e significativo líder, o hoje santo papa João Paulo II. Os católicos amam João Paulo II por sua santidade, como demonstrado, entre outras formas, por seu evangelismo pregado na premissa do amor ao próximo. Karol Wojtyla, seu nome de batismo, viu e viveu o comunismo e o nazismo de perto em sua querida Polônia

Em tempos estranhos, quando um papa defende políticos que estão há décadas emaranhados com ditadores e comunistas pelo mundo, em tempos desconfortáveis quando um papa diz que Joe Biden, o presidente “católico” que defende o aborto na maior nação do mundo, “é um homem bom”, recorremos à sua força, João Paulo II, para seguir lutando pela nossa Igreja e seu legado de liberdade deixado no mundo.

Para muitos historiadores, nenhuma das realizações do falecido papa parece maior do que seu papel no final da Guerra Fria e na queda do comunismo soviético. A oposição de João Paulo II ao totalitarismo surgiu de sua devoção à ideia dos direitos humanos dados por Deus.

O legado de João de Deus, como era carinhosamente chamado pelos cristãos brasileiros, não foi deixado apenas para aqueles que vivem na fé católica, mas todos aqueles que entendem o real significado da palavra liberdade. Há muitas evidências nas ações desse homem fantástico, respeitado por pessoas de todas as religiões, inclusive, agnósticos, de que o mundo em que vivemos hoje talvez não seria tão livre e próspero se não fosse por muitas de suas obras com seus aliados Ronald Reagan e Margaret Thatcher.

Ronald Reagan, João Paulo II e Margaret Thatcher tinham a verdadeira perspectiva histórica e defendiam os temas que estão na civilização ocidental desde os tempos greco-romanos e mesmo bíblicos. Eles entenderam que a liberdade não é o estado natural nem normal da sociedade, mas algo que é estabelecido por meio de um contrato social em que seus valores fundamentais devem ser reforçados e, quando necessário, defendidos contra as forças do estatismo, como o da União Soviética e seus fantasmas ao longo dos anos, e as forças do mal, como o comunismo.

John Lewis Gaddis, professor de História Militar da Universidade de Yale, uma vez escreveu que, quando João Paulo II beijou o chão no Aeroporto de Varsóvia, em 2 de junho de 1979, em sua primeira viagem como papa, ele iniciou o processo pelo qual o comunismo na Polônia — e finalmente em todos os lugares — chegaria ao fim.

O professor de Yale, que não é católico, mostra por que a sua perspectiva sobre a queda do comunismo começa naquele dia de junho. Um milhão de poloneses se reuniram dentro e ao redor da Praça da Vitória, em Varsóvia, para uma missa pública — impensável na Polônia comunista, exceto pelo fato de que ela não pôde ser negada a um papa polonês. Enquanto João Paulo pregava a verdadeira história da Polônia — a história de um povo formado por sua fé —, um canto rítmico ecoava pelas ruas até a praça: “Queremos Deus! Queremos Deus!”. Era a voz da Polônia, parte do bloco comunista, onde a guerra contra a religião da doutrina marxista-leninista imperava, gritando “Queremos Deus!” para todo o mundo ver e ouvir que a fé e a esperança não sucumbiriam ao comunismo, regime fortalecido quando o ateísmo se inicia.

Não hesito em dizer que, além de meus pais, a pessoa que mais influenciou minha vida foi o papa João Paulo II. Ele foi o papa com quem cresci, e, portanto, olhei para ele como um pai espiritual durante minha adolescência, início da idade adulta e agora. Há tantos motivos para agradecer a Deus por este homem, e tantos motivos pelos quais busquei inspiração nele em tantas ocasiões da minha vida. Admirei sua coragem, seu espírito de missão, sua defesa intransigente da dignidade da pessoa humana, seu amor pelos jovens, seu trabalho pela paz e sua contribuição para a queda do comunismo no Leste Europeu.

É impossível colocar em apenas um artigo os muitos ensinamentos do Santo Papa, seja em entrevistas, discursos, missas ou mesmo em suas encíclicas, tão bem fundamentadas e ao mesmo tempo acessíveis aos fiéis. Chegue ali na internet e procure por “Fé e Razão”, você irá se surpreender com a profundidade com que as palavras de João Paulo II chegam até sua alma, seja você religioso ou não.

