Temer resiste?
Na última semana, o Brasil assistiu a mais um
capítulo da guerra institucional estabelecida desde a divulgação de
delação dos donos da JBS em maio. A instabilidade permanente e as doses
homeopáticas – ao mesmo tempo dolorosas – da crise podem até se ajustar
com perfeição às conveniências da oposição e do PT, interessados em ver o
País sangrar até as eleições de 2018, mas são deletérias para um Brasil
que anseia por virar a página – independentemente de qual seja o
desenlace
Na segunda-feira 26, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot,
abriu seu arsenal de acusações contra o presidente da República, Michel
Temer, com uma denúncia que até faz sentido enquanto narrativa, mas que
ainda carece de provas materiais – essenciais para se condenar alguém.
Diante do inegável peso político dos petardos e da perspectiva de que
eles não cessarão tão cedo, a pergunta que se impõe é: Temer irá
resistir? Há semelhanças e diferenças relevantes entre os processos de
afastamento que depuseram os ex-presidentes Fernando Collor, em 1992,
Dilma Rousseff, em 2016, e o de agora, em que se deseja apear do poder o
presidente Michel Temer. O atual, mesmo com aparência de frágil, não
inspira profecias de idêntico desfecho, por ser improvável que vá se
render tão cedo ou em algum momento. Mesmo com 7% de aprovação popular, o
presidente da República demonstra resiliência.
O HOMEM DA MALA Se Loures entregou os R$ 500 mil à PF, por que a PGR diz que Temer “recebeu o dinheiro para si”?
Na noite de segunda-feira 26, Temer já começava a preparar o
contra-ataque à denúncia formulada por Janot. Na madrugada, pouco
dormiu. Preferiu reunir-se com auxiliares para analisar o texto do
procurador. Encontrou uma série de furos na acusação e decidiu que
precisava falar à nação, atendendo ao clamor de sua tropa. Na sala de
jantar, nutriu-se para os momentos de tensão que enfrentaria em rede
nacional. Pediu aos cozinheiros que lhe preparassem uma reforçada
dobradinha – à base de bucho de porco.
Jantou e rumou para o Palácio do
Planalto. Em seu pronunciamento, Temer indicou que está pintado para a
guerra. O final pode ser outro, mas por ora o presidente vence o que se
convencionou de chamar de “batalha da comunicação”. Em sua fala, ladeado
por uma claque de deputados aliados e ministros, Temer partiu para o
revide. Contrariando o ditado segundo o qual a vingança é um prato que
se come frio, o presidente agiu rápido. Seus alvos foram Janot, o
ex-funcionário do Ministério Público Marcelo Miller e o delator Joesley
Batista. “Não fugirei das batalhas, nem da guerra que temos pela frente.
A minha disposição não diminuirá com os ataques irresponsáveis à
instituição Presidência da República, nem ao homem Michel Temer. Não me
falta coragem para seguir na reconstrução do Brasil e na defesa de minha
dignidade pessoal”, disse Temer no fim do discurso de cerca de 20
minutos.
O pulo do gato do pronunciamento foi a inclusão da expressão
“denúncia por ilação”. “Nunca vi o dinheiro e não participei de acertos
para cometer ilícitos. Reinventaram o código penal e incluíram uma nova
categoria: a denúncia por ilação. Se alguém cometeu um crime e eu o
conheço, logo sou também criminoso”, afirmou o presidente. Ao sublinhar o
termo, Temer lançou luz sobre um dos calcanhares de Aquiles de Janot,
com o qual o próprio ex-relator da Lava Jato Teori Zavascki concordava:
no afã de denunciar no afogadilho, o procurador-geral produz peças
jurídicas controversas, para não dizer frágeis.
Fios desencapados
Por exemplo, Rodrigo Janot afirmou logo no primeiro parágrafo da sua
acusação que o presidente “recebeu para si, por intermédio de Rodrigo
Santos da Rocha Loures, vantagem indevida de cerca R$ 500 mil”. Também
fez menção ao “montante espúrio de R$ 500 mil, recebido por Rodrigo
Loures para Michel Temer”. Ao limitar a denúncia de corrupção passiva
contra o presidente ao suposto recebimento de R$ 500 mil pelo
ex-assessor Rodrigo Rocha Loures, o chefe do MP Federal correu um risco
desnecessário que o presidente soube aproveitar em seu discurso: “Onde
estão as provas concretas de recebimento desses valores? Inexistem”,
afirmou Temer. A acusação esgrime a lógica tanto quanto seria leviano
supor que “os milhões” pagos pela JBS poderiam ter parado nas contas do
procurador.
As investigações provaram que Loures foi destinatário em abril de uma
mala de R$ 500 mil entregue pela JBS. O fato foi atestado não apenas
pelos registros das imagens feitas pela PF, mas pelo comportamento do
próprio ex-assessor de Temer em devolver a dinheirama à Justiça. Também é
inegável que Loures e Temer eram unha e carne, tanto que o presidente
da República, na conversa com Joesley, o autoriza a permanecer em
contato com o interlocutor. O problema foi associar Temer ao recebimento
da mala com os R$ 500 mil, como fez apressadamente Janot. O dinheiro
faria parte de uma mesada paga por Joesley Batista a Loures por 20 anos
em troca de uma intervenção do presidente da República no Conselho
Administrativo de Defesa Econômica (CADE) em favor da JBS.
