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quarta-feira, 1 de junho de 2022

Inflação atinge recorde e põe em xeque estratégia do BC local

 Para conter a escalada de preços, a possibilidade de um aumento maior na taxa de juros é levantada 

Calma pessoal - é a inflação da Europa 

Inflação na Europa atinge recorde e põe em xeque estratégia do BC europeu

O principal impulsionador da inflação na zona do euro é a guerra na Ucrânia, sem sinais de arrefecimento.

O principal impulsionador da inflação na zona do euro é a guerra na Ucrânia, sem sinais de arrefecimento.  Freepik/Domínio Público

As expectativas de desaceleração na alta de preços na Europa foram quebradas. A agência de estatísticas, Eurostat, aponta para um aumento recorde na inflação de maio, atingindo 8,1% na média anual dos 19 países da zona do euro. Os custos de energia e alimentos, impulsionados sobretudo pela guerra na Ucrânia, fizeram a inflação atingir a maior porcentagem desde 1999, quando a moeda única europeia surgiu.

O Banco Central Europeu esperava um nível inflacionário de 7,7% em maio, após os preços atingirem alta de 7,4% em abril, outro recorde. Com resultados negativos (e sucessivos), está em xeque a capacidade do BC europeu em conter a escalada de preços com aumentos graduais de 0,25 ponto na taxa de juros. Os bancos centrais da Áustria, Holanda e Letônia já defenderam aumento de 0,50 ponto, um movimento inédito na zona euro.

Para Camila Abdelmalack, economista-chefe da Veedha, os investidores monitoram a possibilidade de subida em 0,5 ponto na taxa de juros, embora o BC da Europa não tenha apresentado indícios de tal movimento. “É um cenário desafiador e há uma incerteza em relação a capacidade do Banco Central da Europa em seguir com uma elevação em um ritmo tão gradual, porque de uma lado da balança tem a questão da atividade econômica já arranhada pelo conflito no leste europeu, e de outro lado, tem as consequências da pressão inflacionária e o risco de agir tardiamente para combater a inflação”, argumenta.

O principal impulsionador da inflação na zona do euro – guerra na Ucrânia – não apresenta previsão para arrefecimento. Nesta terça, 31, o preço do petróleo subiu para 123 dólares, após o anúncio oficial da União Europeia sobre o plano de bloquear mais de dois terços das importações russas de petróleo. Em última análise, esses indicadores pressionam ainda mais a inflação. “O grande problema é que essa alta de preços vem sendo observada há vários meses e ainda não há sinais de que vá se reverter. Como resposta a isso, deverá haver uma elevação das taxas de juros nas principais economias da Europa, o que terá reflexo negativo sobre o crescimento da economia este ano, podendo inclusive dar início a uma recessão antes mesmo do fim do ano”, analisa o Henrique Castro, Professor da Escola de Economia da FGV-SP.

Inflação por país

Divulgado nesta terça, 31, o relatório da Eurostat – o serviço de estatística da União Europeia – estima um aumento de 37,5% para 39,2%, ao considerar o setor de energia isoladamente em maio, na taxa anual. Em segundo lugar, o setor de alimentos, álcool e tabaco foi de 6,3% em abril para 7,5% em maio.

No entanto, quando o núcleo da inflação é excluído (energia e alimentos), a estimativa de alta do preços gerais é de 3,8%, distante da meta do BC europeu (ao redor dos 2%). Na análise individual, seis países já passam de 10% no nível inflacionários, considerando o acúmulo anual. Estão na lista: Grécia, Letônia, Lituânia, Eslováquia, Holanda e, por último, Estônia (que passa dos 20%).

Economia - VEJA


quinta-feira, 26 de maio de 2022

Por que o rápido ingresso da Ucrânia na UE é uma ilusão, e que perigos ela representa

Filipe Figueiredo

A ilusão de que a Ucrânia poderia rapidamente ser integrante da União Europeia foi bastante vendida nos últimos meses. A simpatia internacional em relação ao país, em solidariedade ao fato de ter sido invadido pela vizinha Rússia, contribuiu para a difusão dessa ilusão, que foi tomada como promessa factível. 
Nas últimas semanas, alguns políticos europeus foram criticados por trazerem uma salutar dose de realidade ao tema. 
Tais críticas são flagrantemente injustas em qualquer debate honesto sobre a participação da Ucrânia na UE.

No dia 10 de maio, o presidente francês, Emmanuel Macron, falando perante o Parlamento europeu, afirmou que “sabemos perfeitamente que o processo para permitir a adesão da Ucrânia levaria vários anos, possivelmente décadas. Essa é a verdade, a menos que decidamos baixar os padrões de adesão. E repensar a unidade da nossa Europa”. Seu discurso era em um contexto de propor uma “comunidade europeia paralela”, apenas política, para reunir os países vizinhos e conectá-los à mais poderosa UE, dando, inclusive, possíveis garantias de segurança.

No dia 19 de maio, foi a vez do chanceler alemão, Olaf Scholz, afirmar que “não existe atalho no caminho de adesão à UE” e que a existência de uma “fila de chegada” é um ”imperativo de equidade para todos os países dos Bálcãs que há muito tempo desejam entrar para o bloco europeu”. Ele fez esses comentários dois dias depois de conversar por telefone com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky. A fala de Scholz possivelmente dialoga diretamente com comentários anteriores de Zelensky.

Processo de adesão
A Ucrânia já possuía acordos comerciais e de cooperação com a UE desde 2014, parte justamente dos eventos que levam ao que os nacionalistas ucranianos chamam de Revolução da Dignidade, ou Euromaidan, que derrubou o presidente pró-Rússia Viktor Yanukovych. Já os ucranianos russófilos, e a própria Rússia, vão classificar o ocorrido como um golpe de estado articulado por países ocidentais para enfraquecer a Rússia. Naquele contexto, a Crimeia é anexada pela Rússia e começa o conflito no Donbas, no leste ucraniano.