De muitos dos caminhos que podem ser tomados para conhecer o santo pontífice, talvez o fio de ouro que pode ser grandemente útil para todos nós nesse momento seja a virtude com que João Paulo II impregnava tudo o que ele representava: a esperança. O papa São João Paulo II foi e continua a ser, conforme identificado por seu principal biógrafo, George Weigel, uma “Testemunha da Esperança” (Witness of Hope).

Na Semana Santa, mais especificamente hoje, Sexta-Feira da Paixão, é preciso voltar àquilo que é foco de destruição daqueles que, de algum maneira, pregam a submissão através de postos de líderes, onde quer que estejam. É preciso beber na fonte da esperança de São João Paulo, fundamentada na convicção de que a vitória final pertence a Cristo, uma vitória que ele já conquistou na cruz. Era uma esperança fundada na promessa de Jesus na Última Ceia: “No mundo, tereis aflições, mas tende coragem, porque eu venci o mundo” (João 16:33).

João Paulo II viveu a perda de toda a sua família, o horror da Segunda Guerra Mundial, o comunismo, foi baleado e quase morto, teve um câncer no intestino, doença de Parkinson e muitas outras provações. No entanto, ele nunca perdeu a esperança.

Em uma entrevista publicada no final de sua vida, ele relembrou a crueldade dos regimes nazista e comunista em que viveu, descrevendo-os como “ideologias do mal” que surgiram por causa da rejeição de Deus como Criador e fonte determinante do que é parte do bem e do que é parte mal. No entanto, através de tudo isso, João Paulo olhou para trás neste período e falou sobre os limites que Deus impôs ao mal naquela época da história europeia. Esses limites foram impostos pelo bem divino, tornado visível por Cristo com sua vida, batalha heroica contra o pecado, morte e ressurreição vitoriosa. Para João Paulo II, este era o poder divino que havia entrado de vez na história e seria para sempre a fonte de esperança para aqueles que acreditam Nele. Com Cristo, explicou, o mal seria vencido e a esperança triunfaria em todos os lugares e circunstâncias.

Aqui estava a fonte inabalável da esperança de João Paulo como sacerdote, bispo, papa e um dos grandes líderes mundiais da história.

Hoje, precisamos de esperança. O mundo inteiro precisa de esperança. Há sinais preocupantes em nossas sociedades de que as pessoas estão perdendo a esperança e estão se entorpecendo com drogas, redes sociais e outros tantos vícios do atual mundo. Muitos estão caindo em desespero e, com frequência alarmante, morrendo por suicídio. Somos tentados a perder a esperança quando confrontados com os muitos desafios que enfrentamos hoje.

Então, o que podemos esperar? Qual pode ser a razão de nossa esperança? O mesmo foi para São João Paulo II: que Cristo já venceu todas as coisas e continua presente e ativo no mundo, mesmo em meio a todas as paixões, pandemias, ditadores, regimes totalitários e tensões sociais desta época. Seu amor vencerá todo mal, escuridão e desespero. E isso é um fato.

É o que João Paulo testemunhou durante toda a sua vida de cristão na esperança pascal e é o que testemunharemos — por mais que as circunstâncias mundanas nos mostrem outra coisa. Elas, por mais que sejam reais e doloridas aos nossos olhos, ainda são “apenas” mundanas. A força da oração, do pensamento baseado nesta esperança de João Paulo II de que um mal maior que permeia o mundo vai ser vencido, começa com “pequenas” esperanças cotidianas. Esperança para aqueles que perderam o emprego — que você consiga seu emprego de volta ou encontre outro que seja ainda melhor para você. Esperança para os idosos que se sentem solitários em uma sociedade moldada em valores que parecem não existir mais — que vocês ainda sejam amados e lembrados por todos nós. Esperança para jovens e estudantes neste tempo de incertezas, julgamentos e imediatismo — que vocês possam discernir, com fé e confiança, o projeto de Deus para suas vidas. Esperança para toda a família humana, que tomemos consciência, nesta Páscoa, de que estamos unidos pela morte e pela ressurreição de Cristo — em pequenos e grandiosos atos.

Como São João Paulo nos lembraria, Deus impôs limites ao mal.

