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quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

‘Mirabolante’, diz delegado que revelou farsa de ritual satânico

Polícia descobriu que três testemunhas foram compradas para inventar que crianças haviam sido sacrificadas; morte de irmãos ainda não foi esclarecida

A motivação do esquartejamento de dois irmãos, um menino com idade entre 8 e 9 anos e uma menina com idade entre 10 e 12 anos, encontrados em 4 de setembro em Novo Hamburgo, na região metropolitana de Porto Alegre continua sendo um mistério. A única certeza até o momento é que a história de um suposto ritual satânico com as crianças é mentira. A farsa pode ter servido como “cortina de fumaça” para desviar o foco da investigação que inicialmente trabalhava com a hipótese de um crime ligado ao tráfico de drogas.
 Testemunhas inventaram que crianças foram sacrificadas em ritual encomendado a suposto bruxo com templo (foto) em Gravataí, diz polícia (Felix Zucco, Agência RBS/Folhapress)

A falsa solução do crime foi apresentada pelo delegado Moacir Fermino em janeiro durante as férias do delegado Rogério Baggio, que conduzia as investigações. Agora, Fermino e sua equipe estão sendo investigados pela Corregedoria-Geral da Polícia Civil (Cogepol). A reportagem tentou contato com Fermino, que não atendeu as ligações.
“Não há crime perfeito. Descobrimos uma falha e encontramos a verdade. Tenho dez anos de profissão e nunca vi nada parecido”, disse Baggio a VEJA, em entrevista no seu gabinete. Ao retornar ao posto após as férias, Baggio estudou o inquérito do colega substituto, analisou as provas apresentadas, fez novos interrogatórios e concluiu: um homem comprou três testemunhas que inventaram sobre o sacrifício dos irmãos em um ritual de magia negra. Em troca, as testemunhas ganhariam salário e moradia do programa estadual de proteção às testemunhas, ou seja, foram corrompidas com dinheiro público – uma delas já estava no programa quando a mentira foi descoberta e outra estava prestes a ingressar.

A Cogepol investiga a operação para descobrir se policiais estão envolvidos na compra de testemunhas e a possível motivação para a versão do suposto ritual satânico.  “Foi uma história mirabolante e muito bem contada. Embora seja uma história mentirosa, é repleta de fatos verdadeiros que davam credibilidade à versão”, disse Baggio. Por causa da mentira, cinco homens estavam presos havia vinte dias e dois estavam foragidos com decreto de prisão.

Assim que percebeu que os homens presos não estavam envolvidos no crime, Baggio temeu por suas vidas. “Eles eram acusados de algo grave. Mesmo quem é criminoso não aceita esse tipo de coisa envolvendo crianças. Eu tinha que correr contra o tempo [para que outros presos não matassem os suspeitos]”, disse à reportagem o titular da Delegacia de Homicídios de Novo Hamburgo.
“As vítimas, até então suspeitas, foram postas em liberdade. Fiquei mais tranquilo. A maior satisfação do trabalho não é prender, como as pessoas podem imaginar, mas libertar pessoas inocentes”, falou Baggio.

Quando o delegado usa o termo “mirabolante”, ele se refere ao quebra-cabeças que envolvia provas plantadas, denúncias anônimas, a ligação entre os sete suspeitos (alguns nem sequer se conheciam), detalhes falsos sobre o suposto ritual (sete homens encapuzados, velas acesas, crianças com capuz e cambaleantes), detalhes verdadeiros sobre os homens até então suspeitos e testemunhas compradas que serviam para “fechar pontas” da investigação. Tudo foi inventado.