O governo Zelensky oficializou o processo de solicitação de adesão à UE no dia 28 de fevereiro deste ano, quatro dias após a invasão russa. A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, declarou apoiar a adesão da Ucrânia ao bloco e, no dia 1º de março, o Parlamento europeu recomendou que a Ucrânia fosse considerada candidata oficial ao processo de adesão. Ursula von der Leyen, ao visitar a Ucrânia no início de abril, afirmou que apoiava uma “via rápida” de adesão para os ucranianos, diga-se.

O pedido ucraniano já está em sua segunda fase. Considerando a emergência da situação atual, o presidente ucraniano solicitou uma “admissão imediata” sob um "novo procedimento especial", que recebeu apoio de oito estados da UE. Provavelmente é isso que Scholz chamou de “atalho”, para críticas do ministro de Relações Exteriores ucraniano, Dmytro Kuleba. Ele afirmou que “a ambiguidade praticada por alguns países da UE em relação à perspectiva europeia da Ucrânia deve acabar” e que “não precisamos de comentários que demonstrem um tratamento de segunda classe à Ucrânia e firam os sentimentos dos ucranianos”.

A questão é que, como dito, essa onda de apoio e solidariedade aos ucranianos, embora muito bonita e encorajadora num momento trágico, vende uma ilusão. Não é algo factível. Mesmo quando se diz que o “atalho” ucraniano tem apoio de oito estados, quais são eles? Bulgária, Eslováquia, Eslovênia, Estônia, Tchéquia, Letônia, Lituânia e Polônia. Nenhum deles é das grandes economias europeias, os que “pagam a conta” da UE. Ao contrário, quando se olha para os comentários dos líderes de Alemanha e de França, as duas maiores economias da UE.

Problemas da adesão
São três os tipos de problemas para uma entrada da Ucrânia na UE, que tornam esse processo, nas palavras de Macron, algo que depende de décadas, não de semanas ou de anos. Com um detalhe importantíssimo, que é o fato desses problemas existirem mesmo antes da guerra ou antes da crise de 2014. Hoje tudo isso é agravado pelo conflito, pelas objeções russas e pelas questões territoriais, especialmente a anexação da Crimeia pela Federação Russa em 2014.

O primeiro problema é o aspecto geográfico e demográfico. A Ucrânia é o maior país localizado exclusivamente na Europa. Com 600 mil quilômetros quadrados, o país tem o dobro do tamanho da Itália. Com uma população na casa dos 45 milhões de pessoas, seria o quinto país mais populoso da UE. Tudo isso representa um pesadelo logístico para os países desenvolvidos da UE, com mais fronteiras, maior fluxo de pessoas e eventual imigração em massa para os grandes centros.

Como exemplo, a adesão de Romênia e da Bulgária, em 2007, ainda possui etapas por concluir, como a entrada desses dois países no Espaço Schengen de livre-trânsito. E esses dois estados não representam nem de perto os desafios que seria uma adesão ucraniana. Os dois países balcânicos também são ótimos exemplos dos outros problemas para uma entrada da Ucrânia na UE. Inclusive, esses mesmos problemas, no contexto da adesão desses países, foi parte das razões da grave crise da Eurozona, em 2008.

Um deles é a discrepância econômica. A Ucrânia possui um PIB per capita na casa dos 14 mil dólares, enquanto a média da UE é de 35 mil dólares per capita, mais que o dobro. 
Mesmo a Bulgária, o menor índice do bloco, possui um PIB per capita de 24 mil dólares. Ou seja, trata-se de um país muito mais pobre, com uma população também mais pobre, o que criaria uma grave discrepância interna. Para isso existe o mecanismo de equilíbrio, que transfere recursos para os países mais pobres da UE, como a Hungria.

O Índice de Desenvolvimento Humano ucraniano é de 0,779, um pouco acima do Brasil e um pouco abaixo do Irã. A média da UE é de 0,897, uma distância enorme. O piso novamente é o búlgaro, de 0,816, ainda consideravelmente acima do IDH ucraniano. Inserir um país tão grande e com tamanha discrepância socioeconômica representaria um desafio enorme para as finanças europeias, ao mesmo tempo em que a mera população ucraniana daria um peso considerável ao país no Parlamento europeu, gerando um desequilíbrio entre o poder econômico e a representação política.

Países menores
Finalmente, o terceiro problema é que, independente dos sentimentos em relação ao país vítima de uma invasão, a Ucrânia não cumpre a maioria dos critérios europeus sobre governança, corrupção, democracia, transparência da máquina pública e combate ao crime organizado. Novamente, mesmo países membros como Bulgária e Romênia, bem menores, representam desafios nessas áreas. E todos esses problemas independem da guerra, antecedendo a invasão e sendo parte do debate sobre a participação ucraniana na UE desde o início do século.

Quando Scholz aponta a necessidade de “respeitar a fila” de países balcânicos candidatos, ele também é motivado pelo fato de que se tratam de países muito menores, que representarão uma adaptação muito mais fácil em seu processo de adesão. Também países cujos eventuais custos de adaptação serão muito menores. O provável próximo integrante da UE é o pequeno Montenegro, que tornou-se membro da OTAN em 2017. Montenegro possui um IDH maior que o búlgaro e uma população de apenas 600 mil pessoas, em uma área que é pouco mais da metade de Sergipe, o menor estado brasileiro.

O problema dessa venda de ilusões é que, no final das contas, a UE conseguirá apenas pessoas desiludidas. Milhões de ucranianos se sentirão enganados, a própria coesão interna ficará ameaçada, entre os “pró-Ucrânia” e os realistas, e a imagem da UE vai sofrer internacionalmente

Solidariedade é importante, mas não pode parecer apenas da boca pra fora. Provavelmente os atores que colherão os frutos disso serão EUA e China, possíveis parceiros econômicos numa necessária reconstrução do país. E que não prometeram o que não poderão cumprir logo.

