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terça-feira, 20 de março de 2018

Tentativa e erro


O estranho caso das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADCs) 43 e 44 que querem rever a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a possibilidade de prisão após decisão da segunda instância judicial revela bem as manobras de bastidores que, alegando tratarem de questões genéricas, objetivam realmente impedir que o ex-presidente Lula vá preso.


O histórico da decisão mostra bem os caminhos tortuosos trilhados dentro do STF e, sobretudo, a falta de urgência da matéria. O julgamento do habeas corpus que gerou, por maioria, a volta à jurisprudência que permite a prisão após condenação em segunda instância foi feito em fevereiro de 2016, e em outubro as liminares das ADCs  impetradas pelo Partido Ecológico Nacional (PEN) e pela OAB foram julgadas em plenário, que confirmou a decisão original.  O relator foi o ministro Marco Aurélio Mello, que as colocou à disposição da pauta  para votação do mérito com seu voto no dia 7 de dezembro de 2017, isto é, mais de um ano depois.  Descobriu-se agora, de repente, um ano e cinco meses depois da decisão, que não havia sido publicado o acórdão daquele julgamento.

Isto quer dizer que o ministro Marco Aurélio não poderia ter liberado o caso para julgamento
, pois ele estava incompleto. Mas a descoberta extemporânea propiciou ao Instituto Ibero Americano de Direito Público, amicus curiae na ação, entrar com embargos de declaração com efeitos infringentes para tentar modificar a decisão da Corte. Ao mesmo tempo, também do nada, uma Associação de Advogados do Ceará entrou com um habeas corpus coletivo “contra ato omissivo da Excelentíssima Senhora Ministra Presidente, por não pautar, uma vez disponibilizados os feitos pelo Ministro Relator, desde o dia 05/12/2017, para julgamento pelo plenário do mérito das ADCs 43 e 44”.

O habeas corpus coletivo foi baseado, segundo alegam, na decisão da Segunda Turma do STF que o concedeu a todas as presas grávidas e com filhos pequenos, permitindo que ficassem em prisão domiciliar. Não há, na verdade, nenhuma relação de um caso com o outro, mas a maneira jurídica como a questão está sendo tratada leva a curiosas situaçõesO ministro Gilmar Mendes foi agraciado pelo algoritmo do STF com a relatoria do caso, e como ele considera que a decisão do STF apenas aceita a prisão em segunda instância, mas não a torna obrigatória, entendeu que não cabe um habeas corpus coletivo para um tema que tem que ser decidido caso a caso, ao contrário das presas grávidas, que já são contempladas pela legislação pela gravidez em si. [o ministro Gilmar Mendes já negou o pedido e com isso desligou os holofotes sobre a tal AACE.]

Outro fato interessante é que como o habeas corpus da Associação dos Advogados do Ceará é contra uma decisão da presidente do Supremo, o regimento diz que só pode ser julgado no plenário, afastando a possibilidade de julgamento na Segunda Turma, onde a maioria dos ministros é contra a prisão em segunda instância, inclusive Gilmar Mendes, que mudou de posição e hoje tende a aprovar a tese de Dias Toffoli de que a prisão seria autorizada após a chamada terceira instância, isto é, o Superior Tribunal de Justiça. Alguns juristas, por sinal, consideram a tese do ministro Toffoli discutível, pois pretende dar efeito suspensivo ao recurso especial, de competência do STJ, e não ao extraordinário, da alçada do STF. Ambos os recursos não se destinam à apreciação de provas, se boas ou ruins. No recurso especial, de competência do STJ, discute-se eventual ofensa à legislação federal ou a tratados internacionais, ao passo que no extraordinário, de competência do STF, debate-se ofensa ao texto constitucional.O debate acerca da legalidade ganharia mais relevância do que uma questão constitucional.

Hoje no Supremo há uma expectativa de reunião entre os ministros, que pode ou não ter a presença da presidente Cármen Lúcia, para tentar um consenso que dificilmente será alcançável. Se houver disposição de algum dos ministros, o tema deve ser levado à discussão em plenário na reunião de amanhã. Uma coisa está certa: não há nenhuma urgência no tratamento da questão, a não ser a premência de uma solução antes da decretação do início do cumprimento da pena pelo ex-presidente Lula, que provavelmente ocorrerá na sessão do TRF-4 marcada para o dia 26.