Tive o privilégio de conhecer um ex-assessor de Ronald Reagan que teve a honra de encontrar o papa João Paulo II nos anos finais de sua vida. Ele me contou que, quando apertou as mãos que santificaram o trabalho quebrando pedras em uma pedreira nos arredores de Cracóvia, mãos que abençoaram o mundo por quase um quarto de século; que, quando ele ouviu a voz que inspirou milhões em todo o mundo a uma nova esperança; e que, principalmente, quando olhou nos olhos sorridentes de um homem que sobreviveu aos nazistas, ao comunismo, à bala de um assassino, e duas doenças graves, só conseguia pensar: “Se ele ainda tem esperança, que desculpa encontraremos para não ter qualquer tipo de esperança como ele?”.

Há mais de 30 anos o Muro de Berlim caiu, sinalizando o colapso mais amplo do comunismo na Europa Oriental. No entanto, poucos se lembram do evento crucial alguns meses antes, em junho de 1989, quando a Polônia finalmente realizou eleições livres e justas. Os comunistas não ganharam um único assento. E tudo começou com uma homilia de João Paulo II na Praça da Vitória, em Varsóvia, dez anos antes.

Os (poucos) fiéis que ainda tentam defender as declarações progressistas de Bergoglio e que insistem que o silêncio sobre as igrejas queimadas no Chile, a perseguição a cristãos no mundo, os campos de concentração de uigures na própria China, e tantos outros eventos sérios que não mereceram a palavra da Santidade, é um silêncio sábio e humilde, enquanto defendem as lamentáveis declarações de Francisco. Eles ainda não entenderam que o papa pop já não está mais entre nós, mas continua sendo o norte espiritual de milhões pelo mundo.

Para a sua Páscoa e de sua família, desejo um sopro de coragem vindo não apenas de um líder religioso, mas um líder humano nato, forjado na luta contra o verdadeiro e cruel mal da humanidade. Como João Paulo II sempre dizia: “NON ABBIATE PAURA” (não tenham medo). Cristo venceu o mal e a morte. E nós venceremos também.

Leia também “O mundo precisa de homens fortes”

Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste

 

 

sábado, 18 de fevereiro de 2023

Os direitos constitucionais da corrupção - Percival Puggina

Nota do autor: estas reflexões me ocorrem quando penso nos muitos formadores de opinião sumariamente privados de sua fonte de subsistência porque contrariaram os donos do poder. Há algo muito errado aí.

         A combinação da Operação Lava Jato com a jurisprudência que permitiu o cumprimento provisório da pena após a condenação em segunda instância foi a versão moderna da pesca milagrosa.  
Jamais se vira algo assim fora do Mar da Galileia! 
Era muito peixe graúdo na rede. A cada arrastão, a malha se fechava sobre poderosos empresários, executivos de inimagináveis salários, figuras destacadas da cena política nacional, tesoureiros e operadores de partidos políticos. 
Saqueada e abusada, durante década e meia, a nação passou a ser informada sobre o escândalo de cada dia. E cada dia tinha o seu enquanto viaturas da Polícia Federal agitavam as alvoradas em operações de estranhíssimos nomes. Um bálsamo para quem tem senso de justiça e se indigna ante o assalto ao patrimônio da sociedade.

Em longa tradição do Direito Penal brasileiro não havia interdição a que o réu, condenado em segunda instância, iniciasse o cumprimento da pena de prisão. Esse foi o entendimento até que, em 2010, o STF fez valer a letra fria e visionária do inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença criminal condenatória”. Um desastre. Os processos eram empurrados para frente e para longe com os talões de cheques.

Ficou tão difícil ficou prender bandido rico que, em 2016, o mesmo STF retornou à orientação anterior. Foi um ano fervilhante! A operação Lava Jato desvendava os fundilhos da República, a justiça profissional de primeiro e segundo grau acelerava o passo e o recolhimento à prisão era ameaça bem próxima no horizonte dos criminosos.

Formou-se fila para as colaborações premiadas. Fila de confessionário em domingo de Páscoa.  
Todos se apressavam em colaborar com a Justiça, devolver dinheiro roubado, entregar bens e anéis mal havidos para salvar os dedos, cobrar o prêmio da colaboração e poder usar o banheiro de casa. 
Subitamente, com a nova orientação, renascia a prática do exame de consciência e ninguém tinha dúvida sobre as próprias culpas. 
 