Felipe Figueiredo, colunista - Gazeta do Povo -  VOZES


sexta-feira, 7 de maio de 2021

O campeão da proteção florestal - Revista Oeste

Evaristo de Miranda

Aos fatos: o Brasil ocupa 6,3% das terras continentais do planeta e suas áreas protegidas representam 12,3% das existentes. Quinta nação em extensão territorial, o Brasil é a primeira em áreas protegidas 

 

 Foto: Shutterstock

Nenhum país dedica mais território à proteção da vegetação nativa do que o Brasil. E a manutenção das florestas deve-se muito à Coroa portuguesa. No século 16, as Ordenações Manuelinas reuniram toda a legislação portuguesa, com vários artigos de proteção às florestas e até proibição do uso do fogo (livro V, tit. 83). A Coroa portuguesa estendeu sua aplicação ao Brasil. O corte de árvores madeireiras só podia ocorrer com autorização legal. Havia uma lista das chamadas árvores reais preservadas. Daí deriva a expressão madeira de lei: evoca a madeira protegida pela lei desde os primórdios do povoamento português no Brasil.

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Alvarás, regimentos, ordenações e outros instrumentos dos governadores-gerais enriqueceram esse embrião de legislação ambiental. O Regimento do Pau-Brasil, de 1605, foi a primeira lei de proteção florestal. Ciente das desordens e abusos na exploração do pau-brasil, de como a árvore se tornava rara e as matas se degradavam, El-Rei fez o Regimento, após tomar informações de pessoas de experiência das partes do Brasil, e comunicando-as com as do Meu Conselho”.

Primeiramente Hei por bem, e Mando, que nenhuma pessoa possa cortar, nem mandar cortar o dito pau-brasil, por si, ou seus escravos ou Feitores seus, sem expressa licença, ou escrito do Provedor Mor de Minha Fazenda, de cada uma das Capitanias, em cujo distrito estiver a mata, em que se houver de cortar; e o que o contrário fizer incorrerá em pena de morte e confiscação de toda sua fazenda.

O Regimento previa penas pesadas a quem excedesse sua licença de corte. O excedente era sempre confiscado. Acima de 10 quintais, multa de 100 cruzados
Mais de 50 quintais, açoite e degredo por dez anos em Angola. Ultrapassando 100 quintais, pena de morte e perda da fazenda. O Regimento ainda criou uma espécie de auditoria independente: uma devassa anual da Coroa sobre a administração e os administradores do corte do pau-brasil, seus registros, autorizações anuais…

Essas e outras medidas permitiram o manejo sustentado das matas de pau-brasil por três séculos. A exploração da espécie não foi sinônimo de desmatamento, como pensam alguns, mas garantiu a manutenção da floresta atlântica até o século 19. O último carregamento de pau-brasil foi exportado em 1875. A exploração não cessou devido ao desaparecimento da espécie, mas por razões comerciais: perda de competitividade da tinta vermelha produzida com a madeira, devido à entrada das anilinas no mercado de tinturaria.

As políticas florestais da Coroa portuguesa e do Império do Brasil lograram manter a cobertura vegetal quase intacta até o final do século 19, com poucos locais alterados. Já no século 20, apenas entre 1985 e 1995, [já na famigerada Nova República.] a mata atlântica perdeu mais de 1 milhão de hectares, mais do que a área desmatada ao longo de todo o período colonial!

Segundo Carlos Castro, autor de doutorado na Universidade de Brasília sobre a gestão florestal no Brasil, de 1500 aos nossos dias, “em vez de imputar a Portugal a culpa por ter nos deixado uma herança predatória, talvez devamos aprender com as práticas conservacionistas que os portugueses preconizaram e tomarmos consciência de que a destruição das florestas brasileiras não é obra de 500 anos, mas principalmente desta geração”.

Nas três últimas décadas, nossa herança florestal ganhou segurança com a criação de áreas protegidas pelo Poder Público. O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Unep) considera como áreas protegidas as unidades de conservação da natureza e as terras atribuídas a populações tradicionais, como esquimós, aborígenes e indígenas.

Entre os países, a definição das unidades de conservação da natureza varia bastante e inclui diversas categorias de proteção. Nos parques naturais europeus, a presença humana e atividades econômicas são possíveis sob certas restrições, incluindo cidades, agropecuária e várias atividades. No Brasil, apenas as Áreas de Proteção Ambiental (APAs) permitem atividades e, em grau menor, as reservas extrativistas. As unidades de conservação integral, como estações ecológicas ou parques nacionais, excluem presença humana ou atividade econômica.

Até a promulgação da Constituição Federal de 1988 existiam 248 unidades de conservação, ocupando área total de 198.599 quilômetros quadrados, ou 2,3% do Brasil. Em 30 anos, elas foram multiplicadas por oito. Hoje são 1.871 unidades de conservação federais, estaduais e municipais, incluindo APAs. Elas ocupam 1.544.333 quilômetros quadrados, ou 18% do país.

Até a Constituição de 1988, havia 60 terras indígenas decretadas, somando 161.726 quilômetros quadrados, ou 1,9% do Brasil. Hoje são 600 terras indígenas numa área total de 1.179.561 quilômetros quadrados, ou 14% do Brasil.[para que tanta terra para índios, se eles não querem cuidar nem agricultura  de subsistência - querem que o governo os sustente em tudo.]

.........

A extensão dessas áreas protegidas equivale a 54% do território europeu ou à soma das áreas de 15 países: Alemanha, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Eslovênia, Eslováquia, Espanha, França, Grécia, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Holanda, Portugal e Reino Unido.