Até um livro artesanal de ritualística, parecido com um roteiro de teatro com as falas indicadas, foi provavelmente alterado para servir de prova do suposto ritual. Uma página do manual foi arrancada para dar a falsa ideia de que ali estaria indicado o sacrifício e uma parte foi queimada para sugerir ocultação de provas. Mesmo com a busca e apreensão realizada pelo delegado Fermino em um templo, o livro só foi encontrado em outra operação de busca comandada por Baggio. A nova operação no local durou 55 horas e os policiais não encontraram nenhum rastro de sangue humano nos testes noturnos com lumiol, substância que brilha na presença de sangue.
Ainda não se sabe por que os sete homens acusados foram escolhidos, se por vingança ou aleatoriamente, e não se sabe quem matou as crianças e o porquê. O assassinato ainda está sendo investigado por Baggio: “Não descarto nenhuma hipótese, só sei que as mortes não ocorreram da forma anunciada”.

Saiba mais sobre crimes brutais, envolvendo a prática de satanismo
 

Paula Sperb - Veja


segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Elize Matsunaga é condenada a 19 anos, 11 meses e um dia de prisão

Julgamento durou sete dias e foi um dos mais longos da história da Justiça de São Paulo

Elize Matsunaga foi condenada a 19 anos, 11 meses e um dia de prisão em regime fechado pelo homicídio de seu marido, o empresário Marcos Kitano Matsunaga, executivo da Yoki, além da destruição e ocultação de cadáver – crime ocorrido em maio de 2012. A sentença foi dada na madrugada desta segunda-feira, no Fórum Criminal da Barra Funda, na zona oeste de São Paulo. Os advogados de defesa disseram que vão recorrer da sentença. Foram sete sessões de julgamento em um dos júris mais longos do judiciário paulista.



Elize Matsunaga no Fórum Criminal da Barra Funda, em São Paulo - Reprodução


 A sentença foi lida pelo juiz Adilson Paukoski no início da madrugada desta segunda-feira após sete dias de julgamento. O júri, iniciado na segunda-feira (28), ocorreu no Fórum Criminal da Barra Funda, na Zona Oeste da capital paulista. Conclui-se que por toda a dinâmica dos fatos, tratar de pessoa com personalidade fria e manipuladora. Chegando a se passar por esposa abandonada e ainda se desvencilhou do instrumento que esquartejou a vítima — disse Paukoski.

Além da condenação por homicídio, Elize recebeu a pena por ocultação de cadáver por ter despejado partes do corpo do empresário em uma estrada. Marcos foi morto no dia 19 de maio de 2012. Em julho do mesmo ano, Elize foi presa.

O Conselho de Sentença entendeu que o recurso que impossibilitou a defesa da vítima foi a única qualificadora aceita e, assim, os jurados derrubaram as de motivo torpe e meio cruel. Na interpretação do júri (formado por quatro mulheres e três homens) – que coincide com a tese da defesa -, o crime não foi cometido nem por vingança nem por dinheiro. Para eles, também não ficou provado que Marcos estava vivo quando foi esquartejado. 

Ré confessa, Elize foi ouvida no domingo em um interrogatório que durou mais de quatro horas, mas não respondeu às perguntas da acusação. Ela chorou ao lembrar do passado como garota de programa, da filha do casal, hoje com 5 anos, e também dos xingamentos de Marcos. “Deus sabe do meu coração. Se eu tenho de aprender mais alguma coisa, Ele sabe”, afirmou.

Neste domingo, Elize contou sua versão sobre o assassinato e esquartejamento do marido. “A única forma que eu encontrei foi cortá-lo, infelizmente”, disse ela. Na parte da manhã, ela respondeu os questionamentos do juiz Adilson Paukoski e se negou a responder as perguntas da acusação. Durante todo o tempo, Elize manteve a voz firme quando falava sobre o disparo que atingiu o lado esquerdo do crânio de Marcos e o esquartejamento, realizado com uma faca de carne no quarto de hóspedes do apartamento, segundo ela. Mas chorava ao falar do passado como garota de programa, da filha e dos xingamentos do marido. Ao mencionar uma passagem da qual disse se arrepender, ela completou a frase com “infelizmente”.  Os advogados Luciano Santoro e Roselle Soglio alegaram ainda que ela agiu sozinha.