No contundente diagnóstico do senador Romero Jucá, tornou-se urgente “estancar a sangria”. Frear a Lava Jato. 
O modo cirúrgico de suturar a artéria e parar os vazamentos incluía a participação do STF. 
Fazia-se necessário acabar com a possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Afinal, a Constituição diz que só depois de sentença criminal condenatória transitada em julgado, certo?

Certo, mas errado. O preceito se opõe à proteção da sociedade, impede a realização da justiça, desmoraliza os juízos de primeiro e segundo graus, distribui a esmo atestado de inocência a criminosos que são verdadeiros flagelos sociais engravatados, muitos dos quais já condenados, sobre cuja culpa não cabe dúvida alguma e em relação a quem a sociedade tem o direito de cobrar sanção penal.

Mude-se, então a Constituição, exigem os falsos ingênuos. Eles sabem, porém, que o Congresso Nacional dificilmente o fará porque é tudo que os criminosos com mandato parlamentar não querem, ora essa! Bastaram seis anos com a “nova convicção” do STF para a corrupção se reerguer politicamente e voltar ao governo, inclusive mandando ao raio que a parta a Lei das Estatais, que saneou essas instituições vedando em seus órgãos de direção a presença de políticos e pessoas não qualificadas.

A luta de vida ou morte contra a corrupção e a impunidade prossegue. Na Câmara dos Deputados, Deltan Dallagnol propôs criar uma Comissão Especial para estudar emenda à Constituição que viabilize a prisão após condenação em 2ª instância; 
- no Senado, Sérgio Moro consegue as 27 assinaturas necessárias para desarquivar projeto de lei dispondo sobre a matéria. E o STF?  Constrange, dói na alma dos cidadãos cumpridores de seus deveres, que reconhecem a importância das instituições, ter que se perguntar, diante de possíveis futuras decisões do Congresso Nacional, se o Supremo abandonará a nação no relento da impunidade.

Percival Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

quarta-feira, 10 de agosto de 2022

Câmara dos Deputados aprova o fim das “saidinhas” - Thaméa Danelon

Gazeta do Povo

As conhecidas “saidinhas” dos presos, que em Direito chamamos de “saídas temporárias”, estão com os dias contados. Em 3 de agosto de 2022, a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei 6.579/13, que proíbe a concessão desse benefício a inúmeros criminosos.




 Câmara acabou com a “saidinha” de presos, e projeto de lei será devolvido ao Senado.| Foto: Arquivo/Gazeta do Povo

As saidinhas estão previstas na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) que permite que presos em regime semiaberto, com bom comportamento, e desde que já tenham cumprido parte de sua penal (¼ da pena ou 1/6 se forem primários), poderão sair da prisão – sem qualquer vigilância – para visitar sua família e participar de atividades que, segundo a lei, “favoreçam o retorno ao convívio social”. 

Por conta desta lei extremamente benevolente, Suzane Richtofen – que matou os próprios pais tem direito à saída temporária no dia das mães. Alexandre Nardoni condenado por matar sua própria filha Isabela de 5 anos também poderia receber esse benefício.

As saídas temporárias ocorrem, geralmente, durante a Páscoa, no Dia das Mães, dos Pais, e no feriado de Finados, e um percentual considerável de presos não retorna voluntariamente à prisão após essas saídas. Em janeiro de 2020, na saidinha de Natal e Ano Novo, 1.400 presos não retornaram aos presídios; em dezembro de 2021, 1.628 presos também não retornaram à prisão, sendo necessária nova expedição de mandado de prisão pelo Judiciário, para a polícia iniciar a recaptura do criminoso. Assim, constata-se que uma lei benevolente, e extremamente garantista resulta em impactos na segurança pública e também no custo estatal, pois é despendido um valor considerável na recaptura desses criminosos.

    Por conta desta lei extremamente benevolente, Suzane Richtofen – que matou os próprios pais – tem direito à saída temporária no dia das mães.

Se o único ponto negativo resultante da saidinha fosse o não retorno dos criminosos à prisão, a situação seria menos dramática, entretanto, a saída temporária possibilita uma consequência muito mais preocupante que é o cometimento de crimes graves pelos presos que estão temporariamente livres. Crimes de furtos, roubos, estupros e homicídios são praticados durante as saidinhas, gerando um caos social e muito temor principalmente às pessoas que residem na proximidade dos presídios.