O Brasil ocupa 6,3% das terras continentais do planeta e suas áreas protegidas representam 12,3% das existentes. Quinta nação em extensão territorial, o Brasil é a primeira em áreas protegidas. Entre os dez países de maior dimensão territorial Rússia, China, Estados Unidos, Canadá, Austrália, Índia, Argentina, Cazaquistão e Argélia —, o Brasil protege mais. A média das áreas protegidas desses países é de 11,0%, contra 30,3% no Brasil. A proteção ambiental brasileira é quase três vezes maior.

Conforme dados da Unep, em grande parte, as áreas protegidas estão localizadas em terras marginais: desertos desabitados (China, Austrália, Argélia, EUA), regiões polares e subárticas (Alasca, Sibéria) e montanhas inaptas à ocupação humana (Andes, Rochosas).

No Brasil, porém, a maioria das áreas protegidas reúne terras com potencial madeireiro, agropecuário e mineral. A dificuldade em manter sua integridade é grande em face das demandas sociais e das pressões econômicas, sobretudo na Amazônia. Cuidar dessa extensão territorial é um enorme desafio de gestão.

Leia na Revista Oeste, a MATÉRIA COMPLETA


quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

Buscar entendimento? Sobre o quê? Com quem? - Percival Puggina

Em todos os pronunciamentos dos candidatos à presidência da Câmara dos Deputados, ouvi falar em “busca do entendimento”. Enquanto ouvia, lembrei-me de Churchill: “Quanto mais longe você conseguir olhar para trás, mais longe enxergará para frente”. E se o estudo da História para muito me tem servido, há bom lugar nesse conhecimento para a convicção de que com certos adversários não há conciliação possível. Novamente, nas palavras de Churchill: “Um apaziguador é alguém que alimenta um crocodilo esperando ser o último dos devorados”. Foi ele, pessoalmente, liderando seu povo, que livrou a humanidade do nazifascismo.

O que estou afirmando não é grito de guerra, mas fé inexorável na democracia, na livre escolha dos povos, na autonomia das nações, na liberdade e nos princípios e valores que a vida me mostrou terem validade comprovada. Quero, portanto, que, no regime democrático, esses valores sejam prevalentes, não sejam derrotados por adversários que transitam pelas páginas da história como os cavalos de Átila.

O discurso do entendimento serve como luva às mãos dos derrotados de 2018. Entre nós, seria o retorno ao ambiente político que vigeu durante mais de duas décadas no Brasil sem encontrar resistência. É fazer de conta que nada aconteceu. Para usar a expressão hoje na moda, é “passar pano”, mas em lixo nuclear!  Qual a vantagem de fazê-lo para “conciliar” com quem, fora do poder, faz oposição contando caixinhas de chiclete e latinhas de leite condensado? Valha-me Deus!  
 
Não pode haver entendimento entre tão diferentes visões de mundo, de pessoa humana, de liberdade, de sociedade, de valores, de princípios, de Estado, de funções de poder. Pergunto: não passaram ao controle dos ministérios da verdade (profetizados por George Orwell) e criados pelas Big Techs, as redes sociais que democratizavam a comunicação? 
Não notamos qualquer semelhança entre as orientações da Netflix e da Globo?  
Estamos satisfeitos com o que está sendo produzido, aqui, pelo sistema de ensino em geral e pelas nossas universidades em particular? Mil vezes não.

Portanto, a disputa política é disputa necessária, indispensável. Não por acaso, ocorre em todas as democracias do Ocidente. Recentemente foi assim nos Estados Unidos. Com diferentes qualidades de conteúdo, vem sendo assim em países como Itália, Espanha, Áustria, Portugal, Polônia, Hungria, República Tcheca, Finlândia, Letônia, Eslováquia, Bulgária. E Suécia, e Alemanha, e Chile. É uma percepção das democracias ocidentais.

Quem vê suas liberdades ameaçadas, suas opiniões censuradas no que já foi um espaço de liberdade, sua cultura sendo deliberadamente destruída, não cede poder para um entendimento impossível. No Brasil, isso representa o retorno ao período anterior a 2014, quando perdíamos por W.O.. Sequer comparecíamos à disputa.

Por fim, veja o que está acontecendo com a evasão para novas redes sociais que se anunciam como espaços de liberdade. Também isso é sinal dessa divisão que tem longa data e validade, cujo reflexo, em regime democrático, conduz à vitória eleitoral de um ou de outro lado. Pode ser que um dia, olhando para trás, aprendendo com o passado, vendo o mal feito e o bem conquistado, possamos, como Churchill, enxergar para frente. E formarmos consensos razoáveis. Divisão, contudo, sobre algo, ou em relação a alguém, sempre haverá.

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras e Cidadão de Porto Alegre, é arquiteto, empresário, escritor e titular do site Conservadores e Liberais (Puggina.org); colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Membro da ADCE. Integrante do grupo Pensar+.
 

quinta-feira, 9 de abril de 2020

Tentativa e erro – Editorial - Folha de S. Paulo

Sem estudos, países tateiam na intensidade das restrições contra o coronavírus

Ainda não se dispõe de resposta auspiciosa para os que perguntam quando o pesadelo da pandemia do coronavírus estará superado e a vida voltará ao normal.  Países que pareciam estar lidando bem com a crise, mantendo a curva epidemiológica sob relativo controle sem sacrificar demais a circulação de pessoas e a economia, como Singapura, Japão e Suécia, já se preocupam com as estatísticas mais recentes e anunciam medidas de restrição mais drásticas.

