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quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O cancelamento de Maurício Souza e a liberdade de expressão agredida

Gazeta do Povo

O cerco à liberdade de expressão, que vive um verdadeiro “apagão” no Brasil, patrocinado até mesmo pelas instituições que têm o dever constitucional de defendê-la, ganhou novo capítulo nesta quarta-feira, quando o jogador de vôlei Maurício Souza foi desligado do Minas Tênis Clube, como consequência de uma campanha de cancelamento promovida contra ele. O atleta, que já era alvo de críticas frequentes por ser apoiador do presidente Jair Bolsonaro, teve seu contrato rescindido unilateralmente pelo clube mineiro após publicações em mídias sociais. Além disso, o técnico da seleção brasileira de vôlei, Renan dal Zotto, afirmou que não há espaço “para profissionais homofóbicos” na equipe, insinuando que Souza não será mais convocado para defender o Brasil em competições internacionais.

Maurício Souza durante partida da seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio.

Maurício Souza durante partida da seleção brasileira nos Jogos Olímpicos de Tóquio.| Foto: Miriam Jeske/COB

Em uma das publicações, o atleta criticou o uso da chamada “linguagem neutra”, uma criação artificial que viola os padrões da língua portuguesa que, segundo informações de bastidores, estaria presente em uma novela com exibição prevista para o ano que vem; Souza fez o comentário “O céu é o limite se deixarmos! Está chegando a hora dos silenciosos gritarem”. Em seguida, comentando o fato de a DC Comics lançar uma história em que o personagem Super-Homem se assume bissexual, Souza escreveu:A (sic) é só um desenho, não é nada demais. Vai nessa que vai ver onde vamos parar…”. Depois, Souza publicou uma foto de uma equipe feminina de basquete que conta com um atleta transexual, Gabrielle Ludwig, afirmando: “Se você achar algum homem nessa foto você é preconceituoso, transfóbico e homofóbico. Mais uma conquista do feminismo para as mulheres!” E, por fim, publicou um vídeo defendendo suas posições e seu direito à liberdade de expressão, relatando insultos sofridos.

Classificar as manifestações de Maurício Souza como “homofóbicas” ou “ilegais” é muito mais que uma distorção grosseira do seu conteúdo; é a admissão de que, a partir de agora, há tabus, assuntos que não podem ser nem mesmo discutidos, quanto mais questionados

Quando a campanha de cancelamento já estava em curso, o Minas Tênis afirmou que “todos os atletas federados à agremiação têm liberdade para se expressar livremente em suas redes sociais”, que “não aceitamos manifestações homofóbicas, racistas ou qualquer manifestação que fira a lei”, e que “as opiniões do jogador não representam as crenças da instituição sociodesportiva”. No entanto, em poucas horas, pressionado pelos principais patrocinadores e pela intensificação da pressão dos canceladores, o clube mudou sua postura inicial: primeiro, afastou e multou Souza, pedindo que ele publicasse uma retratação; por fim, anunciou a demissão. 

Assumir como correta a postura dos canceladores significa, por exemplo, que não se pode nem mesmo contestar a adoção da “linguagem neutra” e que ela deve ser simplesmente aceita sem questionamentos, por mais que inúmeros especialistas apontem seu artificialismo e seu caráter de imposição ideológica, ao contrário de diversas outras mudanças que o idioma sofreu ao longo dos séculos, sempre fruto de uma evolução orgânica. Da mesma forma, torna-se “crime” apontar uma verdade evidente que Ludwig é um homem biológico – e pretende-se bloquear o debate sobre a participação de atletas transexuais no esporte feminino, uma discussão que nem mesmo o Comitê Olímpico Internacional considera encerrada, já que a entidade manifestou sua intenção de rever as regras atuais sobre a presença de tais atletas em suas competições. Por fim, na mente dos canceladores, já não se pode nem mesmo criticar o fato de uma empresa de entretenimento atribuir determinada característica a um de seus personagens.

Nenhuma dessas posturas corresponde a homofobia; as manifestações de Souza não se encaixam naquelas condutas criminalizadas pela Lei 7.716, cujos efeitos o Supremo equivocadamente ampliou para incluir ações discriminatórias contra a população LGBT. Nem mesmo o ato descrito no artigo 20 (“Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito”) poderia ser aplicado às publicações do atleta, que não advogou nenhum tipo de preconceito, discriminação ou retirada de direitos de determinadas pessoas.

Apenas a extrapolação indevida explica a caracterização de “homofóbicas” dada às manifestações de Maurício Souza – ou por meio da deturpação das intenções do atleta em suas publicações específicas, ou por meio de um fenômeno mais generalizado que previmos já em março de 2019, quando o julgamento sobre a Lei 7.716 no Supremo ainda não estava concluindo:   
a proibição completa da crítica a comportamentos, algo sem precedentes na história das democracias ocidentais. Cada novo episódio de perseguição ou cancelamento deixa mais claro que este é o objetivo final de parte da militância identitária: calar quem quer que considere equivocadas determinadas práticas e que já não se resumem ao comportamento homossexual propriamente dito – daí, por exemplo, a revolta contra a crítica à “linguagem neutra”.
Em março de 2019, a Gazeta do Povo afirmou: “Quando se vai além da criminalização do preconceito para estabelecer uma categoria de ‘crimes de opinião’, ignora-se completamente o fato de que, em todas as democracias sérias, não há comportamento humano que esteja imune ou blindado à crítica. O entendimento universal é o de que mesmo as condutas humanas mais nobres e quase que universalmente aceitas podem ser alvo de discordância, de crítica e de uma apreciação negativa, desde que não se caia no insulto, na agressão ou na violência”. 
 
