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sábado, 14 de janeiro de 2017

Triste final feliz

A economia americana engasgou com as prendas estatais do presidente bonzinho, e as urnas mandaram a conta

Donald Trump ainda não estreou, mas o pranto desesperado de Hollywood em memória de Barack Obama já é o Oscar de melhor comédia.  Não se sabe ao certo o que o agente laranja vai aprontar no poder. O que se sabe e se viu foram os lábios trêmulos e a voz embargada de Meryl Streep defendendo um governo marqueteiro, populista e medíocre. Cada um com a sua comoção.  Hollywood acredita em Robin Hood. Ou, mais precisamente: metade quer acreditar, e metade finge que acredita.

A Meca do cinema conhece o poder de uma lenda — tudo está bem se acaba bem (com bons personagens e muita emoção). Foi assim que alguns astros hollywoodianos ungiram Hugo Chávez e Nicolás Maduro como heróis dos pobres sul-americanos. O sangue derramado, a liberdade ceifada e a devastação econômica não entraram no filme. Não devem ter cabido no roteiro.  A lenda de Obama começa com um final feliz. Coisa de gênio, sem precedentes. No que pôs os pés na Casa Branca, o presidente foi agraciado com o Nobel da Paz — o primeiro Nobel pré-datado da história.

Quem haveria de contestar a escolha, diante do sorriso largo, da elegância e do alto astral do primeiro presidente negro dos EUA, exorcizando a carranca do Bush?  O problema de uma história que começa com final feliz é você ter que assistir ao resto de olhos fechados, para não estragar. Foi o que fez a claque mundial de Barack Obama nos oito anos que faltavam.
Os críticos dizem que foi um governo desastroso. Inocentes — não sabem o que é uma temporada com o Partido dos Trabalhadores.

O Partido Democrata fez um governo medíocre, recostado à sombra do mito. E para corresponder à mitologia, aumentou alegremente as taxações e a dívida pública (100%), porque é assim que faz um Robin Hood.  A diferença é que na vida real há uma floresta de burocratas no caminho, engordando com o dinheiro dos pobres. Uma Sherwood estatal.

Esse populismo perdulário, de verniz progressista, ancorado num líder identificado com os menos favorecidos receita conhecida dos brasileiros — costuma ser muito saudável para quem está no poder. O problema é o bolso do eleitor, que não se comove com presidente fanfarrão, canastrão ou chorão. As caras e bocas de Obama devem ter enchido os olhos de Meryl Streep — mas, quando esvaziam o bolso do contribuinte, não tem jeito. A economia americana engasgou com as prendas estatais do presidente bonzinho, e as urnas mandaram a conta.  Só que a lenda está a salvo disso tudo, e a claque não se entrega — como foi visto na histórica cerimônia do Globo de Ouro.

O transtorno da elite cultural americana é tal, que os bombardeios de Obama ficam parecendo chuva de pétalas — mesmo quando destroem um hospital. Um cara tão gente boa não pode ser um dos presidentes que mais agiram contra as investigações da imprensa no país — e claro que o megaesquema de espionagem do caso NSA foi sem querer. Barack é do bem.  Dizem que Donald Trump vai provocar uma guerra mundial. É o chilique com efeitos especiais. Mas se isso acontecer, se o planeta virar mesmo um cogumelo, a claque do Obama estará de parabéns. Graças a ela, aos patrulheiros das boas maneiras ideológicas, aos gigolôs da virtude, enfim, a toda essa gente legal que vive de industrializar a piedade, o bufão alaranjado emergiu. Ele é a resposta dos mortais à ditadura dos coitados.

Só um caminhão de demagogia sobre imigrantes, impondo o falso dilema da xenofobia, poderia transformar um muro em protagonista eleitoral na maior democracia do mundo.
Xenófobos são sempre retrógrados — a civilização foi feita de migrações. Mas imigrantes e refugiados ganharam passaporte diplomático no mundo da lua dos demagogos, onde sempre cabe mais um.  Demagogia atrai demagogia — em igual intensidade e sentido contrário. Aí veio o troco do agente laranja, e agora Meryl Streep está fingindo que a escolha dos americanos discrimina Hollywood. É de morrer de pena.

É duro ver artistas esplendorosos fazendo papel de tolos com cara de revolucionários. Resta aos fãs fazer como eles: fechar os olhos para não estragar a história. E resta ao mundo parar de mimar os coitados profissionais. Eles custam caro. Obama se despediu repetindo o “Yes, we can”. Não, companheiro. Não podemos mais viver de slogans espertos e governantes débeis.  A paz mundial não avançou um milímetro enquanto o Nobel pré-datado engatinhava em seu gabinete, entre outras gracinhas ensaiadas. A Faixa de Gaza e o Estado Islâmico não têm a menor sensibilidade para as atrações da Disney.  Obama disse que Lula era o cara. A Lava-Jato provou que era mesmo. Cada um com sua lenda. E você com a conta. Mas não fique aí parado. Faça como a Meryl: chore.

Fonte: Guilherme Fiuza, O Globo

 

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2016

Encolhimentos em sequência e mais um golpe

Os resultados negativos vão se acumulando na economia, e as expectativas pioram. 

