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sábado, 6 de julho de 2019

As outras batalhas da Previdência [uma delas: a excessiva judicialização]

[Parte do deficit da Previdência tem como causa a longevidade dos aposentados, aposentadorias precoces, mas o DEFICIT dos deficit está nos beneficios obtidos de forma fraudulenta, na sonegação de contribuições e nas decisões judiciais em que juízes se arvoram de 'legisladores' e 'corrigem' leis que entendem falhas.]

O Ministério da Economia está iniciando outra batalha para reduzir o custo da Previdência, o da excessiva judicialização. Em 2017, a Previdência pagou R$ 92 bi de benefícios cumprindo decisões judiciais, isso foi 15% de todo o gasto previdenciário. Não foram ações concedidas naquele ano, mas pagas naquele ano e concedidas ao longo do tempo. Os dados de 2018 que serão conhecidos em breve mostrarão um crescimento do custo dos benefícios pagos por decisões da Justiça. O governo tem conversado com o STJ para saber onde estão as falhas que têm provocado o crescimento das decisões.

A ideia, segundo me explicaram no governo, é reduzir erros, ou fechar brechas, que possam redundar em novas decisões judiciais contrárias. Em algumas áreas, 70% das ações são de pessoas que requerem aposentadorias especiais. O governo está estudando particularmente as ações provenientes das perícias médicas do INSS.  Uma das fontes de decisões judiciais é o Benefício de Prestação Continuada (BPC), porque, apesar de a lei estabelecer que deve ser concedido a quem tem uma renda familiar per capita de um quarto de salário mínimo, existem ações civis públicas em cinco estados considerando que o INSS deve conceder administrativamente para quem tem renda de meio salário mínimo. Há juízes estabelecendo outros critérios. Tudo começou quando, há três anos, o STF decidiu que o critério que estava na lei ordinária que criou o BPC estava em conflito com o artigo 203 da Constituição.

Foi por isso que o relatório do deputado Samuel Moreira constitucionalizou o critério do BPC. Mas, na última versão, ele fez um adendo cuidadoso. Estabeleceu que uma lei ordinária definirá depois o critério de vulnerabilidade, isso porque pessoas portadoras de deficiência têm direito ao benefício mesmo que tenham renda maior. O problema é que pelos dados atuais da Previdência, consultados pelo economista Fábio Giambiagi, há mais portadores de deficiência recebendo o BPC, 2,7 milhões, do que idosos em condição de miserabilidade, 2 milhões. Isso pode indicar uma tendência à fraude ou uma visão benevolente na concessão porque, na opinião dele, o Brasil não deve ter mais deficientes impossibilitados de trabalhar do que idosos em condições de miserabilidade. O governo calcula que, em dez anos, com a constitucionalização do critério de renda do BPC, pode ser gerada uma economia de R$ 33 bilhões.

Um dos pontos que os técnicos do Ministério da Economia acham que pode ajudar a reduzir o número de ações judiciais que o INSS perde é o da perícia medica. A MP 871 levou os peritos do INSS para uma carreira própria na Secretaria de Previdência. E o esforço é para que o Judiciário use os servidores na perícia judicial, independentemente de requererem, quando quiserem, uma perícia externa.

Quem no governo acompanhou a discussão da reforma está convencido de que a questão da aposentadoria rural, que foi retirada do projeto na Câmara, terá que ser analisada em algum momento, por razões demográficas. Está sendo reduzida a diferença de expectativa de vida entre os moradores urbanos e rurais. Há 20 anos, a diferença era de praticamente sete anos. Isso pelos dados do INSS, nas estatísticas de morte do beneficiário. Em 2017, essa diferença caiu para 1,7 ano.

Politicamente foi impossível mexer com o rural agora, mas os técnicos acham que com a queda dessa distância na expectativa de vida isso terá que ser analisado para evitar o estímulo a que pessoas que vivem nas cidades se aposentem como trabalhadores rurais. É bem verdade que a MP 871 vai reduzir o crescimento da aposentadoria rural, porque a comprovação do trabalho não será mais dada pelo sindicato, mas sim por um cadastro do governo. O problema fiscal tende a diminuir, mas a mudança, na opinião dos técnicos da Previdência, terá que ser feita por uma questão de lógica no sistema: pessoas se aposentando numa idade menor, quando isso não se justifica demograficamente.

A reforma da Previdência é um assunto inesgotável. Mesmo que essa proposta que saiu esta semana da Comissão Especial seja aprovada na íntegra o país continuará com um grande déficit no sistema apesar de ser pequena a proporção de idosos. O Brasil ainda é de jovens, mas com um ritmo de envelhecimento muito rápido. Outro dia, para fazer uma coluna sobre o Plano Real, eu registrei aqui um dado do IBGE: 38% dos brasileiros têm 25 anos ou menos. A Previdência precisará mudar várias vezes, não pelos velhos, mas pelos jovens de hoje.