A própria China, que começa a relaxar o cerco sobre as áreas mais atingidas, age com extrema cautela. O receio é que o vírus volte a ter transmissão sustentada, dando início a um segundo surto epidêmico. Os europeus Áustria, Dinamarca, Noruega, República Tcheca e Bélgica previram retomadas graduais de atividades após a Páscoa, e a Eslováquia reabriu parte do comércio. Mesmo nessas nações, cujos sistemas de saúde não ficaram sobrecarregados, a cautela predomina.
Não é simples conter uma pandemia. A melhor forma de fazê-lo consiste em desenvolver uma vacina, e alguns dos melhores cientistas do mundo trabalham nisso. Não há garantia, porém, de que conseguirão achá-la rapidamente e produzi-la em escala comercial.

Sem isso, epidemias de grande porte tendem a só acabar depois que determinada parcela da população já tiver sido infectada e desenvolvido imunidade contra o patógeno. À medida que a proporção de imunes aumenta, diminui a probabilidade de uma pessoa infectada encontrar uma suscetível para transmitir-lhe a doença. A certa altura, chega-se à chamada imunidade de rebanho. Não sabemos, porém, quando a teremos.  Faltam bons estudos epidemiológicos sobre o Sars-CoV-2. A quantidade de pessoas que um doente típico infecta —a informação mais importante a ser obtida— foi inicialmente estimada em algo entre 1,4 e 3,9, mas trabalhos mais recentes sugerem números mais elevados.

Também se desconhece a proporção de pacientes assintomáticos para cada infectado que identificamos. Se elevada, como sugeriu um modelo de pesquisadores da Universidade Oxford, a distância para a imunidade de rebanho cai.  A boa notícia é que estão em curso trabalhos que prometem oferecer algumas dessas respostas, indispensáveis para um bom planejamento tanto das necessidades hospitalares como de um eventual relaxamento das restrições.  Alguns desses estudos, como o conduzido em Heinsberg, na Alemanha, devem trazer resultados preliminares já nos próximos dias.  Até o devido conhecimento, resta aos governos de todo o mundo guiarem-se por prudência e flexibilidade para rever orientações a partir da experiência acumulada.

Editorial  - Folha de S. Paulo




sábado, 20 de abril de 2019

A onda marrom na Europa

O triste é perceber que os partidos de esquerda carecem de propostas


As democracias e os valores democráticos estariam em crise terminal? Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, em livro recente, aventuraram-se a apresentar uma reflexão sobre como as democracias morrem. Ora, há poucas décadas, sobretudo depois da desagregação do socialismo soviético, em 1991, a democracia parecia destinada a ser o ponto de chegada da história mundial. O que teria acontecido? A ascensão do autoritarismo, sob diversas formas, de direita e de esquerda, desenvolve-se em diferentes contextos e, em cada região ou país, suscita interpretações próprias. Seria ousado propor uma explicação geral para o fenômeno.
Consideremos, porém, o caso da Europa, em particular, onde é visível a popularidade do autoritarismo de direita. Na Polônia, na Hungria e na Eslováquia, governos direitistas dão as cartas. Na Itália e na Áustria, forças extremadas de direita, em coligação, acedem ao governo. Na França, há anos, ela só tem sido vencida por votos de uma ampla e informal frente democrática.
Até mesmo em sociedades do “bem-estar social”, como Inglaterra, Holanda, Bélgica, Suíça, Dinamarca e Suécia, a tentação autoritária de direita aparece com força. É o caso também da Alemanha, onde, nas últimas eleições, ingressou no Parlamento um partido de extrema-direita, embora minoritário. Seria razoável igualar estas tendências a uma nova “onda marrom” (cor do uniforme usado pelas SA, os Sturmabteilung, milícias nazistas dos anos 1930)? Um renascimento do nazifascismo sob novas formas? Enquanto se trava o debate conceitual, seria importante considerar alguns aspectos relevantes.

Comecemos pelo fato de que as propostas ultraconservadoras, mesmo depois da II Guerra Mundial, permaneceram vivas e bem vivas na Europa. No ocidente do continente, a Guerra Fria impediu políticas sérias de desnazificação. Na Europa oriental, as mal chamadas “democracias populares” existiam em virtude da ocupação das tropas soviéticas. Assim, ideias e movimentos de extrema-direita ficaram fermentando, à espera e à espreita de circunstâncias propícias. Estas desenharam-se com a subversão radical de valores introduzida pela grande revolução informática, desde os anos 1960. Da organização da economia às instituições políticas, da configuração das classes sociais aos valores culturais, um verdadeiro terremoto aconteceu, abalando certezas, instaurando o medo. Grandes contingentes populacionais passaram a ter dificuldade em se encontrar num mundo que mudava numa velocidade imprevisível. Desamparados pelos partidos tradicionais — de direita e de esquerda —e pelas instituições vigentes, tenderam a encontrar em discursos simplistas respostas para seus anseios e angústias.
O processo acirrou-se com a crise econômico-financeira iniciada em 2008. Pagaram pelos custos da superação do desastre os trabalhadores e os assalariados em geral. Pagaram com desemprego, subemprego, salários aviltados e serviços públicos degradados. Já os capitais financeiros, responsáveis diretos pela crise, receberam subsídios, estímulos, proteção e cobertura dos respectivos governos. Aprofundou-se o quadro de desespero, amargura e ressentimento. Caldo de cultura favorável aos demagogos direitistas.

Por outro lado, os imigrantes, que haviam desempenhado papel vital no desenvolvimento econômico dos anos 1950-1960, assimilados pela prosperidade europeia, passaram a ser percebidos com hostilidade, gerando uma espécie de “pânico identitário” (expressão de Daniel Bensaid, citado por Michel Lowy em recente artigo), um outro poderoso nutriente das direitas.
 