 A retração de 0,52% em dezembro, medida pelo Banco Central, é mais um dado negativo de 2015. Com a décima queda mensal seguida, o índice IBC-Br fechou o ano em -4,1%. Foi o pior resultado da série. Contrações fortes no comércio, na indústria e no setor de serviços, divulgadas nos últimos dias, já apresentavam o quadro ruim do ano passado. O resultado oficial sobre o PIB será divulgado pelo IBGE no dia 3 de março e as projeções apontam para uma contração próxima à registrada no IBC-Br.  

O cenário, infelizmente, não deu sinais de mudança com a virada do ano. De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômica (OCDE), o ritmo deve se manter em 2016. Ela revisou sua expectativa e acredita agora em outra contração de 4% na economia brasileira.

Mais um golpe

O Brasil foi rebaixado mais uma vez pela Standard & Poor’s, num dia que havia começado bem, com o dólar em queda. Conviveremos com a instabilidade porque este é o tempo em que as dificuldades se somam. O rebaixamento de ontem não terá o mesmo impacto do primeiro, mas é um novo ponto negativo numa conjuntura cada vez mais complexa.

A decisão anunciada pela S&P pegou o governo de surpresa. A convicção de integrantes da equipe econômica é que o país está, sim, com problemas, mas se tornando menos vulnerável em alguns pontos. Um alto funcionário lista os pontos: já foi feita uma correção de preços importante; o déficit em conta-corrente de US$ 100 bilhões caiu para pouco mais de US$ 50 bilhões; e, apesar dos rebaixamentos, o Brasil atraiu, no ano passado, mais de US$ 70 bilhões de Investimento Estrangeiro Direto (IED).

Isso tudo é verdade, mas o problema que piora a situação brasileira é que ninguém acredita na política fiscal e poucos analistas confiam que a equipe econômica será capaz de entregar um resultado suficiente para começar a reverter a situação. Então o número atual é ruim, e o projetado para frente fica ainda pior. A dinâmica do crescimento da dívida e do déficit assusta. É por isso que a Standard & Poor’s tem feito movimentos fortes, como o de ontem, em que rebaixou em dois degraus o rating da dívida brasileira em reais e colocou o risco-país a dois níveis abaixo da linha do grau de investimento. Além disso, o PIB continua caindo. O Banco Central ainda não refez a previsão do PIB deste ano e vai esperar sair o dado oficial de 2015, mas o novo número deve ser de uma queda maior do que 3%.

Outra preocupação da agência é o risco fiscal das estatais. Segundo a S&P, somente a dívida da Petrobras alcança 7% do PIB brasileiro, e caso a petrolífera tenha problemas de solvência muito provavelmente o governo terá que fazer um aporte na companhia. A paralisia política continua um entrave para as reformas, não só as fiscais, mas todas as que possam aumentar a capacidade de recuperação da economia.

No governo, há expectativa de que a situação possa melhorar em algumas áreas nos próximos meses. Uma dessas áreas seria a inflação, que teria queda no acumulado de 12 meses a partir de fevereiro e durante todo o primeiro semestre. Ainda ficará muito alta, mas seria uma desinflação.  O mercado olha para a frente e projeta inflação acima do centro da meta até 2019. Em meados do ano passado, as previsões eram bem mais benignas, mas a partir da dissolução da confiança no desempenho fiscal todos os cálculos de inflação para 2017, 2018 e 2019 aumentaram. Essa queda da confiança aconteceu com as revisões das metas de resultado primário e, principalmente, após o Orçamento enviado com déficit ao Congresso. Esse foi o momento em que o governo deu o sinal mais forte de que não tinha controle das contas nem compromisso de voltar a ter. A deterioração foi imediata. O Brasil sofreu o primeiro rebaixamento, e o dólar subiu. A disparada do dólar afetou fortemente a inflação.

O mundo, que até recentemente estava jogando a favor, passou a ser mais um fator de complicação. A economia americana estava crescendo perto de 3% e em poucas semanas isso foi revisto para o patamar de 2% e ainda assim há dúvidas. E os EUA são ainda o grande motor do crescimento mundial. A China enfrenta várias dúvidas desde o ano passado. Mais recentemente, elevou-se o temor em relação à saúde dos bancos europeus. Entre outras razões, isso deriva do fato de que a partir de primeiro de janeiro entrou em vigor nova regulação no mercado financeiro europeu, estabelecendo limites para a atuação do Estado para conter as fragilidades do sistema financeiro. Tudo isso contém a tendência de valorização forte do dólar, o que pode aliviar a pressão da desvalorização do real. Esse efeito positivo, contudo, é menor do que o mal que pode fazer a uma economia fragilizada o aumento da instabilidade internacional.

Em nota, após o rebaixamento, o Ministério da Fazenda diz que é preciso destacar “avanços”, e dá como exemplo “o ajuste de R$ 134 bilhões do ano passado”. A verdade é que, no ano passado, o país teve o pior déficit primário da história, R$ 111 bilhões. Faz sentido a Fazenda usar um argumento desses? Em algum momento, a ficha terá que cair.

Fonte: Coluna da Míriam Leitão