Merval Pereira - O Globo


quinta-feira, 15 de março de 2018

Lula perto do desfecho na Justiça


Ao contrário de seus seguidores, o ex-presidente custou, mas já entendeu que não adianta confronto

O ex-presidente Lula custou, mas já entendeu que não adianta confrontar a Justiça brasileira, ao contrário de seus seguidores petistas e esquerdistas em geral. Ou melhor, talvez tenham resolvido dividir as tarefas: enquanto ele revê seu discurso, garantindo que não vai fugir do país nem promover atos de contestação à ordem de prisão que considera injusta, mas inevitável, seus seguidores fazem besteira, inclusive no site oficial do PT, que republicou uma fake news acusando a presidente do Supremo, ministra Cármen Lúcia, de ter comprado a casa onde mora de um doleiro, com insinuações de ilegalidades que nunca existiram.

Além de mentirosa e caluniosa, a notícia é uma estratégia burra dos aliados de Lula, pois, se já era difícil encontrar um ministro que se dispusesse a confrontar a presidente por não incluir na pauta a reanálise da autorização para o início do cumprimento da pena de um condenado em segunda instância, o vergonhoso ataque pessoal acaba com essa possibilidade pelo mero espírito de solidariedade e defesa da instituição.   O que Lula espertamente está fazendo é preparando-se para candidatar-se a uma prisão domiciliar, em vez do cumprimento da pena em regime fechado. Ontem, depois que o ministro aposentado do STF Sepúlveda Pertence, hoje advogado de Lula, [advogado estepe, já que não logrou, devido não mostrar serviço, assumir o comando da defesa do condenado Lula.] não conseguiu demover a presidente Cármen Lúcia da posição de não colocar a questão em pauta no próximo mês e meio, a defesa do ex-presidente entrou com novo pedido no Supremo, objetivando pressionar o ministro Edson Facchin, relator da Lava Jato, a reconsiderar sua decisão de negar o pedido de habeas corpus de Lula.

Subsidiariamente, a defesa pede que, mantida a negativa, o habeas corpus seja analisado pela Segunda Turma do STF, e não pelo plenário, como determinou Facchin. Nessa Turma do STF, a tendência da maioria é pela concessão de habeas corpus, não apenas a Lula, mas à maioria dos casos apresentados. Por último, se todos os pedidos forem negados, a defesa de Lula quer que Facchin leve o habeas corpus a julgamento no plenário mesmo sem Cármen Lúcia ter pautado.  Nada indica que terá êxito, a questão deve ser resolvida mesmo depois do julgamento dos embargos de declaração contra a condenação no TRF-4. O dia marcado para
o processo ir em mesa na sessão fica público uns dias antes, e é provável que isso aconteça na sessão antecipada para o dia 26, uma segunda-feira, pois a quarta-feira 28, dia das sessões da 8ª Turma do TRF-4, é feriado para a Justiça Fede
ral.

Esta será a primeira sessão com a composição original da turma, pois o desembargador Victor Laus terá voltado de férias no dia 23. Existe também a possibilidade de que os embargos só sejam analisados no dia 4, primeira quarta-feira de abril. Se rejeitados por unanimidade, o início de cumprimento da pena não precisa necessariamente esperar a publicação do acórdão, fica mantido o acórdão da apelação, e o extrato de ata já informa o Juiz de primeiro grau, no caso Sérgio Moro. Se houver divergência, e acolhimento dos embargos parcial ou total, normalmente o Juiz espera publicação de voto e acórdão e informação do TRF para execução provisória da pena, para ter ciência do conteúdo alterado da decisão. O cumprimento da decisão segue trâmite da Vara de Execuções, e por isso não ocorre no mesmo dia, mas também não demora muito.

A possibilidade de a defesa conseguir protelar a decisão com o chamado “embargo do embargo” existe, mas é pequena. A 8ª Turma do TRF-4 não tem aceito esse tipo de recurso, por entendê-lo como uma medida procrastinatória. Com o início do cumprimento da pena, a defesa do ex-presidente Lula terá que entrar com novo habeas corpus, desta vez não preventivo, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que provavelmente o recusará novamente sob o mesmo argumento: segue a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF), que não terá sido alterada até então.

Um novo habeas corpus será encaminhado então ao Supremo, para o ministro Edson Facchin, que pode levá-lo à Segunda Turma que preside ou, mais provavelmente, remeter novamente o caso para a decisão do plenário. Como tratarão do caso específico do ex-presidente Lula, a mudança da jurisprudência não está garantida, pois, por exemplo, a ministra Rosa Weber, que é a favor do trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena, tem negado os habeas corpus seguindo a maioria que se estabeleceu no último julgamento.  Pode ser também que se chegue a um acordo para colocar o ex-presidente em regime de prisão domiciliar, com algumas restrições cautelares para impedi-lo de participar de ações políticas enquanto seu caso tramita nos tribunais superiores.  



