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quarta-feira, 8 de junho de 2022

STF cria engrenagem insana e não mexe com fake news de Lula - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo

Supremo não fará nada com as mentiras ditas pelo petista e pelo seu sistema até o dia da eleição

De todas as aberrações legais que o Supremo Tribunal Federal criou com as suas decisões, fazendo do Brasil um país onde a confiança que se pode ter na lei é a mesma que se dá a um vendedor de relógio suíço no Viaduto do Chá, provavelmente nenhuma é tão bichada quanto a campanha apostólica, radical e altamente excitada que se armou contra as “notícias falsas”, como se poderia dizer perfeitamente em português – mas que os ministros preferem chamar de “fake news”, num admirável esforço para introduzir o idioma inglês na linguagem oficial da justiça brasileira. As “fake news” são um ectoplasma apavorante. 

Ninguém saberia dizer o que é uma fake news – ou seja, estamos aí diante de um crime que o STF proíbe de se cometer, mas que ninguém sabe qual é, pois ele não está descrito no Código Penal Brasileiro ou em qualquer outro lugar da legislação brasileira ou mundial. É um problemão
Se você é candidato nas próximas eleições, por exemplo, pode ter o seu registro cassado se o TSE achar que cometeu alguma “fake news.” 
Se é um cidadão normal, pode se ver metido no Inquérito Perpétuo Para Investigar Atos Antidemocráticos que o ministro Alexandre de Moraes toca há três anos e aí a coisa fica pretavocê pode ser preso, exilado, multado, desmonetizado, tornozelado, ter as suas contas bancárias bloqueadas (e as contas da sua mulher também) e ficar sujeito a qualquer punição que inventem. 
 
Jamais houve uma situação assim na história deste país: o cidadão não sabe, a nenhuma hora do dia ou da noite, se é culpado ou inocente, pois não sabe se cometeu ou não o crime que os ministros do STF fazem pairar sobre todos nós. 
Ninguém parece livre disso, nem o personagem mais querido da justiça brasileira de hoje em dia o ex-presidente Lula, atual candidato à presidência da República. 
Ou melhor: com ele não acontece nada, nunca, mas a sua gritaria de campanha pode deixar o ministro Moraes com a vida complicada em matéria de “fake news”. 
Lula acaba de dizer, falando diretamente do presidente Bolsonaro, que “gente dele” esteve envolvida no assassinato da vereadora Marielle Franco, em março de 2018. 
Não há, como a Justiça sabe há mais de quatro anos, nenhuma prova a respeito – se houvesse, o presidente já estaria há muito tempo fora do Palácio do Planalto. E agora? Dizer o que Lula disse é “fake news”? Ou é uma questão de opinião?

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Parece ser uma questão de opinião, pela lógica comum – mais vai saber. Volta-se, inevitavelmente, ao pecado original desta história toda: ninguém sabe, exatamente, o que é o diabo da fake news. 
Sabe-se que o STF não admite mais que se diga nenhuma mentira nesse país, nem que saia uma notícia falsa na internet, nem que se faça “desinformação”, e por aí afora. 
Sabe-se, também, que “fake news” é tudo o que o seu adversário político diz contra você. Mas e além disso? É uma treva completa. 
Bolsonaro poderia dizer, a respeito de Lula, que “gente dele” esteve envolvida no assassinato do prefeito Celso Daniel? 
Ele teria a mesma quantidade de provas que Lula teve para acusá-lo de envolvimento na morte de Marielle. 
O STF pune um dos dois? Pune ambos?  
Não pune nem um e nem outro, por que aí já é coisa de cachorro grande? É uma palhaçada gigante.
 
Lula diz que é “fake news”, e portanto proibido, dizer que ele é ladrão, porque, em sua opinião, foi “inocentado” com a anulação das ações penais a que respondia - inclusive sua condenação por corrupção e lavagem de dinheiro, em três instâncias e por nove juízes diferentes. 
Mas pode-se perfeitamente dizer, quanto a isso, o exato contrário: quem está espalhando “fake news” é o próprio Lula, pois ele não foi “inocentado” de coisa nenhuma, já que a justiça não o absolveu de nada. Nesse caso, segundo o evangelho do ministro Moraes e dos seus colegas, o TSE não deveria cassar o registro da sua candidatura à presidência? Outra: ele diz é que notícia falsa, e como tal sujeita à ira do STF, a afirmação de que seu vice Geraldo Alckmin foi a favor do impeachment de Dilma Rousseff. 
Mas está gravado que Alckmin fez isso mesmo; nem Deus consegue apagar o que o homem disse. E então: não seria “fake news” dizer que é “fake news” uma “news” que não é “fake”? 
 