O ‘Dia D’
O assassinato aconteceu em maio de 2012, no apartamento do casal, na Vila Leopoldina, zona oeste de São Paulo. Após ser baleado na cabeça, o executivo teve o corpo cortado em sete partes, jogadas à beira de uma estrada em Cotia, na Grande São Paulo.  No dia do crime, Marcos foi buscá-las no Aeroporto de Cumbica, em Guarulhos. Todos foram ao apartamento. Após a saída da babá, o casal pediu uma pizza que o empresário foi buscar na portaria. Na volta, ele seria morto por Elize.

Na versão da ré, não houve emboscada. O casal chegou a sentar à mesa, mas iniciou uma discussão. Marcos teria dito que ia para a casa do pai. Elize desconfiava que ele voltaria a se encontrar com a amante. “Eu não aguentei, disse para ele parar de mentir”, afirmou. “Eu contei que tinha contratado um detetive e sabia de tudo.” Segundo Elize, o empresário esbravejou. “Como você tem coragem de fazer isso com o meu dinheiro?”, teria dito. “Ele me chamou de vaca, vagabunda e deu um tapa no rosto”, afirmou.

Elize conta que os dois estavam de pé na hora da discussão. Após o tapa, ela foi para a sala de estar, apanhar sua pistola .380, que havia sido presente de Marcos. “Quando olhei a arma na minha mão, me arrependi. Fui para cozinha para ele não me ver.”  Marcos teria ido atrás dela. “Ele ficou surpreso e começou a rir”, contou. “Falou que eu era uma puta, falou para eu ir embora com a minha família e deixar a filha dele lá”, afirmou. “Eu não raciocinei. Eu poderia ter feito inúmeras coisas. Poderia ter feito um milhão de coisas. Eu não estava normal naquela hora.”  Praticante de tiro, Elize disparou a arma e acertou o marido na cabeça. “Eu queria que ele se calasse. Queria que tudo aquilo acabasse”, disse. “Eu não optei pelo tiro.  Aconteceu.” Segundo afirma, a ré ficou desesperada. Chegou a pegar o telefone para ligar para a polícia, mas desistiu. “Eu ia ser presa. Iam levar minha filha para um abrigo.” Elize conta que arrastou o corpo de Marcos pelos braços, por cerca de 15 metros, até o quarto de hóspedes. Depois limpou o rastro de sangue com um pano e produto de limpeza.

O esquartejamento só começou no dia seguinte, entre 5h30 e 6h, após a chegada da babá. “Queria esconder ele”, justificou. Ela relata que começou pelos joelhos, porque sabia que “só tinha articulação”. Depois os braços, o tronco e, por fim, a cabeça. Pôs as partes em sacos de lixo e os sacos em três malas.  Inicialmente, contou à família da vítima que Marcos estava desaparecido. “Eu não tinha como falar para minha sogra: ‘Desculpa, atirei no seu filho’.”
“Eu não queria matar o Marcos, não fiz por crueldade”, disse Elize, quando questionada se gostaria de se defender. “Queria pedir desculpa a todas as pessoas que machuquei por esse ato infeliz”, afirmou. “Se eu tiver mentindo, quero que Deus me castigue da pior forma possível.”

Fonte:  Estadão Conteúdo

 

terça-feira, 29 de novembro de 2016

Crime bárbaro - Caso Yoki

As contradições de Elize vão a júri

Ela é culpada pelo assassinato do marido, Marcos Matsunaga, e sobre isso não há dúvida. O que se vai discutir no julgamento, entre outros pontos, é se a acusada o esquartejou ainda vivo 