Em 2020, uma menina de 12 anos foi estuprada pelo pai, tendo engravidado; o criminoso estava em saída temporária. O serial killer Lázaro Barbosa foi beneficiado em 2016 com a saída temporária de Páscoa e nunca mais retornou ao sistema prisional. Ao longo de sua ficha pregressa, constam mais de 30 delitos em Goiás, Bahia e Distrito Federal, dentre eles homicídios, estupros, e sequestro e cárcere privado. Lázaro foi morto em confronto com a polícia em junho de 2021.

O Pacote Anticrimeapresentado pelo governo federal em 2019 – tentou proibir as saídas temporárias para os presos condenados por crimes hediondos, tortura ou terrorismo, entretanto, o Congresso Nacional apenas proibiu as saidinhas para os condenados por crimes hediondos, desde que o crime tenha resultado em morte da vítima. Ainda assim, a aplicação da lei nova seria apenas para casos futuros. Mas, felizmente, no dia 3 de agosto deste ano, a Câmara dos Deputados aprovou com modificações um projeto de lei (PL 6.579/13 da ex senadora Ana Amélia) que proíbe as saídas temporárias. O texto aprovado é o substitutivo apresentado pelo deputado Capitão Derrite, o relator do projeto. 311 deputados votaram favoravelmente ao novo texto, e 98 foram contrários.

Além da proibição das saidinhas (ou saidões), o projeto aprovado tornou obrigatório o exame criminológico para o preso obter progressão de regime; e também fixou a possibilidade de uso de tornozeleira eletrônica nos regimes aberto, semiaberto e durante o livramento condicional. O projeto de lei foi encaminhado ao Senado Federal para votação do novo texto, e espero que essa casa legislativa também avalize essa proibição das saídas temporárias.

Ocorrendo a aprovação do Senado, o PL será encaminhado ao presidente da República para sanção. Caso esse projeto se torne uma lei, a criminalidade violenta e a impunidade que assola o país será reduzida em escala considerável, e contribuirá para, de fato, para a melhoria da segurança pública em nosso país.

 Thaméa Danelon, colunista - Gazeta do Povo - VOZES


sábado, 2 de abril de 2022

Como foi que deixamos o lockdown acontecer?

Espaço publicitário em Newport, no País de Gales, usado para avisar ao público para ficar em casa durante a pandemia (28/04/2020) | Foto: Gareth Willey/Shutterstock
Espaço publicitário em Newport, no País de Gales, usado para avisar ao público para ficar em casa durante a pandemia (28/04/2020) | Foto: Gareth Willey/Shutterstock

O lockdown pode estar ficando para trás, graças, em parte, a outras crises internacionais mais urgentes. Mas, conforme aprendemos a “seguir em frente” em relação à covid-19, nunca mais podemos deixar que uma política tão extremada, excepcional e cruel seja vista como normal ou necessária.

Na época, o termo “sem precedentes” foi muito usado. Mas o que Johnson anunciou não era apenas sem precedentes. Semanas antes, teria sido impensável — pelo menos em uma democracia liberal do Ocidente. Não era algo que as autoridades, como um consultor científico definiu, acreditaram que “conseguiriam fazer”. Talvez um regime autoritário como a China pudesse colocar sua população em prisão domiciliar mas com certeza isso não aconteceria na Inglaterra.

O lockdown pareceu anular muitas de nossas suposições mais básicas sobre a vida em uma democracia liberal. Durante aquele período, deixamos de ser um povo livre. Fomos proibidos de sair de casa e banidos de todas as interações sociais fora do nosso ambiente doméstico. Havia apenas uma gama estreita e limitada de exceções obrigatórias. O período entre março e maio de 2020 foi, nas palavras de um juiz da Alta Corte britânica à Comissão Mista de Direitos Humanos, “possivelmente o regime mais restritivo sobre a vida pública das pessoas e das empresas que já existiu”.

Muitas pessoas sem dúvida vão argumentar que o lockdown foi uma precaução sensata, necessária para reduzir o contato humano e a disseminação de uma doença mortal. Mas esse relato não faz jus ao clima de histeria, de apocalipse e de autoritarismo que tomou conta da nação nessa época. O Reino Unido se tornou uma distopia. E essa espiral de loucura não só foi tolerada, ela foi ativamente incentivada em todos os níveis da vida pública.