O STF conseguiu montar, peça por peça, essa engrenagem insana – e, mais que isso, estúpida, pois não fica de pé diante da lógica mais elementar. 
É certo que não vai mexer uma palha com as mentiras ditas por Lula na campanha, nem as notícias falsas que o seu sistema vai divulgar até o dia da eleição. 
Como vai ficar, aí, o xingatório do outro lado? 
Ganha o carimbo de “fake news”, enquanto o outro lado deita e rola?  
Ou fica tudo por isso mesmo e as duas partes são liberadas “geral” para dizer qualquer barbaridade que queiram? 
Nesse caso, o que fazer com a fúria do STF, e de todo o seu imenso serviço de apoio, em relação ao demônio das “fake news? É isso, a “suprema corte” brasileira.
 
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo
 

 

segunda-feira, 4 de abril de 2022

Duplo zero - As candidaturas da chamada ‘terceira via’ têm um problema sem solução: não existem - O Estado de S. Paulo

J. R. Guzzo
 
Talvez não seja possível encontrar uma forma mais eficaz de perder o seu tempo, hoje em dia, do que ficar gastando atenção e neurônio com o copioso noticiário sobre um ectoplasma chamado “terceira via”.  
Trata-se das candidaturas de centro, civilizadas, equilibradas, sensatas, liberais com toques de socialismo à la Magazine Luiza, que rompem a necessidade de se escolher entre os extremos de Bolsonaro e Lula etc. etc. etc. 
 
[Queremos uma terceira via; nós, BOLSONARISTAS,  exigimos uma segunda via. Viktor Orbán, ganhou na Hungria, pela quarta vez consecutiva, tendo contra toda a oposição unida. É o que o presidente BOLSONARO quer e o Brasil precisa para o capitão vencer de forma avassaladora as próximas eleições.]
Basicamente, elas têm um problema sem solução: não existem. 
No seu momento mais alucinado, as candidaturas politicamente virtuosas dessa “terceira via” chegaram a incluir, a sério, um apresentador de televisão como o seu grande nome – para não falar, acredite se quiser, no atual presidente do Senado e no ex-presidente da Câmara. De lá para cá, a situação passou do zero ao duplo zero. 

Moro Doria Moro
As candidaturas de Doria, de Moro e outras menos faladas só existiram no campo das miragens. Foto: Alex Silva/Estadão e Carol Góes/Estadão

Os últimos dias, a propósito, revelaram o deplorável estado a que chegaram as duas candidaturas mais faladas da “terceira via” – quer dizer, as mais faladas na mídia e nas mesas-redondas entre “analistas políticos” que vão ao ar depois que termina o horário nobre. O governador João Doria renunciou à sua candidatura, depois renunciou à renúncia e acabou renunciando, mesmo, ao governo de São Paulo – a única coisa concreta que tinha. O ex-juiz Sérgio Moro saiu do partido que até cinco minutos atrás considerava ideal, desistiu da candidatura, mas pode desistir da desistência, e se proclamou um “soldado da democracia” – só que para guerrear num outro partido, um dos mais forrados do dinheiro que foi extorquido da população pelo “fundo eleitoral” de R$ 5 bilhões.

Foi o ponto mais baixo a que chegaram, tanto um como o outro. Não se entende: se os dois garantiam ao público pagante, durante esse tempo todo, que seriam os melhores nomes para ocupar a Presidência da República, por que raios querem deixar claro, com suas renúncias e contra-renúncias, que não sabem o que estão fazendo? Na verdade, dá para entender perfeitamente bem. As candidaturas de Doria, de Moro e outras menos faladas só existiram no campo das miragens
Não passaram do estado gasoso e agora, a seis meses das eleições presidenciais, revelam-se o que sempre foram dois relógios suíços fabricados em Pedro Juan Caballero. 
 
 Doria, até romper com Bolsonaro e virar, automaticamente, um herói para os meios de comunicação, as classes intelectuais e a esquerda “moderada”, era tratado por todos eles como uma ameba de baixa categoria
Moro largou Bolsonaro, largou o partido que escolheu como o seu táxi para a Presidência e já está na sua terceira turma em menos de três anos. Não dá mais para nenhum dos dois, a essa altura, trocar de alma.
 
J. R. Guzzo, colunista - O Estado de S. Paulo
 
 

 

domingo, 22 de dezembro de 2019

Os fiscais da corrupção enxugam gelo - Elio Gaspari

A história do chamamento de preços do Ministério da Justiça que foi prorrogado

Imagine-se o juiz Sergio Moro no gabinete de Curitiba recebendo a informação de que o governo petista fez um chamamento de preços para aluguel de um imóvel de 4.490 m² em Brasília listando entre os requisitos “desejáveis” do prédio dois auditórios com no mínimo cem lugares, sistema de reuso de água, elevadores com sistemas de antecipação de chamadas e selos de eficiência energética.