O triste é perceber que os partidos de esquerda carecem de propostas. [felizmente.] Ou conciliam com os interesses dos grandes capitais financeiros ou cedem ao canto de sereia dos nacionalismos, um terreno armadilhado que não é o seu. Em ambos os casos, abandonam o caminho de uma Europa dos trabalhadores, única saída comprometida com a justiça social e à democratização da democracia, uma terceira margem, alternativa ao domínio atual da especulação financeira e à onda marrom. 
 
Daniel Aarão Reis - O Globo
 
 
 
 

sábado, 11 de novembro de 2017

Perseguição: A nova história oficial da Europa apaga o Cristianismo e promove o Islã

 Covardia e Medo dos muçulmanos? enfraquecimento da consciência cristã do Ocidente Europeu? influência da Ortodoxia e do Islã?


Há poucos dias, uma parcela dos intelectuais mais prestigiados da Europa, entre eles o filósofo britânico Roger Scruton, o ex-ministro da educação da Polônia, Ryszard Legutko, o conceituado intelectual alemão Robert Spaemann e o professor Rémi Brague da Sorbonne da França, emitiram A Declaração de Paris“. Nesta ambiciosa manifestação, eles rejeitam a “falsa cristandade dos direitos humanos universais” e a “utópica e pseudoreligiosa cruzada em favor de um mundo sem fronteiras”. Contrapondo, eles defendem uma Europa calcada em “raízes cristãs”, inspirada na “tradição clássica”, rejeitando o multiculturalismo:
“Os patronos da falsa Europa estão enfeitiçados com superstições do inexorável progresso. Eles acreditam que a História está do lado deles e essa convicção os torna altivos e desdenhosos, incapazes de reconhecerem as impropriedades do mundo pós-nacional e pós-cultural que eles estão concebendo. Além disso, são ignorantes no tocante às verdadeiras origens da decência misericordiosa que eles próprios tanto estimam, assim como nós também estimamos. Eles ignoram, até mesmo repudiam as raízes cristãs da Europa. Ao mesmo tempo, eles tomam o maior cuidado para não ofenderem as susceptibilidades dos muçulmanos, que eles imaginam irão adotar entusiasticamente sua visão secular e multicultural de mundo”.

Em 2007, refletindo sobre a crise cultural do velho mundo, o Papa Bento XVI disse que a Europa está duvidando da sua própria identidade“. Em 2017 a Europa deu mais um passo: criou uma identidade pós-cristã, pró-Islã. Os edifícios governamentais e exposições oficiais da Europa estão efetivamente apagando o cristianismo e acolhendo o islamismo.

Uma espécie de museu oficial foi recentemente inaugurado pelo Parlamento Europeu: Casa da História Europeia“, ao custo de 56 milhões de euros. A ideia era criar uma narrativa histórica do pós-guerra em torno da mensagem pró-UE de unificação. O edifício é um belíssimo exemplo de Art Deco em Bruxelas. Conforme realçou o estudioso holandês Arnold Huijgen, o casarão é culturalmente “vazio”:
A Revolução Francesa parece ser o lugar onde a Europa nasceu, há pouco espaço para qualquer outra coisa que possa tê-la precedido. Ao Código Napoleônico e à filosofia de Karl Marx está reservado um lugar de destaque, enquanto a escravidão e o colonialismo são destacados como o lado mais negro da cultura europeia (…) O que mais impressiona na exibição do museu é que a narrativa não menciona nada sobre a religião, é como se ela não existisse. Na verdade, ela nunca existiu e nunca impactou a história da Europa (…) O secularismo europeu não briga mais com a religião cristã, ele simplesmente ignora todo e qualquer aspecto religioso da vida“.

A burocracia em Bruxelas chegou a ponto de apagar as raízes católicas de sua bandeira oficial, as doze estrelas que simbolizam o ideal de unidade, solidariedade e harmonia entre os povos da Europa. Ela foi concebida pelo designer francês, católico, Arséne Heitz, que ao que tudo indica, se inspirou na iconografia cristã da Virgem Maria. Mas a explicação oficial da União Europeia sobre a bandeira não menciona essas raízes cristãs.

O Departamento Monetário e Econômico da Comissão Europeia determinou que a Eslováquia redesenhasse suas moedas comemorativas, eliminando os santos cristãos Cirilo e Metódio. Não há menção ao cristianismo nas 75 mil palavras constantes no rascunho, cancelado, da Constituição EuropeiaO Ministro do Interior da Alemanha, Thomas de Maizière, do Partido Democrata Cristão de Angela Merkel, sugeriu recentemente introduzir feriados oficiais muçulmanos. “Em lugares onde há muitos muçulmanos, por que não pensar em introduzir um feriado oficial muçulmano?”, salientou ele.

“A proposta está indo em frenterespondeu Erika Steinbach, influente ex-presidente da Federação dos Desterrados – alemães expulsos de diversos países da Europa Oriental durante e após a Segunda Guerra Mundial. Beatrix von Storch, líder política do partido Alternativa para a Alemanha (AfD), acaba de tuitar: “NÃO! NÃO! NÃO!”  A proposta de ‘de Maizière’ mostra que quando o assunto é Islã, o secularismo oficial “pós-cristão” está simplesmente engessado.

Há poucas semanas, a exposição financiada pela União Europeia: Islã. Ele também é nossa história!”, foi apresentada em Bruxelas. A exposição mostra o impacto do Islã na Europa. O anúncio oficial sustenta que:
A evidência histórica apresentada pela exposição, a realidade de uma presença muçulmana antiga na Europa e a complexa interação de duas civilizações que lutaram uma contra a outra mas que também se entrelaçaram, sustenta um empreendimento educacional e político: ajudar os muçulmanos europeus e não muçulmanos a compreenderem melhor as raízes culturais que eles têm em comum e cultivar a cidadania que eles também têm em comum“.
Isabelle Benoit, historiadora que ajudou a projetar a exposição, salientou à AP: “queremos deixar claro aos europeus que o Islã faz parte da civilização europeia, que o Islã não é nada novo e que tem raízes que remontam 13 séculos”.