A polícia se deliciou com sua nova autoridade ao impor a ordem de que todos ficassem em casa. Tanto que muitas vezes foi muito além do que de fato era exigido pela lei — que já era a mais rígida da história britânica, não nos esqueçamos. Drones da polícia vasculharam o interior, com medo de que a população fosse fazer exercícios “não essenciais”. Oficiais inspecionaram carrinhos de compra em busca de itens “não essenciais”, como ovos de Páscoa. Alguns chegaram até a colocar tinta preta nos lagos para impedir reuniões perto dessas belas paisagens.

Nada disso tinha nenhuma justificativa legal — não estava nas regulamentações introduzidas usando o Ato de Saúde Pública (que deu efeito legal ao lockdown) nem no Ato do Coronavírus de 2020 (que concedeu poderes de deter pessoas “potencialmente contagiosas”). Na verdade, ainda que poucos tenham notado na época, o lockdown não teve início legalmente até 26 de março, três dias depois do anúncio de Boris Johnson. Mas, no Estado policial da covid-19, a palavra dos ministros do governo foi tratada pelas autoridades como indistinguível da lei.

Mesmo que você tenha ficado obedientemente em casa, os policiais do coronavírus ainda podiam ir atrás de você. Surgiram filmagens de policiais derrubando a porta de um homem só para encontrá-lo sozinho em casa assistindo à televisão. A polícia teve de se desculpar por dizer a um homem que ele estava proibido de ficar em seu próprio jardim. Estar em situação de rua também não era uma desculpa para não ficar em casa. Um morador de rua foi levado ao tribunal pelo crime de “sair de seu lugar de moradia” — “a saber, sem endereço fixo”.

Mais tarde ficou claro que a maior parte das pessoas que morreram durante a primeira onda de covid-19 pegou o vírus durante o lockdown

Você poderia ter esperado que nosso confiável sistema legal entrasse em ação a essa altura, que as Cortes fizessem pressão contra esses abusos óbvios da autoridade policial.  
Mas, em abril de 2020, uma mulher foi presa, mantida sob custódia da polícia por 48 horas e depois condenada por um crime que não existe. 
Em fevereiro de 2021, todo processo movido sob o Ato do Coronavírus, ao ser revisado, foi considerado ilegal.

De fato, o lockdown trouxe o pior das pessoas à tona. Muitos descobriram seu xerife interno da covid-19. Ligações para o serviço de emergência médica e policial dispararam, com vizinhos entregando vizinhos por não obedecerem às regras sobre os exercícios, ou seja, sair para mais de uma corrida por dia. Algumas forças policiais encorajaram isso ao criar portais on-line e serviços de atendimento telefônico para denúncias ligadas ao confinamento. Ao fim de abril de 2020, a polícia do Reino Unido tinha recebido 194 mil ligações sobre desobediências de lockdown.

Esse ódio descontrolado por quem não seguiu as regras significa que não houve espaço para discernimento nem compaixão. As regras de distanciamento social foram aplicadas rigorosamente em todas as circunstâncias. As pessoas foram impedidas de visitar familiares que estavam morrendo — e foram impedidas de confortar umas às outras nos funerais.

A mídia teve um grande papel nisso tudo. Além do alarmismo apocalíptico sobre o vírus, os jornalistas prepararam alegremente seus dois minutos de ódio diário contra o novo inimigo público número 1 — os chamados “covidiotas”, aqueles que foram vistos fazendo contato com outras pessoas em parques e praias, causando dano a exatamente ninguém.

De modo involuntário, o fenômeno dos covidiotas enfatizou a irracionalidade do lockdown. Tanta energia, tantos recursos, tanto ódio foram direcionados às pessoas que se reuniram em pequenos grupos ao ar livre, onde o vírus tinha dificuldade de se espalhar. E muitos desses supostos vetores de doença eram jovens, portanto, não corriam riscos graves relacionados à covid-19. Mais tarde, ficou claro que a maior parte das pessoas que morreram durante a primeira onda de covid-19 pegou o vírus durante o lockdown, e não antes ou depois. Prestamos relativamente pouca atenção aos mais vulneráveis à covid — os idosos e os doentes, em especial os que vivem em casas de repouso.

Da mesma forma que o lockdown estava trazendo o caos para a vida cotidiana, os danos de longo prazo também começaram a ficar mais evidentes.