O juiz desconfiaria. Esse chamamento de preços partiu em outubro passado do Departamento Penitenciário Nacional, subordinado ao ministro Sergio Moro. A ONG Contas Abertas sentiu cheiro de queimado e mostrou ao Tribunal de Contas que em Brasília existe só um imóvel capaz de obter a pontuação máxima no julgamento de futuras propostas, o Centro Corporativo Portinari. Dado o alarme, o Ministério da Justiça prorrogou o prazo de recebimento das propostas. Lá, informam que o adiamento nada teve a ver com a entrada do TCU no caso. Fica combinado assim.

Pouco custava dizer que a postergação tinha a ver com as críticas. Os prédios onde trabalham a rainha Elizabeth, Jair Bolsonaro e Sergio Moro não atendem aos desejos listados pelo Depen. (Logo ele, que cuida de penitenciárias.) Em março passado o TCU pediu à Agência Nacional de Transportes Aquaviários que renegociasse o valor do aluguel que pretendia pagar no mesmo Centro Portinari. Graças ao TCU, o chamamento de preços do Ministério da Justiça foi prorrogado. Graças à Controladoria-Geral da União, desde dezembro do ano passado, 22 licitações foram suspensas. Entre elas, a do megajabuti do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, que pretendia torrar R$ 3 bilhões comprando 1,3 milhão de computadores, laptops e notebooks para escolas da rede pública. Os auditores descobriram que 355 colégios receberiam mais de um equipamento para cada aluno, sendo que numa escola mineira, cada estudante ganharia 118 laptops.

Os órgãos de controle não estão aí para enxugar gelo. No caso do aluguel para o Fundo Penitenciário, pode ter havido exageros, ou mesmo um direcionamento. No do FNDE havia coisa muito mais grossa. Não basta suspender os chamamentos de preços e as licitações, falta examinar os jabutis. Em 2003, quando nomeou três parentes para seu gabinete, o vice-presidente José Alencar disse que dava “a mão a palmatória”, demitiu-os e ensinou: “Há topadas que ajudam a caminhar”. Na mesma época, a prefeitura de Ribeirão Preto (SP) concluiu pela lisura de uma licitação escalafobética de “molho de tomate refogado e peneirado, com ervilhas,” em 40.500 cestas básicas, feita ao tempo em que o comissário Antonio Palocci governava a cidade. Deu no que deu e continua dando.

Chicago, quem diria, quer uma CPMF.net
Ganha um fim de semana em Santiago quem souber de onde o ministro Paulo Guedes tirou a ideia da criação de sua “CPMF digital”, como disse Merval Pereira.
Ele sabe que o governo não tem um projeto de reforma tributária. Sabe também que Bolsonaro não quer a volta da CPMF. Se isso fosse pouco, Rodrigo Maia já avisou que esse ectoplasma não passa no Congresso.
Ainda assim, Guedes disse uma frase que deve levar os sacerdotes do papelório a pensar onde se meteram. Disse o doutor:
“Tem transações digitais. Você precisa de algum imposto, tem que ter um imposto que tribute essa transação digital.”
A ideia segundo a qual existindo uma atividade, “tem que ter um imposto”, é paleolítica. Se o sujeito transfere uma quantia pelo seu celular, “você precisa de algum imposto”. E se ele faz o depósito indo ao banco de ônibus, não precisa? Nessa maravilhosa construção tributária, a tunga viria do uso de um novo meio, o digital.
Isso nem jabuticaba é. Trata-se de um fruto que só existe no pomar do doutor Guedes, um ex-aluno de Chicago, universidade onde pontificou o economista Milton Friedman (1912-2006).
Pois Friedman tinha horror à intervenção do Estado e viveu o suficiente para perceber a importância da internet. Ele previu:
“Eu acho que a internet será um dos grandes fatores para a redução do papel dos governos.”

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Toffoli
Terminadas as férias do Supremo Tribunal Federal, o ministro Dias Toffoli terá o mais longo fim de mandato da História da Corte. Em setembro será substituído por Luiz Fux.

Gol fácil
O Congresso botou a bola na marca de pênalti para que Bolsonaro marque um gol.
Ele diz que procurará uma brecha para vetar a despesa de R$ 2 bilhões para o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. (Os parlamentares fingiram que queriam R$ 3,8 bilhões.)
Se o capitão passar a faca, o Congresso poderá derrubar o veto. Só neste mês já derrubou sete vetos de Bolsonaro. Desse jeito, mantém-se a despesa e o presidente leva o crédito de ter feito tudo que estava ao seu alcance para impedi-la.



MATÉRIA COMPLETA em  Folha de S. Paulo - O Globo - Elio Gaspari, jornalista