O establishment oficial europeu deu as costas ao cristianismo. O establishment parece desconhecer até que ponto o velho mundo e seu povo ainda dependem da orientação moral de seus valores humanitários, especialmente quando o Islã radical lança uma ameaça civilizacional ao Ocidente. “É como se um pacote tentasse preencher um “vazio”, ressaltou Ernesto Galli della Loggia no jornal italiano Il Corriere della Sera.
“É impossível ignorar que por trás do pacote há duas grandes tradições teológicas e políticas: a da Ortodoxia Russa e a do Islã, enquanto por trás do “vazio” há apenas o enfraquecimento da consciência cristã do Ocidente Europeu”.

É por esta razão que é tão difícil entender a “lógica” que está por trás da animosidade europeia oficial em relação ao cristianismo e a sua atração por um Islã fundamentalmente totalitário. A Europa poderia facilmente ser secular sem ser militantemente anticristã. É mais fácil entender a razão dos milhares de polacos que acabam de participar de uma manifestação em massa ao longo das fronteiras da Polônia para expressar sua oposição à “secularização e à influência do Islã“, que é exatamente a linha oficial da UE.

Durante a Segunda Guerra Mundial os Aliados evitaram bombardear Bruxelas porque ela deveria ser o local do renascimento europeu. Se a elite europeia continuar com este repúdio cultural de sua cultura judaica\cristã\humanista, a cidade poderá vir a ser a sua sepultura.

Giulio Meotti, editor cultural do diário Il Foglio, é jornalista e escritor italiano
Publicado no site do Gatestone Institute https://pt.gatestoneinstitute.org
Tradução: Joseph Skilnik


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Por que é mais fácil ser neonazista nos EUA do que na Alemanha

No final de semana, enquanto centenas de supremacistas brancos agitavam símbolos nazistas e gritavam palavras de ordem contra judeus e outras minorias em Charlottesville (Virgínia, EUA), um cidadão americano era agredido e preso por fazer a polêmica saudação de "Heil Hitler" em Dresden, na Alemanha. Os fatos mostram como os dois países divergem no grau de tolerância ao uso de símbolos nazistas.

Na Alemanha, a lei prevê punição de até três anos de prisão para quem usar insígnias relacionadas ao Terceiro Reich ou fizer apologia do nazismo. 

Nos Estados Unidos, o uso de símbolos do nazismo, o "discurso de ódio" e a existência de grupos de perfil neonazista são práticas legais, amparadas no direito à livre expressão garantido pela Constituição. Já no Brasil, a lei 7.716/89 determina prisão de dois a cinco anos para quem "fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo".

Os Estados Unidos são um dos poucos lugares do mundo onde ser abertamente neonazista é amparado pela Constituição

Países onde é proibido usar símbolos nazistas
Alemanha
Áustria
Brasil
República Checa
Eslováquia
Suécia
Suiça
Dados do Southern Poverty Law Center (SPLC), uma ONG americana de defesa dos direitos civis, indicam que existem nos EUA mais de 900 "grupos de ódio" que reivindicam ideias inspiradas no nazismo. Apenas na Califórnia, há mais 70, e na Flórida, mais de 60.
Para grande parte deles, o livro Minha Luta, no qual Hitler expressa suas ideias que culminaram com a criação do partido nazista, é visto como uma espécie de bíblia ideológica. Eles assimilaram ideias supremacistas de Hitler, assim como os símbolos associados ao nazismo e outras correntes fascistas.
O uso de símbolos nazistas na Alemanha está permitido para fins educativos, como em museus 

O que talvez cause espanto em outras partes do mundo é que esses grupos não são clandestinos; operam livremente e manifestam suas opinões e visões publicamente, como qualquer outra agremiação política. Como se viu em Charlottesville, eles têm o direito de marchar e gritar slogans racistas ou palavras de ordem pedindo a expulsão de negros, imigrantes, homossexuais e judeus.

De história e de leis

Especialistas consultados pela BBC Mundo explicam que as diferenças entre Alemanha e EUA no trato dado a grupos neonazistas vem da história de cada um, das leis e de sua interpretação.
Peter Kern, professor de direito penal da Universidade de Colônia, na Alemanha, explica à BBC Mundo que em seu país, a utilização de insígnias nazistas está estritamente proibida pelo Strafgesetzbuch, o código penal, desde o final da Segunda Guerra Mundial.

"O artigo 86º proíbe o uso de símbolos de organizações inconstitucionais, sejam bandeiras, emblemas, uniformes, insígnias ou modos de saudação, fora dos contextos da arte, ciência, pesquisa ou do ensino".
"Ou seja, um museu pode mostrar uma bandeira com uma suástica, mas uma pessoa não pode usá-la dentro do território alemão", pontua.

Segundo Kern, as profundas marcas deixadas pelo nazismo - que levou o país ao maior conflito militar da história - na consciência coletiva e o temor - e perigo - de que ele retorne levaram a essa legislação, que também coloca na ilegalidade qualquer grupo que siga a ideologia de Hitler e seus seguidores.
No entanto, o pesquisador esclarece que esses grupos escapam da alçada da Justiça evitando termos específicos e se apresentando como grupos "de extrema-direita".
 Grupos de extrema-direita na Alemanha buscam formas de maquear a alusão a Hitler, como na camiseta preta. No Twitter, a usuária afirma: "isto é, amigos, o pós-modernismo nazista" 

Atualmente, as caras mais visíveis dessas correntes são o Partido Nacional Democrático, que no início deste ano esteve a ponto de ser proibido, e uma dissidência dele chamada Alternativa para a Alemanha. Nos Estados Unidos, por sua vez, o uso de símbolos ou a propagação do ideário nazista estão amparados no direito à livre expressão, consagrado pela Primeira Emenda (1791) da Constituição.