Ocorre que a
própria denúncia reconhece não ter sido possível reunir elementos
capazes de concluir “que o interesse manifestado por Rocha Loures no
Cade tenha provocado no seio daquele órgão ações ou decisões
precipitadas ou desviadas da boa técnica”.
Ao deixar fios desencapados, o procurador deu munição ao presidente
da República. “O procurador-geral afirma que o presidente recebeu
dinheiro, mas não se tem provas disso. A denúncia se baseia mesmo numa
ilação. Não há um conjunto forte de provas”, constatou o ex-ministro do
Supremo, Carlos Velloso, para quem a denúncia foi precipitada. “É
inepta. Falta investigação nesse caso”, acrescentou. Professor de
Direito Constitucional da PUC, Pedro Serrano fez coro: “Falta solidez à
denúncia. Há suposições. Não se comprova nem que a mala entregue a Rocha
Loures chegou a Temer nem que o dinheiro foi entregue a pedido do
presidente. Falta materialidade e indícios de autoria”, avaliou Serrano.
Ou seja, até agora, todos os pilares sobre os quais se sustenta a
primeira denúncia de Rodrigo Janot não permitem nenhuma conclusão sólida
o suficiente para justificar a deposição do presidente da República.
Segundo especialistas, os argumentos levantados pelo governo poderão
insuflar o debate a respeito do chamado fruto da árvore envenenada –
teoria consagrada no Direito americano segundo a qual toda a peça
jurídica pode ficar comprometida devido a premissas equivocadas. Para o
cientista político Paulo Kramer, ao tropeçar nos próprios equívocos,
“Janot pode conseguir o milagre de unir, contra si, o conjunto da classe
política”. O acordo tão favorável a Joesley abençoado pelo
procurador-geral “também trincou o que até pouco tempo atrás era um
sólido consenso pró-Lava Jato”, acrescentou Kramer. Em qualquer
tribunal, essa falha na peça jurídica pode levá-la à nulidade por vício
de origem. E, mesmo no Congresso, esse erro de acusação deve interromper
o processo.
O calendário da crise
Na batalha contra Janot, o Palácio do Planalto trabalha para
concentrar as forças de sua tropa até setembro. Como o procurador-geral
deixa o cargo antes da primavera, os assessores do Planalto apostam que
ele não deixará esqueletos no armário para serem usados por sua
sucessora, a subprocuradora da República Raquel Dodge. Acreditam que
tudo será descarregado nos próximos dois meses. Depois da troca de
guarda na PGR, a situação não será de calmaria, pois o País ainda
enfrenta instabilidades políticas e o imponderável da Lava Jato, mas os
auxiliares de Temer crêem na diminuição da temperatura da crise.
Do lado oposto da trincheira, Janot quer fazer o diabo para prolongar
o desgaste de seu opositor. Por isso, corre contra o tempo. Sua
estratégia consiste em conseguir firmar um acordo de colaboração
premiada com personagens com potencial para constranger o presidente,
como por exemplo o doleiro e operador do PMDB Lucio Bolonha Funaro,
preso desde julho do ano passado. É desta cartola que os investigadores
acreditam que conseguirão sacar o tão aguardado “fato novo”, capaz de
levar Temer a nocaute, ao promover o desembarque dos aliados ainda
indecisos. Se as apostas sobre Funaro forem frustradas, ainda há
esperanças de que o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha
possa, também num acordo de delação, envolver Temer em algum caso
escabroso, ainda desconhecido do público.
Como as acusações foram fatiadas, – numa clara estratégia política do
procurador, que tenta fazer Temer sangrar por longo tempo – a próxima
denúncia será encaminhada só em agosto e deve versar sobre o suposto
crime de obstrução de Justiça. Conforme apurou ISTOÉ,
(...)
Quem é Marcelo Miller?
O ex-procurador Marcello Miller foi exaustivamente mencionado pelo
presidente Temer no contra-ataque feito esta semana ao procurador-geral
da República, Rodrigo Janot. Mas quem é Marcelo Miller?
Ele assessorou
Janot desde o início de sua gestão, em 2013. De fevereiro de 2015 a
julho de 2016, atuou no grupo de trabalho para análise das investigações
da Lava Jato contra políticos no Supremo Tribunal Federal (STF) e no
Superior Tribunal de Justiça (STJ). Miller era destacado por Janot para
as missões importantes, dentro e fora do Brasil. Mas em março deste ano
pediu demissão da procuradoria e foi contratado como advogado da JBS, a
empresa de Joesley Batista, o homem que provocou séria crise política
após gravar o presidente em conversas pouco republicanas . Miller não
participou da delação premiada de Joesley, mas chegou a trabalhar no
pacto de leniência da empresa. Depois, afastou-se da função. Na JBS,
contudo, Miller passou a ganhar “milhões”, como disse Temer.
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