Miriam Leitão - O Globo 
 

sexta-feira, 5 de julho de 2019

Nas entrelinhas: Reforma avança na Câmara

“A reforma da Previdência modifica as regras de aposentadoria para o setor privado e servidores da União. Valerá para quem ainda não trabalha. Os que já estão trabalhando terão regras de transição”

A Comissão Especial da Câmara aprovou ontem, por 36 votos a 13, o texto-base da reforma da Previdência, de autoria do relator Samuel Moreira (PSDB-SP), que analisou e fez alguns ajustes na proposta original do governo. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ainda acredita que possa aprovar a reforma em plenário antes do recesso. Dezessete destaques foram apresentados à comissão, mas 16 foram rejeitados, inclusive dois que contavam com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, para flexibilizar as regras propostas para aposentadorias de policiais. O único aceito excluiu policiais militares do texto.

A reforma da Previdência é a principal proposta da equipe econômica para resolver o problema da crise fiscal. Ontem, o ministro da Economia, Paulo Guedes, em encontro com empresários em São Paulo, era só elogios ao Congresso por causa da aprovação do texto-base. Guedes não só aposta numa economia de R$ 1 trilhão, com aprovação da reforma, como voltou a falar que não perdeu a perspectiva de implantar um plano de capitalização.  A reforma da Previdência modifica as regras de aposentadoria para funcionários do setor privado e servidores públicos da União. Valerá para quem ainda não começou a trabalhar. Os que já estão trabalhando e contribuindo para o INSS ou o setor público terão regras de transição. Servidores estaduais e municipais foram excluídos da reforma; governadores e prefeitos terão que fazer reformas específicas nos seus estados.

A idade mínima de aposentadoria passou a ser 65 anos para homens e 62 anos para mulheres do setor público e do privado; no caso dos professores, 60 anos para homens e 57 anos para mulheres. O tempo de contribuição no setor privado passou a ser de 20 anos para homens e 15 anos para mulheres; no setor público, 25 anos para homens e mulheres. Essas regras valerão para quem ainda não começou a trabalhar.  Os que já trabalham e contribuem para o INSS ou o setor público terão regras de transição. A idade mínima subirá gradativamente: começa em 61 anos (homens) e 56 anos (mulheres) e terá acréscimo de seis meses por ano. Em 2021, por exemplo, será de 62 (homens) e 57 (mulheres).

De fora
O relator Samuel Moreira excluiu de seu relatório propostas polêmicas do projeto original do governo, como a capitalização, por meio da qual cada trabalhador poderia fazer a própria poupança. Essa proposta continua sendo, porém, uma meta a ser alcançada para o ministro da Economia, Paulo Guedes, que pretende apresentar um novo projeto sobre essa questão depois de aprovada a reforma pelo Congresso.

Estados e municípios também ficaram de fora, apesar das pressões dos governadores. A ampla maioria dos deputados não quis estender a reformas aos demais entes federados, com medo de retaliação dos servidores estaduais e municipais nas eleições. O relator também deixou de fora a “desconstitucionalização” das regras de idade e tempo de contribuição e as mudanças nas regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), no valor de um salário mínimo, que é pago a pessoas com deficiência e idosos de baixa renda. O governo queria pagar um salário mínimo após os 70 anos (hoje é a partir dos 65), com a possibilidade de pagar R$ 400 a partir dos 60 anos. [esclarecendo: nada será alterado no BPC pela reforma previdenciária; só que após aprovada a reforma da Previdência, tudo que diga respeito ao BPC, não estará mais na Constituição, podendo ser alterado por Lei Ordinária - bem mais fácil de aprovar do que uma PEC.

Ou seja, o relator, deputado Samuel Moreira do PSDB/SP, para não se queimar, excluiu do seu relatório p aumento da idade do idoso para ter direito ao BPC, mas, excluiu também da Constituição, facilitando assim mudanças futuras que podem prejudicar o idoso.] 
 
Atritos
As pressões de última hora de Bolsonaro para incluir na reforma as reivindicações dos policiais agastaram ainda mais as relações do líder do governo na Câmara, deputado Vitor Hugo (PSL-GO), com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Na quarta-feira, os dois chegaram a ter uma discussão ríspida na reunião de líderes por causa da insistência de Bolsonaro em mudar o relatório de Samuel Moreira por causa dos desgastes que teve com os policiais que sempre o apoiaram.

Além de ser um parlamentar de primeiro mandato, sem amplo trânsito entre os líderes da Câmara, Vitor Hugo sofre um permanente fogo amigo da líder do governo no Congresso, Joice Hasselmann (PSL-PR), que trabalhou pela derrubada dos destaques. Joice tem muito mais trânsito entre os colegas da Câmara e é respeitada por cumprir acordos. Vitor Hugo, porém, tem a confiança de Bolsonaro.  Ontem, o general Luiz Eduardo Ramos foi empossado por Bolsonaro como novo ministro da Secretaria de Governo, passando a responder pela articulação política. General de Exército e amigo de Bolsonaro, o militar teve uma breve experiência como assessor parlamentar do Exército no Congresso. 

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo - CB