Revista Oeste
Nos últimos anos, vimos grandes corporações virarem manchetes por seu ativismo político. Aqui nos Estados Unidos, por exemplo, o PayPal boicotou a Carolina do Norte por causa de um projeto de banheiro transgênero, a Coca-Cola denunciou um projeto de lei eleitoral na Geórgia e, claro, a Disney, que, recentemente, se opôs a uma lei da Flórida que proibia as escolas públicas de instruírem sobre sexualidade e identidade de gênero crianças do jardim de infância até a 3ª série. A explicação que ouvimos com frequência é que funcionários ativistas, os típicos millenials, estão comandando o show. Mas isso não é a história completa. Ativistas e empresas de investimentos também estão impulsionando a tendência ESG nos bastidores.
Historicamente, muitos investidores adicionaram a sobreposição de “valores” às suas preferências de investimento. As duas principais abordagens baseadas em valores são o Socially Responsible Investing (SRI) e o Impact Investing (IR). A estes foi adicionado um novo acrônimo, Environmental, Social, and Governance (ESG), e, embora esses termos sejam frequentemente usados de forma intercambiável, é importante entender algumas diferenças críticas para ver por que o ESG é tão problemático. Muitas pessoas ainda não entendem o ESG, até porque, embora haja um gigantesco pedágio ideológico a ser pago, muitas ações são desenhadas estrategicamente com discrição.
Como alguém pode alegar estar lidando com as “mudanças climáticas” e a “a salvação do planeta” investindo na China, o pior emissor de gases de efeito estufa?
Nos Estados Unidos, as igrejas, por exemplo, usam o SRI. A estratégia de RI já é investir em empresas com potenciais soluções para problemas importantes para um investidor. Tanto o SRI quanto o IR são estratégias legítimas de investimento baseadas em valores que operam dentro dos parâmetros do capitalismo de livre mercado. Eles representam formas construtivas para os investidores expressarem suas opiniões, encontrarem soluções para problemas significativos e participarem do mercado de capitais sem comprometer seus valores.
O famigerado ESG é essencialmente uma pontuação de crédito (credit score) para negócios. Por exemplo, uma empresa pode melhorar sua pontuação ESG comprometendo-se a reduzir as emissões de carbono, contratando um “gerente de diversidade” ou doando para uma causa política. E essa pontuação tem implicações financeiras. A primeira coisa a perceber é que esse movimento é incrivelmente perverso e perturbadoramente incorporado ao sistema financeiro. Já há livros sendo escritos sobre como esse movimento está revolucionando o mundo corporativo. Basicamente, o ESG é uma métrica que pontua as empresas com base em suas posições políticas e suas atividades. Mas esta é a chave do cofre: as chamadas “posições corretas” são quase exclusivamente de esquerda.
E quem emite a pontuação? No momento, isso não é totalmente centralizado. Existem algumas empresas de gestão de fundos muito grandes, como a Black Rock, a maior gestora de ativos do mundo, que têm seus próprios departamentos internos que definem suas prioridades. Mas também existem algumas empresas de analistas financeiros que fornecem pontuações com base em suas próprias prioridades. A maior dessas empresas é a Institutional Shareholder Services (ISS) — algo como “Instituição de serviços aos acionistas”. Mas aqui está o problema: o ISS também é conhecido como um serviço de proxy. Isso significa que qualquer um desses investidores que possuem ações de várias empresas paga a ISS não apenas para fornecer essas pontuações, mas também para votar nas assembleias de acionistas. O que especialistas alertam, no entanto, é que há uma tonelada de conflitos de interesse inerentes. Basicamente, esses scorekeepers de terceiros, aqueles que manipulam as pontuações, que são geralmente inclinados à esquerda, estão decidindo quais prioridades são importantes. Em seguida, votam em nome de seus acionistas. O absurdo é que as pontuações não vêm de um órgão oficial regulamentado, tudo isso está acontecendo fora do processo democrático. E, como eles estão votando no lugar dos investidores, as empresas são colocadas em uma posição em que elas têm de fazer o que essas empresas dizem. Esse movimento está afetando profundamente os rumos da sociedade, e tudo está acontecendo fora de qualquer processo legislativo.
O mais perigoso de tudo, assim como vimos na pandemia, é que as prioridades estão sendo estabelecidas por um pequeno grupo de pessoas agrupadas em um punhado de organizações de elite. Com o ESG, os três maiores gestores de ativos, Black Rock, Vanguard Group e State Street Global, estão usando o movimento para manipular empresas. Nos últimos 20 anos, os três gigantes compraram ações de 20% de quase todas as empresas do S&P 500 (Standard and Poor’s 500, índice do mercado de ações que acompanha o desempenho das ações de 500 grandes empresas listadas em bolsas nos Estados Unidos). E o que eles afirmam é que eles são os acionistas: “Nós diremos à sua empresa o que você precisa fazer”. E isso é falso. Na verdade, o capital não é deles, mas dos acionistas, e está sendo usado para impulsionar a agenda ESG. Muitos desses cidadãos, os reais donos do dinheiro, discordam das posições e das decisões do conselho.
Em nome da salvação da Amazônia, “o pulmão do mundo”, novos tiranos emergirão nos próximos anos
Tamanha hipocrisia é estarrecedora, mas também ajuda a apontar para as profundas deficiências do atual sistema ESG. Apesar de todas as suas tentativas de incentivar a ação moral por parte das empresas, o movimento não faz as distinções morais mais importantes de todas: a diferença entre liberdade e tirania, entre uma empresa operando em um mercado livre e uma sujeita a alto grau de controle político e econômico.
Em grande medida, o ESG opera de uma forma que ou assume uma equivalência moral entre países livres e não livres ou que, de fato, aplica padrões diferentes. O nefasto movimento se tornou uma cultura corporativa dos EUA altamente crítica em relação à América, o que sem dúvida está minando o sistema de livre mercado por dentro. Enquanto isso, ao não reconhecer a natureza da China comunista, incentiva empresas e fundos a investirem em um regime que se opõe profundamente ao livre mercado e ao Ocidente. É impossível progredir em questões ambientais, sociais e de governança corporativa quando a liberdade econômica — e a liberdade humana, em geral — é inexistente.
A pandemia talvez tenha apenas mostrado com todas as cores do que o ser humano é capaz pelo poder. Tudo será autorizado para “salvar o planeta”, e, em nome da salvação da Amazônia, “o pulmão do mundo”, novos tiranos emergirão nos próximos anos. Orai e vigiai.
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Ana Paula Henkel, colunista - Revista Oeste