Darren L. Hutchinson, professor de Direito Constitucional da Universidade da Flórida (EUA), explica à BBC Mundo que isto se aplica não apenas ao discurso oral ou escrito, mas também protege o "discurso simbólico", como exibir uma bandeira, fazer saudações nazistas ou portar qualquer elemento gráfico.
"A Primeira Emenda estabelece que o governo dos Estados Unidos não pode discriminar com base num ponto de vista determinado na hora de impor restrições à liberdade de expressão", explica.
"Se um Estado, por exemplo, decide restringir em seu território o uso de símbolos nazistas devido a sua mensagem, isto poderia constituir uma restrição à liberdade de expressão e provavelmente estaria violando a Constituição", acrescenta.
Um exemplo é um caso ocorrido em 1978, quando a Suprema Corte de Illinois decretou ser "constitucional" que um grupo neonazista usasse bandeiras com a suástica para protestar em Skokie, um bairro de Chicago habitado em sua maioria por sobreviventes do Holocausto. Embora a marcha nunca tenha ocorrido, a sentença criou um precedente para o uso aberto de símbolos nazistas nos Estados Unidos e para uma maior abertura na associação a grupos radicais de extrema-direita, considera Hutchinson.

 Membros do Movimento Nacional Socialista, um dos maiores grupos neonazistas dos Estados Unidos

Por isso, o uso de iconografia ou a aberta militância em organizações neonazistas nos Estados Unidos pode ser mais visível que em outras nações. "Ao estar amparado pela lei, é mais comum encontrar grupos e símbolos neonazistas nos Estados Unidos que qualquer outro lugar", diz à BBC Mundo Brenda Castañeda, uma promotora de Charlottesville que trabalha como diretora do Legal Aid Justice Center, uma ONG de defesa de direitos civis na Virgínia. "O grande perigo é que por trás destes símbolos de ódio, pode-se ocultar também a violência, como nos acontecimentos do fim de semana."
No entanto, ela destaca que a Primeira Emenda também estabelece as bases e os limites para castigar os atos de violência que possam ser provocados por estes "discursos de ódio".

O limites do 'ódio'

Mas se na Alemanha o código penal estipula como delito o uso de material inspirado na ideologia nazista ou a associação em grupos que se declarem abertamente sucessores do Führer, nos Estados Unidos, os parâmetros que estabelecem quando um "discurso de ódio" transgride a lei são nebulosos.
"O direito constitucional americano desaconselha as 'restrições prévias', que são aquelas que proíbem ações com base no que poderia ocorrer. Isto explica por que é inconstitucional vetar a publicação de certo livros, como Minha Luta, ou proibir uma manifestação, como a ocorrida no fim de semana, com base nos efeitos que poderiam ter", explica Darren Hutchinson.
O acadêmico esclarece que há limitadas exceções para estes casos e elas estão associadas a discursos que incitem a violência ou que possam ser catalogados como difamação, calúnia, obscenidade ou incitação à anarquia.
Estes americanos poderiam ser condenados a até três anos de prisão na Alemanha por portarem trajes típicos nazistas 

Sua margem de aplicação, explica, é complicada, porque às vezes não é fácil justificar legalmente que um discurso se insere em algum destes parâmetros, já que estes podem ser subjetivos.
"É difícil prever, por exemplo, se um orador intencionalmente incitará a violência durante um discurso. Do mesmo modo, é muito difícil justificar a proibição de um discurso político ou de matérias vinculadas ao interesse público, como são os temas raça e política. Então, para poder restringir o direito à livre expressão, as autoridades precisam ter uma razão convincente e isto entra em um limbo legal de uma interpretação muito ampla", indicou.
Entretanto, de acordo com a promotora Casteñeda, o reconhecimento do direito à livre expressão, que permite passeatas como as de Charlottesville, é também uma forma de limitar a margem de interferência do governo nas liberdades civis.

"Quando os pais da nação estabeleceram a Primeira Emenda, fizeram isto porque consideraram uma verdade prática: as autoridades nem sempre exercem o poder da censura de maneira responsável. Em dado momento, quando o discurso subverte a autoridade estatal, ele poderia ser considerado ilegítimo. É por isso que defendemos a livre expressão como uma liberdade civil", sustenta.


A Associação Americana dos Direitos Civis (ACLU, na sigla em inglês), sempre esteve entre as organizações que defenderam o direito de grupos neonazistas ou de extrema direita - como o Ku Klux Klan ou a Vanguarda América - se manifestarem.
"Fazemos isto porque acreditamos no princípio de que, uma vez que os direitos da pessoa sejam violados, todos os demais estão sob risco. A liberdade de expressão não pertence apenas àqueles com quem estamos de acordo, e a Primeira Emenda não protege apenas os discursos politicamente corretos", afirma Chris Hampton, especialista da ACLU.
"De fato, é nestes casos difíceis que nosso compromisso com a Primeira Emenda é mais importante. Como disse um juiz federal, tolerar os discursos de ódio é a melhor proteção que temos neste país contra qualquer regime de tipo nazista", afirma.

Mas para Casteñeda, a principal razão para preocupação neste momento não são as leis e sua aplicação, mas para as razões que permitiram eventos como o de Charlottesville.
"Acredito que estes atos foram alimentados pelo fanatismo e pela retórica racista que floresceram nos últimos meses: a proibição de entrada de muçulmanos à nossa nação, a iniciativa de um muro fronteiriço, os políticos chamando imigrantes de estupradores... Acredito que este tipo de retórica que demoniza grandes grupos de pessoas é a que que traz estas consequências".
"No final de semana foi Charlottesville. Amanhã poderia ser qualquer outra cidade dos Estados Unidos", adverte.

Fonte: BBC Brasil