Desde a sua criação na Inglaterra, no início do século XIII, o Tribunal do Júri existe para decidir se quem está sentado no banco dos réus é culpado ou inocente e isso é feito pelo conselho de sentença formado por cidadãos comuns, não por juízes togados. O julgamento que começa em São Paulo na segunda-feira 28, um dos mais aguardados dos últimos tempos, terá um desenrolar bem diverso. Nele, o que está em jogo não é culpa ou inocência, mas cerca de dez anos a mais ou a menos na condenação da ex-garota de programa e bacharel em direito Elize Araújo Matsunaga, ré no assassinato, esquartejamento e ocultação do corpo de seu marido, Marcos Matsunaga (ele era dono da marca Yoki, vendida para o conglomerado General 500ls que há quatro meses encerrou as suas atividades no País). Elize ouvirá o veredito de culpada, isso é ponto pacífico, até porque confessou a sequência dos crimes. Se prevalecer a tese da acusação sustentada pelo promotor José Carlos Cosenzo, ela deverá receber uma sentença de aproximadamente 28 anos de prisão. Se ganhar a defesa, representada pela advogada Roselle Soglio, a condenação poderá ficar na casa dos 18. Apresenta-se, aqui, tais teses e a aritmética da pena no tribunal.

Onde o júri pega fogo
Nos depoimentos da acusada há uma coleção de contradições. Na noite de 19 de maio de 2012 ela matou Marcos com um tiro na cabeça, no duplex de 500 metros quadrados em que o casal morava em São Paulo. Cortou o cadáver em seis pedaços em um dos quartos de hóspedes (o mesmo que durante bom tempo abrigara uma jiboia), e, no dia seguinte, livrou-se das partes do corpo nas imediações do sítio de um amigo da família. Elize declarou que o som do tiro não foi ouvido no prédio porque os vidros de seu apartamento são à prova de som. Inverdade: Elize valeu-se de um silenciador na arma. Segundo a sua advogada, a ré reagiu à grave ofensa. Mais: o marido ameaçava tirar-lhe a filha. Mais ainda: ele a traía com uma garota de programa. Tecnicamente falando, trata-se de “homicídio privilegiado”, o que implica atenuantes. Ocorre, porém, que ninguém carrega o tempo todo consigo uma pistola com silenciador, esperando receber uma eventual ofensa para dispará-la. Ou seja: Elize atirou porque premeditou o crime. Pela lei, onde há “assassinato premeditado” não pode haver, obviamente, “assassinato privilegiado”.

Em outros pontos contraditórios o júri pegará fogo. Na noite do crime, Marcos descera para apanhar a pizza que o casal chamara pelo delivery. Laudos oficiais mostram que ele foi assassinado quando, ao retornar ao apartamento, sentou-se à mesa da copa. Levou um tiro à queima-roupa, sem a menor chance de se defender, e isso enterra a versão da ofensa. 

Marcos teria sido, então, executado. Já a perícia realizada pela defesa aponta, por sua vez, que ele teve a possibilidade de tentar se defender, uma vez que o disparo se deu a mais de meio metro de distância. Qual a importância disso tudo, a ponto de centímetros serem medidos? É que se ganhar a tese da execução (a do promotor), fica valendo a qualificadora de “impossibilidade de defesa da vítima”, e já aí a ré verá cerca de cinco anos acrescidos à sua condenação básica (18 anos mais cinco, tem-se 23). Se vencer a argumentação da defesa, a de que Elize disparou de improviso e a longa distância, cai tal qualificadora e a pena por enquanto ficaria em torno dos 18 anos.

O auge do julgamento acontecerá no momento em que promotor e advogada debaterem sobre o esquartejamento. Volta-se, aqui, aos laudos oficiais, e eles constatam que Marcos aspirou sangue quando Elize o decapitou ele então ainda estaria vivo quando a ré começou a esquartejá-lo. Essa é a qualificadora denominada “meio cruel”: se vingar, serão mais outros cinco anos no veredito, e chega-se aí aos 28 de condenação (incluída a agravante de que Marcos não teve como se proteger). A defesa, baseada também em laudo técnico, sustenta que a aspiração do sangue ocorreu com o impacto do tiro e que ele estava morto quando seu corpo foi despedaçado. A discussão se dará com base nesses pareceres, uma vez que a palavra de Elize não pode ser tomada como verdadeira. Ela reitera, por exemplo, que cortou o corpo sozinha. ISTOÉ mostrou com documentos oficiais que a ré recebeu ajuda de pelo menos uma pessoa do sexo masculino nessa macabra tarefa.

Fonte: IstoÉ