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segunda-feira, 25 de outubro de 2021

Sabotadores da República - Gazeta do Povo

Rodrigo Constantino

Em seu editorial de hoje, o Estadão alega que não passa de uma desculpa esfarrapada a narrativa bolsonarista de que o presidente eleito não consegue governar por conta do Congresso e do Supremo. O jornal dá exemplos de reformas importantes aprovadas nos governos FHC e Temer, e rechaça qualquer pretensão utópica na política. Eis um trecho:

O argumento é um tanto perigoso para o regime democrático, uma vez que exclui a responsabilidade do governante em relação ao seu governo e, para piorar, atribui a ineficácia do Executivo à separação de Poderes. Sob essa lógica, tivesse o presidente da República mais poderes e recaíssem sobre ele menos controles, as coisas seriam diferentes. Ou seja, a argumentação encaminha-se, velada ou explicitamente, para o autoritarismo.

A ideia é, no entanto, uma falácia. Quando quer, o presidente da República é capaz de governar, implementando seu programa de governo e suas propostas. Logicamente, não será capaz de realizar tudo aquilo que se propôs. Mas conseguirá promover, a despeito de todas as dificuldades e oposições, muitos projetos e muitas mudanças.

Em tese, o jornal está certo: a divisão de poderes serve para impedir arroubos autoritários - de qualquer lado! Flertar com utopias em política é mesmo perigoso. A necessidade de contemporizar, de ceder, de enfrentar os freios e contrapesos do sistema, tudo isso impede uma concentração de poder indevida e indesejável.

Mas o jornal adota a premissa de que temos as instituições funcionando normalmente. O Estadão, até hoje, foi incapaz de criticar com veemência o abuso de poder supremo, por exemplo, ou de apontar as sabotagens parlamentares explícitas.  
O jornal resolveu levar a sério até essa CPI patética! Tudo para colaborar com o desgaste de Bolsonaro. 
Tanto que o editorial conclui culpando apenas Bolsonaro pela situação toda e fazendo campanha por sua troca: Semelhante eficácia do Executivo federal foi vista no governo de Michel Temer. Em 2016, o Congresso aprovou a Emenda Constitucional do Teto dos Gastos. Na época, Michel Temer tinha baixa aprovação popular, e mesmo assim conseguiu instaurar a medida saneadora.

Tal histórico é muito alentador, especialmente para depois de 2022. Quando se quer, quando se colocam os meios, é possível governar. Não é preciso ter um Congresso excepcional para que o regime democrático funcione. A separação de Poderes dispensa utópicas perfeições, pois há limites e controles. Basta que cada um faça a sua parte. Ao Executivo compete governar.

Estranho o Estadão reconhecer reformas importantes aprovadas por FHC e Temer, mas nada falar sobre os avanços institucionais no atual governo. Ora, não foi no governo Bolsonaro que tivemos a maior reforma previdenciária aprovada? A independência do Banco Central? O marco do saneamento básico? Avanços nas privatizações?

O governo atual não está paralisado, como dá a entender o jornal. Mas há, sim, uma tentativa de sabotagem sem precedentes.  O ex-presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assim que saiu do cargo admitiu ser oposição, e hoje está colado no PT. O atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, acaba de anunciar sua mudança para o PSD, de Kassab, que estaria costurando seu nome como vice de Lula. E é desnecessário mencionar o ativismo político do STF neste governo.

O Estadão ignora tudo isso para fingir que a dificuldade de governar não tem relação com essas sabotagens, mas deriva somente da incompetência de Bolsonaro. Isso para não falar de corrupção, já que sabemos bem quais métodos eram utilizados antes para a aprovação das reformas.

Um presidente, mesmo eleito com quase 60 milhões de votos, não pode tudo, e é bom que assim seja. Não queremos, afinal, um "déspota esclarecido". A descentralização do poder é importante para impedir o autoritarismo, e nisso o Estadão acerta. Mas fingir que Bolsonaro é simplesmente incapaz de governar porque não sabe negociar com o Congresso beira o cinismo. Não mencionar a postura golpista de alguns ministros do Supremo é desonestidade.