Merval Pereira - O Globo

sábado, 10 de março de 2018

As goleadas sofridas por Lula

Já são nove juízes (atente para o número!), nove magistrados de tribunais distintos, de instâncias variadas, de escolas de pensamento diversas, a apontar para a inevitabilidade da prisão de Lula. Além de Moro, que o condenou a 12 anos e um mês de cadeia (no primeiro dos seis processos em que é réu), ele amargou o placar de três a zero na apelação em Porto Alegre e engoliu outros cinco a zero no Superior Tribunal de Justiça, na semana passada, quando foi solicitar um habeas corpus preventivo. 

Lula perde de goleada a cada recurso, sem sequer um voto favorável a seu intento de escapar das grades. E não é para menos. O petista e o time de advogados estrelados que o cerca adotaram uma tática, no mínimo, temerária. Querem ganhar no grito, procrastinar a ação, falando em “julgamento político”, evitando confrontar os fatos. Não fazem uma sustentação concreta que desabone as provas e evidências. Anseiam agora a revisão da lei, pura e simplesmente, no que configuraria um casuísmo gritante, sem precedentes. No STJ, no STF, no TRF-4 e mesmo nas barras da comarca do juiz Moro o que se viu, nas defesas orais ou através das petições de apelação, foi a soberba do acusado e dos que o representam. Às favas com a Lei. O que diz Lula, por exemplo? Dias atrás, em um vídeo gravado logo após a última derrota, saiu-se com essa: “eles vão ter que arcar com o preço de decretar a minha prisão”, ameaçou. O que leva Lula a pensar que é diferente de qualquer outro condenado e que está a merecer tratamento especial? 

O próprio PT entrou numa chicana de pressões imorais visitando, um a um, os gabinetes de vossas excelências para convencê-los, na base da camaradagem e de um poder de influência que ainda imagina deter, a dar uma colher de chá para o seu líder. É o fim do mundo a agremiação, através dos emissários, se achar na condição de forçar a mais alta Corte do País a encontrar um modo de rever a jurisprudência – já votada duas vezes e colocada em prática há menos de um ano –, que estabelece o cumprimento da pena após confirmação em segunda instância. Os petistas “cobram” urgência de um recurso que livre Lula da cadeia. E o pior é a disposição de algumas cabeças coroadas do Supremo em atender a exigência, colaborando nesse sentido. Elas tentam a todo custo fazer um ajuste sob encomenda no entendimento em vigor para acomodar as pretensões de Lula – mesmo que isso represente a desmoralização completa do colegiado. 

Pelo atalho em discussão, o cumprimento da sentença ocorreria só após a terceira instância, retardando em várias etapas a aplicação da justiça. Será deveras escandaloso qualquer jeitinho que se dê no momento ou interpretação contrária ao acertado anteriormente. Não dá para imaginar logo o Supremo “se apequenando”, como bem definiu a presidente Cármen Lúcia. Mas essa possibilidade, que ainda paira no ar, é hoje lamentavelmente o maior fator de insegurança jurídica do País. As convicções precárias de certas excelências resvalam na politicagem e cedem aos encantos dos poderosos que os colocaram naquele lugar. Não deveria ser assim. Ao zelar pela Constituição, como guardiões da ordem e do sentimento de que a Lei vale para todos, nenhum dos magistrados poderia se arriscar a provocar tamanha instabilidade institucional pedindo vistas de uma regra já aprovada – mesmo tendo ele sido voto vencido na sessão anterior. Qualquer brecha aberta nesse sentido será vergonhosa, e deixará a Nação às portas da anarquia por não acreditar mais na Justiça. 

O correto seria o STF deixar o devido processo legal seguir os trâmites dentro das regras em vigor, sem interferência oportunista. Qualquer ameaça de uma eventual volta atrás na atual conjuntura configurará um golpe fatal na Lava Jato e na batalha que vem sendo travada contra a corrupção. Sem o mecanismo da prisão em segunda instância, as chances de denunciados desistirem da colaboração e de acordos de delação, devido à possibilidade de postergar suas acusações até a prescrição, são enormes. É inevitável verificar um certo desespero dentre os petistas e esperar que eles saiam para o tudo ou nada. O Partido está em frangalhos. Sem opções, repleto de processos por desvios bilionários, com uma debandada de quadros históricos, e vive agora uma cizânia interna. Intelectuais correm atrás de alianças, desobedecendo à orientação central. Setores descontentes buscam um “plano B”, sem sucesso. Reina a indefinição. Mas nem por isso magistrados podem ser indulgentes com malfeitos e cederem a apelações dessa turma por mero sentimento de dívida de gratidão. Seria um retrocesso e tanto no conceito de que a Lei é cega e imparcial.

Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três