Paralisar a sociedade mergulhou a economia na recessão mais profunda da história do capitalismo britânico. Esse transtorno não se fez sentir da mesma forma. Enquanto os mais vulneráveis da sociedade foram ainda mais mergulhados na pobreza, os mais privilegiados na verdade fizeram economias, aumentando sua riqueza e seu conforto, enquanto se adaptavam a um estilo de vida de trabalho remoto. Agora que a economia foi retomada, os efeitos do confinamento estão sendo sentidos com aumentos impressionantes no custo de vida (ainda que os governos ocidentais tenham tentado culpar a invasão da Ucrânia pela Rússia).

As mídias impressa e eletrônica se tornaram animadoras de torcida do lockdown, criticando o governo apenas por não ter agido mais rápido ou com maior rigidez

A educação foi devastada. As crianças em idade escolar perderam 1 bilhão de dias letivos combinados. E milhares de estudantes abandonaram o sistema de ensino por completo. A lacuna de aprendizado entre as escola públicas e privadas se tornou imensa.

Até mesmo a saúde foi monumentalmente prejudicada pelo primeiro lockdown e pela ordem de “ficar em casa” para “proteger o sistema público de saúde”. Pacientes não foram atendidos, e doenças não foram diagnosticadas. Sim, a covid-19 ocupou milhares de leitos de hospital, mas o número de pessoas em busca de tratamento também despencou. Não é uma surpresa que a lista de espera do NHS, o Serviço Nacional de Saúde britânico, esteja batendo recordes.

As privações de curto prazo e os danos de longo prazo estavam claros para qualquer pessoa que se desse ao trabalho de considerá-los. Mas, nos primeiros meses de confinamento, houve uma intolerância extremamente poderosa à divergência. Falar sobre os males causados pelos excessos do lockdown significava ser acusado de estar do lado da doença e da morte.

 Praça vazia na frente da Catedral Duomo, em Milão, na Itália, durante o lockdown | Foto: Shutterstock

A oposição à abordagem do governo foi extremamente limitada. As mídias impressa e eletrônica se tornaram animadoras de torcida do lockdown, criticando o governo apenas por não ter agido mais rápido ou com maior rigidez. Plataformas da big tech censuraram vozes dissidentes, rotulando opiniões que contradiziam as orientações de saúde pública da Organização Mundial da Saúde como “desinformação”. O Labour Party — supostamente a “oposição oficial” do Reino Unido — apoiou todas as restrições do governo com veemência.

Por que tão poucos fizeram objeções a medidas tão extremadas? Isso não pode ser explicado pela gravidade da pandemia. Ainda que o lockdown possa ter parecido uma ruptura violenta com o “antigo normal”, ele também se aproveitou e aprofundou uma série de tendências destrutivas preexistentes. A cultura da “segurança”, a ampla difamação da liberdade e da liberdade de expressão, o aumento do Estado-babá e do autoritarismo na saúde pública, bem como a atomização da vida social já estavam claros antes da pandemia. E, mesmo enquanto as regras que nos confinaram eram canceladas, essas tendências problemáticas continuam existindo e assumindo novas formas em reação aos novos desafios.

Ainda que leve anos para entender por completo o que aconteceu nesse período excepcional e desolador das nossas vidas, dois anos depois podemos dizer com absoluta certeza: precisamos não deixar nunca mais que nos confinem. 

Fraser Myers é editor assistente da Spiked e apresentador do podcast da Spiked Siga-o no Twitter: @FraserMyers

Fraser Myers, colunista - Revista Oeste

 

Leia também “Enfim, a liberdade”

sábado, 3 de abril de 2021

PÁSCOA - Gustavo Corção

O sermão de São Gregório Nazianzeno começa numa espécie de jubilosa exclamação:

«Páscoa, Páscoa, Páscoa, três vezes Páscoa, direi em honra da Santíssima Trindade. Esta é para nós a festa das festas, a solenidade das solenidades. Como o fulgor do sol apaga as estrelas, assim esta festividade excede a todas as outras, não só as humanas mas as do próprio Cristo e que por causa dele se celebra». 