Bolsonaro, como um típico militar, enxerga o cenário de forma binária, com aliados leais ou inimigos mortais. Não é o melhor exemplo de alguém que sabe construir pontes, é verdade. Poderia ter evitado muito conflito desnecessário também. Mas responsabilizar o presidente - e apenas o presidente - pela dificuldade de avançar com certas pautas, ignorando o contexto golpista do sistema, isso é fazer péssima análise, deixando o essencial de fora para atacar um desafeto político.

Rodrigo Constantino, colunista - Gazeta do Povo - VOZES

 

 

quarta-feira, 23 de dezembro de 2020

A boiada passa -O Estado de S. Paulo

J.R. Guzzo

Presidente pode estar levando a preço de custo a sua reeleição em 2022

O presidente Jair Bolsonaro pode estar levando a preço de custo, ou praticamente de graça, a sua reeleição em 2022. É isso que vai acontecer, se a situação dos próximos dois anos permanecer a mesma dos dois últimos – período em que os partidos de oposição, as elites centristas, a mídia e quem mais quer Bolsonaro fora da presidência da República parecem ter feito tudo o que podiam para ajudar seu inimigo número 1 a ficar na cadeira de onde querem que ele saia. Em primeiro lugar, não conseguem se unir em torno de um programa mínimo e menos ainda de um nome para concorrer de verdade com o presidente. Além disso, insistem na obsessão de denunciar o adversário por desastres que ele não cometeu – enquanto deixam passar, intacta, a boiada inteira dos erros, fracassos e disparates que seu governo de fato tem cometido.

É a história de sempre – quando o sujeito é cobrado por dívidas que não tem, ou que a maioria acha que não tem, acaba ficando livre de pagar o que realmente deve. Resultado: quanto mais os ataques contra Bolsonaro vão se aproximando da histeria, mais ele prospera em seus índices de aprovação popular. O presidente, por exemplo, acaba de ser denunciado na imprensa, mais uma vez, como um “genocida” que pratica atos de “descaso homicida” e “estupidez assassina” por conta da covid-19; é acusado, todos os dias, de ser o responsável pela morte de “180 mil pessoas”. É isso, e coisa pior, que vem sendo repetido por seus adversários desde o começo da epidemia. Exatamente no mesmo momento informa-se que o índice de aprovação do presidente acaba de subir para 37% – o mais alto de todo o seu governo.

É no que dá, aparentemente, fazer denúncias de gravidade terminal, como assassinato em massa, e não mostrar com clareza a relação de causa e efeito entre a acusação e o fato. Em vez de prejudicar, a denúncia ajuda. Obviamente, pelo que mostram os números, a maioria das pessoas não está acreditando que Bolsonaro matou alguém, muito menos 180 mil pessoas quem matou, no olhar da opinião pública, foi o vírus. 
Mais: se alguém matou alguém, foram os governadores e prefeitos que receberam da Justiça a exclusividade na gestão da epidemia. Quando se juntam as palavras “covid” e “Bolsonaro”, a primeira reação da mídia é falar em “genocídio”; na opinião pública, a primeira ideia que ocorre é o auxílio emergencial de R$ 600 por mês.

Nada disso, pelo jeito, impressiona a oposição; em vez de fazer oposição de verdade, a começar pelo trabalho de demonstrar para a população por que seu governo seria melhor que este, os inimigos de Bolsonaro insistem em apostar tudo na covid. Ou, então, em outras miragens como a perseguição dos índios, o massacre dos gays e os incêndios no Pantanal; dá muita primeira página, mas não dá voto, porque só acreditam nessas coisas, no fundo, quem já está decidido a acreditar nelas. O fato é que, dez meses depois das primeiras mortes da epidemia, Bolsonaro tem uma aprovação muito maior do que tinha no começo. Num ano de desastre absoluto para qualquer governo, 2020 foi uma beleza para ele. 

J.R. Guzzo, jornalista - O Estado de S. Paulo

 

*JORNALISTA