Insulto, agressão e violência são tudo o que não existe nas manifestações que levaram ao cancelamento de Maurício Souza. 
A agressão e a violência reais são aquelas cometidas contra a liberdade de expressão do atleta, e são perpetradas por aqueles que não toleram a discordância, a ponto de buscarem inviabilizar completamente a vida de uma pessoa, pressionando para que lhe seja tirado até mesmo seu ganha-pão.

Editorial - Gazeta do Povo


terça-feira, 5 de outubro de 2021

A mulher de 3,5 trilhões de dólares: senadora americana trava Biden - Blog Mundialista

O programa de gigantescos projetos sociais do presidente depende de dois senadores - e Kyrsten Sinema é o mais inesperado obstáculo

Kyrsten Sinema é bissexual. Pronto, tiramos o assunto do caminho. Muito mais incomum é a trajetória política que ela fez: foi da esquerda do Partido Verde para a direita do Partido Democrata.

A senadora pelo estado do Arizona e o colega Joe Manchin são os dois maiores obstáculos à gastança que Joe Biden quer liberar, com o apoio entusiasmado da ala de esquerda do partido, louca para ver 3,5 trilhões de dólares jorrando sobre vastos projetos sociais, de creches a projetos de transição para a economia verde.

Manchin sempre foi um moderado defensor do bom comportamento fiscal. A surpresa  é Sinema nessa dança pelos votos no Senado, onde o governo precisa dos 50 senadores que votam com os democratas, mais o desempate da vice-presidente Kamala Harris, para aprovar os projetos que têm apoio zero do Partido Republicano. Além de achar que o pacote de 3,5 trilhões é excessivamente gastador, ela também é contra aumento de impostos para as faixas de renda mais altas, outra heresia para os progressistas.

Tendo se transformado em alvo preferencial de múltiplas correntes esquerdistas, Kyrsten Sinema sentiu na pele o que é virar vilã: foi seguida, cobrada e filmada por um grupo de jovens militantes que a abordaram na saída da classe onde dá aulas para o curso de assistência social da Universidade do Estado do Arizona. Os ativistas entraram com ela no banheiro feminino e não largaram do celular nem no momento de intimidade que deveria ser protegido pelo direito à privacidade garantido a qualquer cidadão.

O vídeo viralizou e a senadora de 45 anos ganhou mais pontos com a direita, uma posição altamente improvável para uma política que gosta de usar roupas espalhafatosas, botas pelo meio da coxa, bijuterias gigantescas, perucas em tons de verde ou rosa, vestidos cavados e decotados, mostrando o corpo moldado em maratonas e competições de triatlo.

E na cabeça, o que vai?  “Às pessoas que gostam de achar que podem entendê-la, eu gostaria de dizer: não podem”, disse um integrante de seu círculo próximo a Maureen Dowd, que escreveu uma coluna no Times inevitavelmente fazendo um trocadilho com o sobrenome dela, de origem holandesa: Sinema estrela seu próprio filme. “Ela não pensa de modo linear, tipo ‘Ok, como isso pode impactar minha reeleição’. Ela simplesmente dança conforme sua própria música. Quando diz ‘Tenho coisas para fazer’, é porque tem planos. Às vezes, ela só está mais interessada em treinar para mais um Ironman. Palmas para ela. É como assistir um filme”, elogiou o confidente.

Na mesma linha, Sinema (pronuncia-se cínema) já foi chamada de esfinge e de Greta Garbo do Congresso. O Los Angeles Times disse que ela “faz a cabeça dos liberais explodir”, lembrando que sua “heresia” vai além de bloquear o pacotão de 3,5 trilhões: votou contra o aumento do salário mínimo para 15 dólares a hora e a favor da manutenção dos processos de obstrução no Senado, outra causa progressista que largou sem pestanejar os cílios postiços.

O espírito independente – ou qualquer outra coisa que explique o que vai pela cabeça de Sinema – já havia sido demonstrado quando ela era deputada e votou contra o acordo nuclear com o Irã. Joe Biden hoje está dando um duro danado para reativar o acordo renegado por Donald Trump e é difícil prever o que acontecerá se ele vier a ser novamente votado no Senado. Como mulher, com uma prática sexual minoritária, Kyrsten Sinema foi relativamente poupada pelos progressistas e ganhou elogios quando levou o lugar no Senado, um feito no Arizona.

Hoje, ela é mais popular em seu Estado entre as mulheres que normalmente votam em republicanos. Seus antigos adeptos a chamam de traidora e narcisista. Os assessores de Sinema gostam de plantar que ela se inspira no estilo de John McCain, o senador republicano pelo Arizona que, depois de ser impiedosamente chicoteado pela imprensa liberal quando disputou a presidência com Barack Obama, tornou-se objeto de culto ao se estranhar com Donald Trump.

Sinema diz que McCain é um “herói pessoal” e tenta imitar o estilo cáustico do senador.  A um repórter que, numa entrevista de corredor do Congresso, perguntou o que diria aos progressistas frustrados por não saber de que lado ela está, Sinema respondeu: “Estou no Senado”. O repórter insistiu que também no Senado havia progressistas frustrados por não saber onde exatamente ela se situa.“Estou claramente em frente do elevador”.

O estilo esfinge da senadora vai resistir às realidades da política? 
Ela aceitará uma solução negociada para o pacotão? 
Até que ponto está disposta a comprar briga ou a ceder?
E quando disputará o próximo Ironman?
O filme de Kyrsten Sinema por enquanto é de suspense.
 
Blog Mundialista - Vilma Gryzynski - VEJA