Lembremos a instituição da Páscoa no Antigo Testamento, quando Deus encarregou Moisés de ensinar os israelitas que sofriam servidão no Egito:  
«No décimo-quarto dia desse mês, os filhos de Israel tomarão em cada família um cordeiro de um ano, sem mancha, o imolarão, e com o seu sangue marcarão os umbrais de suas portas, e nessa mesma noite comerão a carne do cordeiro com pão sem fermento e ervas amargas... E comerão com os cintos atados, as sandálias de viagem nos pés, e com o bastão na mão; porque é a Páscoa, isto é, a Passagem do Senhor» 
E agora nesta Páscoa do Novo Testamento, em que o próprio filho de Deus é imolado, procuremos compreender bem em toda a profundidade, o mistério desta solenidade três vezes bendita.

Páscoa, para nós quer dizer Passagem e faz-nos lembrar que somos peregrinos, que estamos em caminho da pátria como os israelitas estavam a caminho de Canaã, onde abundava o leite e o mel. Por isso, a nossa maior festa ainda é celebrada em marcha, às pressas, com o cinto apertado e a sandália de viajante nos pés. Ainda não chegamos, e por isso, à carne do cordeiro que comemos se misturam ervas amargas. Estamos no meio do Mar Vermelho. Em direção à Pátria, mas ainda no mundo. Estamos no deserto, vivendo da palavra de Deus.

 Páscoa, para nós, quer dizer também Discriminação. É a festa da nitidez. Ou temos os umbrais de nossa alma marcados com o sangue do Cordeiro, ou pereceremos na Passagem do Anjo exterminador. Esta característica pascal parece contrária à anterior pois lá se falava de transição e aqui se fala de nitidez e essas duas idéias têm ressonâncias opostas. Convém portanto precisar melhor: A transição se refere à nossa condição exterior de peregrinos; a discriminação se refere à marca interior do Sangue de Cristo em nós. Estamos em trânsito, passando por estações intermediárias, vivendo dia a dia as gradações do mundo, mas nossa alma, por cima do mundo, está ancorada; e em contraste com o cinzento dos dias está nitidamente marcada com o rubro Sangue do Cordeiro.

A cruz que é para os gentios sinal de escândalo e de loucura, é para nós sinal de nitidez e de absoluta discriminação. Onde ela se planta desaparecem os meios-termos, os compromissos, as concordatas, e toda essa indecisão que fazia muitos israelitas no deserto suspirarem com saudades da servidão do Egito, porque lá, ao menos, tinham garantida a gamela de carne com cebolas. Para nós, a Cruz deve ser o sinal de um franco contraste. Ou somos marcados, ou não somos. Ou estamos com Cristo ou contra ele. Ou avançamos ou regredimos. Não há meio-termo à luz do círio pascal.

Apliquemos em nós, cada dia, cada hora, esse espírito discriminador da Páscoa, e saibamos imprimir em cada um de nossos atos o sinal da cruz. A tentativa mais insensata que fazemos é a de procurar um meio-termo entre Deus e o Mundo. Dizemo-nos católicos com uma terrível tranqüilidade e com uma impressionante inconseqüência
Dizemo-nos católicos e continuamos a viver as mesma infidelidades e a saborear as mesmas carnes e cebolas do faraó. 
Dizemo-nos cristãos, mas a marca do Sangue mais parece uma rosada aguadilha, mais parece um sinal de maquilagem do que uma infusão de incondicional amor.

 Sejamos pascais, sejamos nítidos; ou não seremos Cristãos.

Páscoa, para nós, também quer dizer salvação. Se estamos em marcha, e se nitidamente optamos, já estamos salvos, salvos em Esperança. O mesmo Sangue que discrimina já tem a virtude salvífica, já opera o que significa e já nos dá direito de falarmos a Deus com a
liberdade de filhos.

Terminemos com a leitura de São Gregório Nazianzeno:
«Hoje é o dia em que fugimos do poder egípcio, das mãos do odioso faraó e de seus cruéis ministros; dia em que nos libertamos da argila e das olarias. A festa do Êxodo já ninguém há que proíba celebrá-la com o Senhor nosso Deus, e não mais com o velho fermento da malícia e da corrupção, mas com os ázimos da sinceridade e da verdade, nada trazendo conosco do ímpio fermento egípcio. Ontem angustiava-me com o Cristo na Cruz, hoje sou também glorificado. Ontem com Ele morria, hoje com Ele sou vivificado. Ontem sepultava-me com Ele, hoje com Ele ressuscito».

Reproduzido de Permanência

GLOBO Sábado, 25/3/78